Estátua da Liberdade

Estado: esse distúrbio psiquiátrico que afecta a Humanidade

Statue of Liberty in New York City under blue and white skies

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Num dia ensolarado, numa aldeia remota da Lusitânia, o líder da comunidade convocou uma reunião extraordinária para anunciar uma decisão de grande importância. Quarenta almas perplexas e ligeiramente apreensivas reuniram-se, pois tal convocatória era um evento raro que indicava mudanças iminentes nas suas rotinas tranquilas.

Ao alvorecer, todos estavam reunidos, aguardando o pronunciamento. Do alto de um palanque rudimentar, o líder Angelino iniciou o seu discurso com pompa e circunstância: — Estimados companheiros, venho a ponderar sobre uma ideia há muito tempo, reflectindo profundamente, e acredito firmemente que esta é a solução ideal para todos nós. Precisamos de um Estado para nos governar. Perguntam vocês, o que é isso? Será uma instituição sob a minha liderança que deterá o monopólio da justiça. Por outras palavras, todos os conflitos entre nós serão resolvidos exclusivamente nos tribunais estatais, com juízes designados pelo próprio Estado. Inclusive, os conflitos que possam surgir entre vocês e o Estado serão julgados por este mesmo corpo judicial. Para financiar este serviço imprescindível à comunidade, será imposto um tributo a todos, sem excepção, que também servirá para pagar a segurança de todos nós. Para o bem de todos!

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— A reacção foi instantânea. Um burburinho crescente rapidamente se transformou em convulsão, reflectindo a revolta e a incredulidade diante de tal proposta despótica. Um ancião, de nome João, pediu a palavra, a qual lhe foi concedida com certa relutância.

— Esta ideia parece-me um completo absurdo — declarou João, com a voz carregada de indignação. — Não só é uma proposta autoritária, impondo-nos um monopólio judiciário, como também nos obrigará a pagar coercivamente pelos tribunais e pela nossa segurança, na verdade um confisco. Por que razão não nos é possível contratar justiça e segurança de forma individual, a quem deseje prestar tais serviços?

— A audiência, ainda em tumulto, murmurou em concordância, enquanto João continuava a expor as falácias e injustiças da proposta apresentada. — Além disso — prosseguiu João —, nós que sempre obedecemos às leis não escritas, à tradição, onde os juízes por nós seleccionados se debruçavam apenas no apuramento dos factos e na aplicação das leis de sempre, a que lei passará a obedecer?

— Angelino tomou a palavra para responder a João. — Repare, o Estado passará também a fazer leis, de forma a adaptá-las às circunstâncias do tempo. A lei, a tradição pela qual nos regemos há séculos, necessita de se adaptar. Podemos precisar de dar direitos especiais a minorias, o que só é possível com legislação específica; podemos necessitar de combater monopólios, o que só é viável com regulação particular. Para melhorar a minha proposta, para que agrade a todos, temos de estabelecer um “contrato social” que institua uma democracia. Todos vão poder eleger os vossos representantes do Estado, e, desta forma, esta instituição tornar-se-á legítima aos olhos de todos.

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— A audiência, envolta em murmúrios e olhares desconfiados, ponderava sobre as promessas de Angelino, questionando-se sobre a verdadeira natureza da “democracia” que lhes era oferecida e a justiça de um “contrato social” imposto sob o pretexto da modernização das leis! Em resposta a Angelino, tomou a palavra o Francisco.

— Várias das suas propostas deixam-me na mais completa perplexidade! As pessoas que forem eleitas para governar o Estado, entendo que por um curto período de tempo, não terão uma visão de longo prazo, pois estarão apenas interessadas em beneficiar-se dos impostos cobrados coercivamente — na verdade, um assalto aos nossos bolsos — durante esse período.

Além disso, a lei, a tradição, não se lhes aplica. O que estão a fazer, cobrar impostos, é, na verdade, um assalto, consequentemente um crime; ou seja, existirá uma lei para os não eleitos e outra para os eleitos. Para os primeiros, roubar é ilegal; para os segundos, roubar é legal. Em lugar de produzirem bens e serviços úteis à comunidade, poderão viver durante o tempo que estiverem à frente do Estado do produto do saque que nos fazem!

— A audiência, atónita, pensava com detenção sobre as palavras incisivas de Francisco, ponderando as implicações de um sistema onde a justiça e a moralidade pareciam estar subvertidas em nome de um suposto progresso! Angelino, tomou uma vez mais a palavra para defender as suas ideias.

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— Estimados companheiros e amigos, creio que não haveis reflectido devidamente em todas as vantagens da minha proposta. Para a melhorar, vamos criar um Banco Central que poderá introduzir uma gigantesca inovação: o papel-moeda e as reservas fraccionadas. A partir desse dia, o dinheiro passará a ser elástico, aumentando em quantidade quando estamos em crise e diminuindo em tempos de prosperidade. Para ter tal poder, necessita que exista um Estado que lhe conceda tal monopólio. Por exemplo, Francisco, se necessitares de uma ajuda num tempo difícil, hoje isso não é possível. Nessa situação, imprimimos dinheiro para te conceder um empréstimo e poder-te ajudar. Isto não é possível sem o Estado e um Banco Central.

— A audiência, ainda perplexa, ponderava as implicações desta proposta revolucionária. O conceito de um Banco Central com o poder de manipular a oferta de dinheiro era tão inovador quanto inquietante, especialmente considerando a confiança tradicional que sempre depositaram nas suas práticas ancestrais, onde tudo era liquidado no dinheiro que sempre conheceram: ouro e prata!

Furioso, um ancião sentado nas últimas filas, chamado Pedro, tomou a palavra para retorquir o que Angelina acabara de anunciar.

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— Esta ideia de criar um Banco Central e manipular a oferta de dinheiro é nada menos que uma loucura! — Exclamou Pedro. — Abandonar o ouro e a prata, que sempre nos deram segurança e estabilidade, em favor de um papel-moeda sem valor intrínseco, é um convite ao desastre. Estais a propor que coloquemos a nossa confiança num sistema que pode ser facilmente corrompido e manipulado. Tudo isso, supostamente, para nosso benefício?! Ou seja, estás a propor que para além de nos roubares através de impostos, também nos queres roubar via inflação?

— Os murmúrios de concordância cresceram na audiência. A turba começou a ficar inquieta; as últimas palavras do ancião Pedro tinham tocado fundo. De repente, começaram todos a gritar: “Morte ao ladrão! Morte ao tirano!” Angelino, com os olhos vermelhos e perplexo face à reacção às suas propostas, que julgara serem fantásticas e facilmente aceites, começou a correr, fugindo da ira dos habitantes da aldeia. Mas foi sol de pouca dura: foi apanhado e defenestrado pela turba em fúria, que o matou numa questão de minutos.

Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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