Título
Hans: sob o peso das rodas
Autor
HERMANN HESSE (tradução: Paulo Rêgo)
Editora
Dom Quixote (Abril, 2024)
Cotação
18/20
Recensão
Nascido a 2 de julho de 1877, em Calw, Alemanha, o romancista e poeta, Hermann Hesse, viria a morrer em Montagnola, Suíça, em 1962. Em 1946 foi laureado com o Prémio Nobel da Literatura pela sua obra, cujo tema principal está associado ao esforço que é necessário para romper com os modos e padrões de comportamento estabelecidos pela sociedade, a fim de se encontrar e construir um caminho próprio e a identidade individual.
Esse foi, aliás, um dos seus desideratos existenciais, bem plasmado em diversas obras que refletem a sua própria jornada. Razão por que parte delas se reveste de um carácter autobiográfico, como é o caso de Siddhartha (Editora Bis) e O lobo das estepes (Publicações Dom Quixote).
Hans: sob o peso das rodas é claramente um romance autobiográfico, baseando-se na sua experiência enquanto aluno no seminário de Maulbronn. Como descendente de uma família de missionários pietistas, desde cedo foi preparado para seguir o mesmo caminho. Embora fosse um aluno exemplar, não conseguiu adaptar-se e abandonou o seminário menos de um ano depois – tal como Hans Giebenrath, o jovem de quem este livro narra a história.
Hans é um jovem talentoso e dedicado que é pressionado para alcançar a excelência académica num ambiente escolar rigoroso e desumanizador – uma das críticas e lutas de Herman Hesse ao longo da sua vida. Assim é a trajetória de Hans, marcada pelo esforço para corresponder às expectativas impostas pelo seu pai, professores e pela sociedade.
“O pai, o Sr. Giebenrath, admirava toda esta aplicação, cheio de orgulho. Na sua cabeça lerda morava o ideal de muitas pessoas limitadas e insignificantes: ver crescer um ramo que, a partir do seu tronco, suba e atinja uma altura digna de ser olhada com um respeito quase inconsciente” (p. 63).
Hans é um jovem sonhador e ambicioso, ao mesmo tempo vulnerável e sensível que acaba por ceder à tensão de um sistema de ensino exigente e elitista. Depois de ingressar no seminário, no qual muito poucos conseguem entrar após um exame para o qual se preparou abdicando da sua infância e adolescência, torna-se amigo íntimo de Hermann Heilner.
“Este Heilner era mesmo um tipo esquisito. Um entusiasta, um poeta. Já antes se admirara com o comportamento dele. Era do conhecimento geral que Heilner trabalhava muito pouco, e, no, entanto, sabia bastante; era capaz de dar boas respostas, embora sempre mostrasse desprezo por tais conhecimentos” (p. 87).
A amizade de Hans com Heilner, um jovem rebelde, é o princípio do fim da vida académica de Hans, que se vê dividido entre a completa dedicação a uma vida exigente e, eventualmente, desenxabida, e a possibilidade de vivenciar outras experiências que lhe permitam explorar o mundo de forma mais livre e solta.
Ao longo desta narrativa reflexiva e contemplativa, o leitor fica agarrado à transformação de Hans, um rapaz talentoso e de futuro académico promissor, que se perde e desorienta num espaço opressivo.
Estamos perante uma narrativa poderosa e trágica que ressoará, em particular, nos leitores que alguma vez tenham vivenciado e/ou sucumbido às expectativas sociais. É um lembrete sombrio, mas necessário, das consequências de uma vida vivida sob a constante pressão para cumprir padrões externos.
Por intermédio da sua prosa notável e introspetiva, Hesse convida a refletir sobre os valores que realmente importam na busca de uma vida plena e autêntica. As obras que se seguem como que demonstram essa busca do autor.