Evento realizou-se em três dias, em Maio do ano passado

Empresa de Durão Barroso movimentou meio milhão para trazer Clube de Bilderberg para Lisboa

por Pedro Almeida Vieira // Julho 29, 2024


Categoria: Exame

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A selecta e semi-secreta reunião anual do Clube de Bilderberg teve Lisboa como palco em 2023, sob a batuta de Durão Barroso. Apesar de o site do Bilderberg Meetings afirmar que cada um dos participantes custeou as deslocações e alojamento, certo é que foi criada em 2022 uma empresa, com um capital social de 20 euros, por Durão Barroso e o seu antigo ‘fiel ministro’ José Luís Arnaut, que movimentou em dois anos quase meio milhão de euros para organizar o evento. Para suportar os encargos da Bild – Encontro Internacional 2023 Lda., cerca de 150 mil euros vieram de donativos e um pouco mais de 360 mil pela prestação de (ignotos) serviços, uma vez que a empresa não tem empregados, estando sedeada no escritório da sociedade de advogados de Arnaut.


Trazer para Lisboa a reunião no ano passado do Clube de Bilderberg custou quase meio milhão de euros à empresa criada especificamente para organizar o evento, que tem como sócios Durão Barroso e José Luís Arnaut.

Criada em 2022, a empresa Bild – Encontro Internacional 2023 Lda. apresentou as contas anuais no final do ano passado, e ficou assim finalmente a saber-se os custos totais de trazer cerca de 130 líderes políticos e empresariais ao Hotel Pestana entre os dias 18 e 21 de Maio do ano passado para discutir, entre outros assuntos mais ou menos secretos, a inteligência artificial, o sistema bancário, a transição energética, a guerra russo-ucraniana e a liderança norte-americana.

Os encontros do Clube de Bilderberg ‘têm alimentando, desde 1954, as mais diversas teorias, e até já foram mais secretas – e também selectas –, arrastando uma aura de mistério e conspiração. Oficialmente, as reuniões anuais – este ano foram em Madrid – servem apenas para debater assuntos de interesse global. No seu site, o Bilderberg Meetings afiança que as reuniões constituem apenas “um fórum para discussões informais para promover o diálogo entre a Europa e a América do Norte”, congregando “aproximadamente 130 líderes políticos e especialistas da indústria, finanças, trabalho, academia e media”, segundo regras específicas: os participantes são livres de usar as informações recebidas, mas nem as identidades nem as afiliações dos palestrantes ou de qualquer outro participante podem ser reveladas.

Como os encontros são privados, no site diz-se ainda que “as participações são individuais e não em representação de qualquer função oficial”, não havendo assim agenda detalhada, nem nenhuma resolução e muito menos votação ou declaração política. Sobretudo nos últimos anos começaram a ser divulgadas as presenças mais sonantes – e sobretudo os convites a portugueses, primeiro sob a “égide” de Francisco Pinto Balsemão, e mais recentemente de Durão Barroso – e mesmo a lista de temas em discussão.

Por exemplo, além de personalidades estrangeiras, a mais recente reunião em solo nacional no ano passado – a anterior tinha ocorrido em 1999 – contou com um vasto contingente lusitano: além dos habitués Balsemão, Durão Barroso e Arnaut, foram convidados os directores executivos da EDP (Miguel Stilwell de Andrade), da Galp (Filipe Silva), da Feedzai (Nuno Sebastião) e da Zeno Partners (Duarte Moreira). No entanto, este ano, além de Durão Barroso e Duarte Moreira, só houve mais uma presença portuguesa: Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica.

Também oficialmente, os financiamentos dos chamados Bilderberg Meetings não são propriamente públicos. De acordo com o Clube de Bilderberg, “as contribuições anuais dos membros do Steering Committee [actualmente com 32 membros, entre os quais o português Durão Barroso] cobrem os custos anuais de um pequeno secretariado”, para suportar despesas administrativas e de pessoal.

Hotel Pestana, em Lisboa, local da reunião do Clube de Bilderberg em Maio do ano passado.

Já em relação à reunião anual, as responsabilidades cabem ao denominado Comité Director do país anfitrião, não havendo taxa de participação, embora os convidados custeiem, segundo o site do Bilderberg Meetings, os “seus próprios custos de viagem e acomodação”.

Contudo, nas contas dos dois exercícios anuis da empresa Bild – que tem duas quotas de apenas 10 euros dos sócios Barroso e Arnaut – fica-se a saber que foram contabilizados, como vendas ou prestações de serviços, um total de 361.800 euros, havendo ainda rendimentos suplementares de 152.664 euros, que poderão ter sido sob a forma de donativos. Ou seja, no total, a empresa do antigo primeiro-ministro português e ex-presidente da Comissão Europeia teve um ‘bolo financeiro’ de mais de 514 mil euros. Não o gastou todo, mas quase.

Analisando os dois exercícios, incluindo o do ano da realização do evento – cujas contas foram depositadas no final da semana passada –, a Bld teve gastos da ordem dos 476 mil euros, para pagamentos de fornecedores e serviços externos, não sendo identificado nas demonstrações financeiras a quem se dirigiu. Em todo o caso, não incluirá, a atender à informação do Bilderberg Meetings, os custos de viagem e acomodação nem tão-pouco ao pagamento de salários.

Com efeito, a Bild não refere qualquer empregado e a própria sede é a da sociedade de advogados de Arnaut, a CSM Rui Pena & Arnaut, na selecta Rua Castilho, em Lisboa.

Depois do encontro de Maio, a empresa, que terminou o ano de 2023 com um pequeno prejuízo de 25 mil euros, não foi dissolvida nem existem indicação para tal, até porque isso poderia fazer perder um activo de cerca de 27 mil euros respeitante a impostos diferidos.

O documento consultado pelo PÁGINA UM da Informação Empresarial Simplificada (IES) não adianta também muito sobre o futuro da empresa. Embora não aponte para a sua dissolução, surge um trecho algo anacrónico se se considerar que se trata de contas de 2023. Ou talvez não, se se considerar que Durão Barroso é, actualmente, o  presidente (Board Chair) da Gavi – The Vaccine Alliance.

José Luís Arnaut

Com efeito, os dois sócios, além de destacarem não terem impostos em atraso, recordam que “tendo por base a reavaliação da situação epidemiológica no país, o Governo português em 13 de janeiro de 2021, a exemplo de outros Estados, determinou um conjunto de medidas extraordinárias que têm por objectivo limitar a propagação da pandemia e proteger a saúde pública, que se consubstanciam numa restrição significativa da circulação de pessoas que conduzirá a uma forte retração da economia”, acrescentando que “como consequência desta situação, a economia revela atualmente um enorme estado de incerteza, cuja duração e consequências são ainda imprevisíveis” E concluem assim que, “com os elementos disponíveis, consideramos que estão criadas as condições operacionais para a manutenção da atividade da Empresa [Bild], estando assegurados os compromissos financeiros assumidos.”

Tendo em consideração que, no ano passado, José Luís Arnaut não respondeu a pedidos de esclarecimento adicionais, o PÁGINA UM considerou não ser necessário solicitar novos comentários, ademais atendendo que esta notícia se baseia sobretudo em factos contabilísticos.


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