Retenções no terceiro ciclo sobem pelo terceiro ano consecutivo

Exclusivo: ‘Chumbos’ no 7º ao 9º ano quase duplicam entre 2020 e 2023

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por Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira // Julho 22, 2024


Categoria: Imprensa, Exame

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Os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgados na semana passada e analisados pelo PÁGINA UM, revelam que a taxa de retenção no ensino básico, que vinha a baixar desde 2013/2014, já é passado: a tendência agora é a subida dos ‘chumbos’, que aumentaram, em especial no 3º ciclo, pelo terceiro ano consecutivo. A pior evolução neste ciclo, que abrange os alunos dos 7º ao 9º ano, resultou numa quase duplicação das reprovações em apenas três anos lectivos. Em termos absolutos, em todo o ensino básico, ‘chumbaram’ mais 16 mil alunos no ano lectivo de 2022/2023 do que em 2019/2020, passando de 19 mil para 35 mil retenções, sendo que grande parte frequentava o 3º ciclo.


Pelo terceiro ano consecutivo, as taxas de retenção de alunos do 3º ciclo (7º ao 9º anos de escolaridade) aumentaram, após um período de queda contínuo entre os anos lectivos de 2012/2013 e 2019/2020. Os novos dados sobre os ‘chumbos’ do ensino básico, relativos ao ano lectivo 2022/2023 foram revelados na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), tornando já desactualizados os dados que o Ministério da Educação disponibilizou recentemente a alguns meios de comunicação social que foram interpretados num cenário de melhoria “em todos os níveis de ensino”.

A realidade é bem diferente. Face ao ano lectivo anterior, a taxa de retenção na globalidade do ensino básico registou um acréscimo de 0,8 pontos percentuais, cifrando-se em 3,8%. Este valor é semelhante ao registado em 2018/2019, mas há está bem abaixo do nível de ‘chumbos’ até ao ano lectivo de 2013/14 que rondava ou ficava acima dos 10%, chegando mesmo a aproximar-se dos 20% no 3º ciclo. Independentemente da melhorias no ensino, foram também orientações administrativas para dificultar os ‘chumbos’ – ou facilitar as aprovações – que estavam a contribuir fortemente para uma redução das taxas de retenção até ao início da pandemia (ano lectivo 2019/2020). A partir desse ano, a tendência inverteu-se.

João Costa, ex-ministro da Educação do governo socialista, deixou como herança uma tendência negativa, um retrocesso na taxa de ‘chumbos’ no ensino básico. (Foto: D.R.)

O agravamento na taxa de retenção mostra-se mais evidente nos alunos do 3º ciclo do ensino básico, que compreende o 7º, 8º e 9º ano de escolaridade. A taxa de retenção (incluindo por desistência) mais do que duplicou entre 2019/2020 e 2022/2023. No ano lectivo que apanhou o início da pandemia da covid-19 (2019/2020), a taxa de ‘chumbos’ situou-se em 3,0% – o valor mais baixo de sempre –, para subir no ano lectivo seguinte (ainda com fortes restrições nas aulas presenciais, com a imposição de máscaras e condicionamento de recreios, além de aulas online) para os 4,3%. No ano lectivo de 2021/2022, a taxa voltou a subir ligeiramente (4,6%) e em 2022/2023 (dados agora revelados pelo INE) voltou a subir para os 6,2%, suplantando mesmo os valores do ano lectivo de 2018/2019.

Saliente-se que, embora ainda escasseiem os estudos sobre o impacte da pandemia na aprendizagem, e a assumpção de erros políticos nas restrtições impostas a crianças em jovens numa doença que lhes causava uma mortalidade virtualmente nula, de acordo com dados da Organização Mundial para a Cooperação Económica (OCDE), Portugal foi dos países mais radicais em termos de fecho de escolas, tendo mantido os alunos do ensino básico afastados da escola durante mais tempo.

No restantes níveis do ensino básico, os novos dados actualizados do INE mostram também aumentos relevantes não só face a 2021/2022 como em relação a 2019/2020. No 1º ciclo, que vai até ao 4º ano (classe), a taxa de retenção subiu de 1,4% em 2020 para 1,9% no ano lectivo do ano passado, sendo que em 2021/2022 a taxa foi de 1,8%. Quanto ao 2º ciclo, que inclui o 5º e o 6º ano, a taxa de retenção aumentou de 2,4% para 3,6%. Mas também aumentou face a 2021/2022, quando a taxa de ‘chumbos’ se situou em 3,1%. Assim, os ‘chumbos’ no ensino básico, no geral, têm aumentado desde 2020, passando de uma taxa de ‘repetentes’ e desistentes de 2,2% para 3,8% em 2023. No lectivo de 2021/2022, a mesma taxa foi de 3,1%.

Evolução da taxa de retenção no ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

Segundo o histórico de dados do INE sobre taxas de retenção dos alunos do ensino básico, desde o ano lectivo de 2012/2013 que se observava uma melhoria, com menos alunos a ficarem retidos. Para se ter uma ideia, naquele ano lectivo 10,4% dos alunos do ensino básico não passavam de ano. Em termos de ciclos, 4,9% dos alunos do 1º ao 4º ano ficaram retidos em 2012/2013. No caso do 2º ciclo, a taxa de retenção foi de 12,5%. Já no 3º ciclo, 15,9% dos alunos ficaram ‘retidos’ no mesmo ano de escolaridade.

Em termos absolutos, no ano lectivo de 2012/2013 frequentaram o ensino básico quase 1,2 milhões de alunos, pelo que, com essa taxa de retenção (10,4%), terão chumbado cerca de 120 mil alunos, sendo que cerca de 69 mil estavam no 3º ciclo. Se considerarmos as taxas de retenção de 2019/2020, também por força da redução da população jovem, de entre os 970 mil alunos do ensino básico nesse ano houve pouco mais de 19 mil ‘chumbos’, sendo que quase 11 mil frequentavam o 3º ciclo.

Perante o número de alunos em cada ciclo do ensino básico em 2022/2023 – quase 375 mil no 1º ciclo; 213 mil no 2º ciclo e um pouco menos de 343 mil no 3º ciclo –, o número total de retenções superou os 35 mil alunos – ou seja, mais 16 mil alunos ‘chumbados’ do que três anos lectivos antes. Destes, sete mil frequentavam o 1º ciclo, quase oito mil o 2º ciclo e cerca de 21 mil frequentavam o 3º ciclo.

Apesar de o aumento da taxa de retenção em Portugal ser um alvo de preocupação, em alguns concelhos do país os valores mantêm-se extraordinariamente elevados. No ano lectivo de 2022/2023, o concelho açoriano do Corvo registou, de longe, o pior resultado do 1º ciclo, com uma taxa de ‘chumbos’ de 23,1%, seguido de Vila Velha de Rodão, onde 9,9% dos alunos do 1º ciclo ‘chumbaram’ em 2022/2023. Nos concelhos com maior nível de repetentes no 1º ciclo em 2022/2023 encontram-se ainda Figueira de Castelo Rodrigo (9,4%) e Moura (8,2%). Um total de 22 concelhos registaram mais de 5% de ‘chumbos’.

Evolução da taxa de retenção no 1º ciclo do ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

Em Lisboa, a taxa de retenção no 1º ciclo subiu ligeiramente em 2022/2023, para 2,4% comparando com o ano anterior (2,1%) e com o ano de 2018/2019 (2,3%). No Porto, também houve mais alunos da ‘Primária’ a ‘chumbar’ em 2022/2023, já que a taxa aumentou de 1,2% em 2021/2022 para 1,4% em 2022/2023. Os concelhos com menor nível de repetentes no 1º ciclo foram Ponte de Lima, Fafe, São João da Madeira e Vizela, todos com uma taxa de 0,1%. Registaram-se 63 concelhos com taxas de retenção inferior a 1%.

No caso do 2º ciclo, Mourão, no Alentejo, registou no mesmo ano lectivo uma taxa de retenção de 27,3%, sendo o único concelho acima da fasquia dos 20%. Ou seja, mais de um em cada quatro alunos ficou no mesmo ano lectivo. Seguiram-se, entre os piores municípios, Idanha-a-Nova (19,8%), Cuba (16,1%) e Serpa (14,1%). Nos municípios de Figueira de Castelo Rodrigo, Vila Real de Santo António, Porto Moniz, Avis e Manteigas, as taxas de retenção situaram-se entre os 10% e os 13,3%.

Em Lisboa, subiu de 6,3% em 2021/2022 para 6,7% em 2022/2023. No Porto, a taxa de ‘chumbos’ no 2º ciclo também tem vindo a subir nos últimos anos. Em 2022/2023 aumentou para 4,6% de 3,2% no ano lectivo anterior. Em 2018/2019 a taxa era de 3,2% e caiu para 1,7% em 2019/2020.

No extremo oposto, destacam-se os concelhos de Fafe, Vizela e Alcochete com uma taxa de 0,2% de retenção no 2º ciclo, havendo mais 31 com ‘chumbos’ abaixo de 1%.

Evolução da taxa de retenção no 2º ciclo do ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

Quanto ao 3º ciclo, foi em Figueira de Castelo Rodrigo que se registou a mais alta taxa de ‘chumbos’ em 2022/2023: 28,1%. Mas já nos dois anos lectivos anteriores este município tinha registado ‘chumbos’ na casa dos 24%. Trata-se uma acentuada inversão da tendência de melhoria verificada nos anos de 2018/2019 e 2019/2020 quando Figueira de Castelo Rodrigo registou taxas de retenção de 4,9% e 6,5%, respetivamente.

Na lista dos concelhos com os piores desempenhos ao nível do 3º ciclo estão ainda Idanha-a-Nova (25,7%), Serpa (20,6%) e Sobral de Montagraço (18,3%). De resto, contabilizam-se mais de quatro dezenas de municípios com taxas de retenção no 3º ciclo acima dos 10%.

Em Lisboa, também houve mais alunos a chumbar no 3º ciclo no ano lectivo de 2022/2023, com a taxa de retenção a fixar-se nos 6,6%, acima dos 5,3% e 5,1% observados, respetivamente em 2021/2022 e 2020/2021. O valor também está acima dos 6,5% registados em 2018/2019, antes do ano lectivo marcado pelas medidas restritivas radicais adoptadas pelo Governo na pandemia.

No caso do Porto, observa-se a mesma tendência de regressão neste indicador. Em 2018/2019, a taxa de retenção estava nos 4,9%, no ano seguinte desceu para 2,4% e tem vindo sempre a subir até aos 5,5% no ano passado.

Evolução da taxa de retenção no 3º ciclo do ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

No 3º ciclo, os conselhos com melhor desempenho em 2022/2023 foram Arcos de Valdevez (0,2%), Ponte de Lima (0,5%) e Pinhel (0,6%). Apenas nove municípios ficaram abaixo de uma taxa de retenção de 1%: além dos três indicados, também Terras de Bouro, Sever do Vouga, Armamar, Lajes do Pico, Mortágua e Tarouca.

Mas mesmo nestes casos, como em outros, estes desempenhos devem ser olhados numa perspectiva múltipla, para se compreender evoluções por vezes espantosas. Por exemplo, o concelho de Penamacor, que em 2014/2015 apresentou um cenário desolador de quase três ‘chumbos’ em cada 10 alunos (28,3%), está agora com uma taxa de 1,2%. Tal como noutros municípios, as quedas na taxa de retenção são abruptas em períodos muito curtos.


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