No ano passado foram registados cerca de 57 mil crimes contra a integridade física, mas na hora de tentar perceber onde está a maior violência, os números absolutos e o mediatismo podem enganar os mais incautos. Na verdade, quando se observam as taxas de crime sob o prisma da população residente, são municípios dos Açores, Alto Alentejo e Algarve que se destacam como os mais violentos. A taxa no município açoriano da Ribeira Grande chega mesmo a ser mais do dobro da registada na cidade de Lisboa, sendo 155% superior à média do país. E não é uma situação pontual. Em muitos discretos e pequenos concelhos, a violência criou raízes. Os municípios mais urbanos estão bastante longe de serem os piores. De entre os 10 concelhos mais populosos, o Porto é o pior (6,8 crimes por mil habitantes), mas ocupa apenas a posição 57. E naqueles que são capitais de distrito, Coimbra destaca-se pela positiva como o menos violento.
Açores, Algarve e Alto Alentejo foram as regiões do país com maior taxa de crimes contra a integridade física ao longo do ano passado. Os dados de 2023, discriminados por município, foram revelados na quinta-feira passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), e analisados pelo PÁGINA UM, revelam um ligeiro acréscimo face ao ano anterior, situando-se agora em 5,4 por mil habitantes. Este valor está na linha com a evolução da última década – sempre abaixo dos 6 casos por mil -, registando-se mesmo valores bastante mais baixos nos dois primeiros anos de pandemia (2020 e 2021), que registaram apenas 4,7 casos por mil. Para a população portuguesa, uma variação de 0,1 casos por mil representa, em termos absolutos, cerca de 1.060 crimes por ano.
Com a taxa média registada em 2023, significa que em Portugal, para uma população estimada de 10,6 milhões de habitantes, os crimes contra a integridade física terão rondado os 57 mil durante todo o ano passado, ou seja, cerca de 156 crimes desta tipologia por dia. O INE não discrimina as subcategorias destes crimes.
Apesar de uma percepção de que existe uma maior criminalidade associada à violência física, incluindo na esfera doméstica, em meios mais urbanos, na verdade a esmagadora maioria dos municípios que registam maior taxa são de pequena dimensão ou localizados nas ilhas. Com efeito, de entre os 20 concelhos de maior dimensão, o mais violento é o Porto, mas ocupando ‘apenas’ a 57ª posição.
O concelho da Ribeira Grande, na ilha açoriana de São Miguel, lidera a lista dos municípios com maior violência física, tendo registado 13,8 casos por mil habitantes. Com uma população de cerca de 32 mil habitantes, esta taxa significa cerca de 440 crimes em apenas um ano. Se essa fosse a taxa nacional, em vez dos cerca de 55 mil crimes contra a integridade física contabilizados em Portugal no ano passado (6 crimes por hora), teríamos tido mais de 140 mil. o que daria 16 crimes por hora.
Tal como outros municípios no topo em 2023, este município açoriano é um caso recorrente, pelo menos a atender aos dados discriminados por concelho pelo INE. No último triénio, Ribeira Grande esteve sempre no ‘triste pódio’: foi o segundo mais violento em 2022 (com 12, 4 por mil, apenas atrás de Santa Cruz das Flores) e foi o primeiro em 2021, com 14,4 por mil.
O segundo concelho mais violento foi Barrancos, o município alentejano conhecido pela tourada de morte. No ano passado registou 11,9 casos por mil habitantes, mas em 2021 também ocupou a segunda posição, com 12,7 casos por mil. Em 2022 ocupou a quarta posição dos mais violentos, com 12,4 por mil. Agora já com menos de 1.500 residentes, o número absoluto de crimes contra a integridade física é, digamos, baixo: rondará os 16 crimes por ano, pouco mais de um por mês.
No top 10 dos mais violentos em 2023 estão ainda mais quatro municípios alentejanos: Avis (3ª posição, com 11,8 casos por mil), Vidigueira (4ª posição, com 11,1 por mil), Mourão (7ª posição, com 9,9 por mil) e Ferreira do Alentejo (10ª posição, com 9,5 por mil). Neste grupo (que integra ainda um 11º município ex aequo), os restantes municípios localizam-se no distrito de Aveiro (Murtosa), e nas regiões dos Açores (Lagoa, Velas e Ponta Delgada) e do Algarve (Albufeira). No caso deste último concelho, os dados estarão inflacionados por se tratar de uma zona turística, com um fluxo de não-residentes elevado (potenciais vítimas e agressores), agravando assim o valor da taxa que é determinada pelo número de residentes habituais.
Por via da grande preponderância de concelhos deste arquipélago, os Açores registam a taxa mais elevada de crimes contra a integridade física, com 8,8 casos por mil habitantes, um valor que é cerca de 63% superior à média nacional. Em todo o caso, nos pequenos municípios açorianos do Corvo e Lajes das Flores não existem registos desta tipologia de crimes nos últimos três anos.
O Algarve vem pouco atrás dos Açores, com 7,8 casos por mil, mas como se referiu em relação a Albufeira este valor refllecte uma situação que não tem em conta o ‘aumento populacional’ no período estival. A fechar o pódio, encontra-se o Alto Alentejo com 7,1 casos por mil habitantes. No extremo oposto, ou seja, as zonas com menor violência física são as regiões do Ave (4,1 casos por mil) e Médio Tejo e do Tâmega e Sousa, ambas com 4,2 casos por mil.
Nas regiões urbanas, e mais populosas, não há nenhum dos maiores municípios acima de uma taxa de 7 casos por mil. De entre os 10 municípios com mais população, acima da média nacional (5,4 por mil) estão seis: Porto (6,8), Lisboa (6,6), Loures (6,5), Almada (6,0), Amadora (5,9) e Sintra (5,5). No caso da capital, com uma população estimada de 525 mil habitantes, esta taxa significa cerca de 3.500 crimes desta natureza ao longo do ano passado, um pouco menos de 10 por dia. Abaixo da média nacional, neste grupo de municípios estão Matosinhos (5,2), Vila Nova de Gaia e Cascais (ambos com 5,1) e Braga (4,1).
Nos restantes concelhos que são capitais de distrito – para além de Lisboa, Porto e Braga -, a incidência de criminalidade contra a integridade é muito distinta, sendo bastante baixa nas três principais cidades do Litoral Centro (Aveiro, com 4,6 casos por mil; Coimbra e Leiria, com 4,1 casos por mil) e bastante mais elevada do que a média nacional na região sul, com Beja e Faro com taxas de 7,0 casos por mil.
Para além das já citadas cidades, de entre as capitais de distrito, há mais duas abaixo da média nacional (Guarda, com 5,3 casos por mil; e Évora, com 4,9), o concelho de Santarém apresenta o valor médio (5,4 casos por mil) e os restantes seis municípios estão acima da média nacional (Portalegre, com 6,3 casos por mil; Setúbal, com 6,2 casos por mil; Vila Real e Castelo Branco, com 5,8 casos por mil, ambos; e ainda Viana do Castelo e Bragança, com 5,6 casos por mil, ambos).
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