Gestão da Media Capital 'vampiriza' canais televisivos

Cinco anos de prejuízos: TVI e CNN Portugal não saem do ‘buraco financeiro’

por Pedro Almeida Vieira // Julho 30, 2024


Categoria: Exame

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Longe vão os tempos em que a empresa gestora da TVI (e agora da CNN Portugal) nadava em lucros. Nos últimos cinco anos, as contas da TVI S.A., do Grupo Media Capital, têm estado sempre no vermelho, com prejuízos acumulados que já ultrapassam os 26 milhões de euros desde 2019. Mas não têm sido apenas questões de negócios que afectam os resultados dos canais televisivos: a Media Capital, através da Meglo, optou por uma gestão de ‘vampirização’ da TVI S.A.: empresta-lhe dinheiro, mas depois cobra-lhe juros elevados. Apenas nos últimos dois anos, este estratagema fez com que a Media Capital recebesse mais de 4,3 milhões de euros em juros da sua ‘filha’ TVI. Se não há dividendos, por não haver lucros, ‘saca-se’ em juros. O problema desta estratégia não é só de gestão amoral; está a criar-se uma crise financeira artificial na TVI e CNN Portugal – em seis anos, o passivo aumentou 35 milhões de euros e o capital próprio ‘encurtou’ 47 milhões –, talvez aguardando depois pelas (pré-anunciadas) salvíficas ajudas do Estado.


Apesar de se anunciar como líder, a empresa gestora dos canais televisivos TVI e CNN Portugal não descola dos prejuízos. De acordo com o Portal da Transparência dos Media, a TVI-Televisão Independente S.A., a subsidiária da Media Capital, apresentou no ano passado, pelo quinto ano consecutivo, resultados líquidos negativos, também muito por força do endividamento crescente.

Tem de se recuar aos idos de 2018 para se encontrar o último ano desta empresa com lucros. E foram então bastante razoáveis. Com rendimentos de cerca de 151,2 milhões de euros, a TVI S.A. apresentou resultados líquidos positivos em 2018 da ordem dos 27,7 milhões de euros. Esses lucros foram entretanto ‘derretidos’ à medida que se foi instalando a crise na comunicação social mainstream e a fuga para a frente causou um endividamento colossal.

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Por exemplo, se o passivo em 2017 rondava os 56,4 milhões de euros, no final do ano passado saltara já para os 91,6 milhões de euros. Ao invés, o activo mingou, passando de 111,4 milhões para 98,9 milhões de euros entre 2017 e 2023. Deste montante, 66,6 milhões de euros são referentes a direitos de transmissão de programas de televisão – ou seja, de pouca utilidade imediata para pagar contas.

Noutra perspectiva, significa que os cerca de 47,5 milhões de euros do capital próprio da empresa TVI S.A. despareceram à conta dos sucessivos prejuízos, grande parte dos quais agravados pelo serviço da dívida, incluindo pagamento de juros a empresas da holding da Media Capital.

Segundo os elementos financeiros do Portal gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), o descalabro financeiro da TVI S.A. começou em 2019 com prejuízos um pouco abaixo de um milhão de euros (963 mil euros). No ano seguinte, mesmo com a pandemia que trouxe receitas extraordinárias do Estado, a dona da TVI teve resultados desastrosos: prejuízos de 7,3 milhões de euros. Em 2021, a TVI S.A. apostou forte na criação da marca CNN Portugal, um ‘sucedâneo’ ao estilo de franchise do canal norte-americano, e os prejuízos continuaram, desta vez em 7,1 milhões de euros. Nesse ano, a TVI tentou obter uma autorização de confidencialidade dos elementos financeiros, situação denunciada pelo PÁGINA UM, e a ERC acabou por obrigar a empresa a revelar mesmo os seus prejuízos.

Em 2022, o efeito CNN Portugal mais não fez do que afundar ainda mais as contas: o prejuízo atingiu os 9,3 milhões de euros, que se ‘atenuaram’ no ano passado para 1,4 milhões de euros.

O canal televisivo TVI celebrou o seu 31º aniversário em Fevereiro passado. Já as contas da TVI S.A. são ‘um 31’. Fonte: DR

Mas mais do que estes sucessivos prejuízos, que totalizam 26,1 milhões de euros, a evolução de diversos indicadores financeiros mostram-se assustadores. Por exemplo, a autonomia financeira da TVI S.A. – que compara o capital próprio com os activos – desceu de 49,3% em 2017 para apenas 7,4% no ano passado. Quando a empresa está em falência técnica, esta percentagem é virtualmente negativa. No caso da solvabilidade geral – que confronta o capital próprio com o passivo, dando assim indicações de quem é o dono –, passou-se de 97,3% em 2017 para apenas 8,0% em 2017.

Em todo o caso, segundo a análise do PÁGINA UM às contas da TVI S.A., o endividamento a instituições bancárias nem sequer é muito elevado: não chega sequer a 2 milhões de euros. Na verdade, os maiores financiadores têm sido as próprias empresas do Grupo Media Capital, que no balanço de 2023 surge como empréstimos de accionistas num valor acima de 27,2 milhões de euros. Esse crédito será inteiramente detido pela Meglo-Media Global, a empresa da Media Capital que formalmente é detida pela Media Capital. Mas este empréstimo é remunerado – aliás, aparentemente muito bem remunerado.

Com efeito, na demonstração de resultados, a TVI S.A. até mostra que teve em 2023 resultados positivos antes dos encargos de financiamento, mas acabou por ter prejuízos depois de pagar quase 3,06 milhões de euros de juros e gastos similares. Ora, como cerca de 92% da dívida por empréstimos é à accionista Meglo, uma subsidiária da holding Media Capital, a TVI S.A. pagou assim, ao longo de 2023, um total de 2.422.800 euros em juros à casa-mãe.

No ano anterior, conforme se destaca no próprio relatório e contas de 2023, a TVI S.A. entregara já 1.929.679 euros à Meglo apenas em juros. Ou seja, em dois anos, a Media Capital ‘sacou’ mais de 4,3 milhões de euros em juros de uma ‘empresa-filha’ que deu sempre prejuízo. Ou seja, agravou ainda mais a situação financeira em período de crise.

Embora este estratagema de gestão equilibre as contas (no curto prazo) da Media Capital, este processo de ‘vampirização’ (em que a holding descapitaliza as subsidiárias) traz, geralmente, maus resultados a médio prazo, neste caso colocando a TVI S.A. no caminho da falência técnica.


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