Colapso iminente: oito dezenas de jornalistas reivindicam dívidas para se precaverem da insolvência

Trust in News: Luís Delgado sob risco de condenação por crime de abuso de confiança fiscal

por Pedro Almeida Vieira // Julho 9, 2024


Categoria: Imprensa, Exame

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O volume de dívidas da Trust in News – dona da Visão e de mais 16 títulos da imprensa – à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira revelam que o ex-jornalista e empresário Luís Delgado nunca se preocupou em cumprir as obrigações com o Estado, mesmo estando a ultrapassar largamente o risco de abuso de confiança fiscal, por nem sequer pagar o IVA. Mas, nos últimos tempos, a estratégia mudou: além de não pagar ao Estado, não pagar também a fornecedores. E, nos últimos tempos, aos jornalistas. Assim, além de volumosas dívidas aos bancos (Novo Banco e BCP) e à Impresa, a quem terá comprado as revistas em 2018, a Trust in News foi somando calotes: ao senhorio, aos CTT, a uma empresa de limpeza e a duas de táxis, à Entidade Reguladora para a Comunicação e a tudo o que se cruzasse. Até a sociedade de advogados de Pedro Santana Lopes e o Benfica estão no rol. Pressente-se, aliás, o colapso do grupo, tanto assim que mais de oito dezenas de jornalistas reivindicam créditos. Nesse lote está a ex-directora da Visão, Mafalda Anjos, que no ano passado considerou “fantasiosas” as notícias do PÁGINA UM sobre a situação financeira da Trust in News. Afinal, agora, Mafalda Anjos talvez necessite de apelar à fantasia, pegando numa ‘varinha mágica’ para sonhar vir a receber mesmo os 54 mil euros que lhe foram prometidos aquando da rescisão do contrato no início deste ano.


O dono da Trust in News, Luís Delgado, arrisca uma condenação por crime de abuso de confiança fiscal, até cinco anos de prisão, independentemente da aprovação do processo especial de revitalização (PER) do grupo de media que tem a revista Visão como principal título. Essa possibilidade advém da constatação de que a dívida de 8.125.545,20 euros, apurada pelo administrador judicial, no âmbito do PER, anotar a existência quer de dívidas de IRS, incluindo retenções na fonte dos salários, quer de IRC, quer sobretudo de IVA.

De acordo com o documento do Tribunal de Sintra que lista nominalmente os 166 credores com montantes reconhecidos que superam os 32,2 milhões de euros, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) reivindica o pagamento de quase 7,1 milhões de euros em dívidas, a que acresce já 802 mil euros em juros, quase 110 mil euros em coimas e 113 mil em custas. Considera-se crime, com pena de prisão de entre um e cinco anos se não for feita a entrega de IVA de mais de 50 mil euros, sendo que a punição se aplica se tiverem decorridos mais de 90 dias sobre o termo legal para entrega da quantia e não for tudo pago (incluindo juros e coimas) no prazo de 30 dias após a notificação pela AT. Ora, a notificação terá ocorrido, uma vez que só em juros a dívida aumentou mais de 800 mil euros.

Acresce também as dívidas à Segurança Social, que serão também bastante antigas, a atender aos juros de mora que atingem agora mais de 836 mil euros, a que se juntam cerca de nove mil euros em custas. No total, a Trust in News conseguiu, airosamente continuar a laborar, enquanto acumulava dívidas de contribuições à Segurança Social que, de acordo com o PER, atinge já os 8.979.252 euros.

Este ‘volume’ de dívidas ao Estado confirma que o histórico de endividamento começou desde a própria existência da Trust in News – que assumiu ter comprado o portefólio das revistas à Impresa, prometendo pagar 10,2 milhões de euros. E também revela que, apesar de essas dívidas serem conhecidas pelo Governo socialista de António Costa, nunca houve ordem para estancar os calotes ao Estado, que se mostraram sempre recorrentes e crescentes. E nunca a Trust in News surgiu na lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social.

Mas talvez o principal sinal mais evidente de que o destino da Trust in News será a insolvência – a solução se o PER não for aprovado – encontra-se no facto de, entre os credores, estarem 79 jornalistas das diversas revistas do grupo, que reivindicam já salários em atrasos nos últimos meses, subsídios de alimentação e / ou de férias. De modo a garantir os créditos, com carácter privilegiado em caso de insolvência, essa acção sugere sinais de colapso iminente. Existem também casos de prestações não pagas a jornalistas freelancer e também outros sete antigos jornalistas do grupo reivindicam agora créditos por incumprimentos dos acordos de rescisão, entre os quais está a antiga directora da Visão, Mafalda Anjos, que exige agora 54.250 euros.

Mafalda Anjos, ex-directora da revista Visão: há um ano garantiu ser “fantasiosa” a crise da Trust in News. Agora, está no rol de ‘vítimas’ da Trust in News, e só em sonhos pode ambicionar receber os 54.250 euros prometidos no acordo de rescisão contratual no início de 2024.

Recorde-se que Mafalda Anjos, agora comentadora na CNN Portugal, chegou a apelidar de “fantasiosas” as primeiras notícias do PÁGINA UM em Agosto do ano passado sobre a situação financeira da Trust in News. Arrisca agora a ver os 54.250 euros, com que chegou a sonhar quando saiu da revista no início deste ano, em formato de notas do Monopólio. Convém também salientar que, pela Lei da Imprensa, os directores dos órgãos de comunicação social detêm o direito de acesso detalhado à situação das suas empresas.

Contudo, o mais surpreendente neste breve caminho da Trust in News – uma empresa com seis anos de existência e 10 mil euros de capital social – é o rol de ‘calotes’ que foi semeando em entidades do seu sector, que podem inviabilizar a continuidade da actividade por receio de aumentarem as dívidas. O caso da Lisgráfica, que actualmente ainda imprime as revistas do grupo, é o principal exemplo. A dívida da Trust in News vai já em 546.761 euros. Como o PER a impedirá, dentro de um prazo acordado pedir a execução desta dívida, a opção poderá passar por não aceitar mais trabalhos para estancar a possibilidade de novos incumprimentos. Similar situação tende a acontecer com o Grupo CTT que, através de três empresas, reivindica créditos muito próximos dos dois milhões de euros.

 A dívida da Trust in News à Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação é muito menor (22.648 euros), mas já levou ao corte de serviços. A associação que transmite as vendas dos títulos da imprensa portuguesa por trimestre – sendo um indicador vital para a definição dos preços de publicidade –, deixou de validar a circulação da Visão e de outros títulos da Trust in News este ano. Também não deverá haver muito interesse da Marktest em fazer controlo de audiência em meios digitais, através do Netscope, para a empresa de Luís Delgado. A empresa, também conhecida pela realização de sondagens, reivindica o pagamento de 110.946 euros.

Luís Delgado deixou de pagar as rendas onde estão as redacções das revistas na Quinta das Fontes, em Paço de Arcos.

Até a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) apanhou um calote, que deve ser bastante antigo, por já contabilizar a falta de pagamento da Trust in News de 35.088 euros. Um pouco menos (33.553 euros) é da dívida à Agência Lusa. Desde Janeiro, Luís Delgado também decidiu deixar de enviar o valor das quotas dos jornalistas sindicalizados ao Sindicato dos Jornalistas. Esse atraso constitui formalmente um crime, mesmo se essa falta representa um ‘grão de areia’ na dívida global, embora seja sintomático da desesperada falta de liquidez.

Aliás, o rol de credores torna evidente que a estratégia dos últimos tempos baseou-se em simplesmente não pagar. Duas empresas de táxis, a Autocoope e Táxis do Alto da Barra, estão a ‘arder’ com 3.268 e 5.181 euros, respectivamente. A Taguspark tem a haver 273.117 euros por prestação de serviços. A empresa QDF, proprietária do edifício onde as revistas da Trust in News têm as redacções, reclama rendas vencidas, com juros, que atingem 82.942 euros. Se houver aprovação do PER, a QDF está impedida de acções de despejo.

Além de dívidas por serviços de limpeza (12.282 euros), a Trust in News nem se incomodou em pagar os serviços de certificação legal de contas – que, como o PÁGINA UM revelou na semana passada, acrescentou um alerta às contas de 2021 com dois anos de atraso. A DFK & Associados, contratada para olhar a saúde financeira da empresa de Luís Delgado, fez um serviço de auditoria tão bom que nem conseguiu prever que iria apanhar um calote de 17.989 euros, o valor que viu ser reconhecido pelo administrador judicial no âmbito do PER. Entre os demais credores consta também a sociedade de advogados de Santana Lopes (48.973 euros) e até o Sport Lisboa e Benfica (9.942 euros).

Sociedade de advogados fundada por Pedro Santana Lopes, actual presidente da autarquia da Figueira da Foz, tem créditos de quase 49 mil euros que dificilmente recuperará.

Sem quaisquer activos não correntes relevantes, a Trust in News valoriza os seus títulos em cerca de 11 milhões de euros, mas mesmo que seja declarada insolvência, o Estado ficará sem quaisquer direitos, embora possa responsabilizar Luís Delgado e os outros dois gerentes, accionando uma reversão fiscal, incluindo a penhora da quinta em Santo Estêvão, em Benavente, que o empresário detém. Quanto aos títulos, não é líquido que se extingam com a insolvência da Trust in News.

Uma parte dos títulos ainda detidos pela Trust in News, como a Exame Informática e a Visão História, são já penhor do Novo Banco do ponto de vista contratual. Porém, sobre os outros títulos mais apetecidos, como a revista Visão, embora se saiba também estarem sob penhor, não se conhece o detentor desse direito. A Impresa, que tem créditos superiores a quatro milhões de euros, nunca confirmou ou desmentiu se detinha qualquer direito de ‘reversão’ da Visão e de outros títulos em caso de insolvência ou não pagamento da dívida por parte da Trust in News.


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