Correio Trivial

Os Jogos do nosso desencanto

black and white abstract painting

por Vítor Ilharco // Agosto 8, 2024


Categoria: Opinião

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Se há alguma evidência a retirar da prestação dos portugueses nos Jogos Olímpicos de Paris é a confirmação do total desprezo dos nossos governantes, desde sempre, para com o desporto.

A frase “mente sã em corpo são” nunca foi tida em conta pelos nossos políticos.

O desporto escolar é uma mentira e o apoio aos jovens é inexistente.

Claro que não será a única causa, mas com toda a certeza que essa falha indesculpável é uma das razões que leva a que haja cada vez mais jovens obesos, mal preparados fisicamente, mais sujeitos a doenças.

A outro nível impede o aproveitamento de talentos para algumas modalidades pela falta de apoio, de estruturas, de equipamento e de técnicos.

O resultado vê-se quando no confronto com outros países.

E não se diga que a diferença nos triunfos alcançados, que nos Jogos Olímpicos são provados pelo número de medalhas conquistadas, tem a ver, unicamente, com a dimensão e riqueza dos países.

Obviamente que poder seleccionar atletas entre milhões de praticantes permite vantagens diferentes em relação a quem os escolhe entre centenas.

De igual modo os países ricos têm outras possibilidades de investimento também nesta área.

Mas nada pode justificar os resultados sempre inglórios de Portugal, em relação a países de dimensão e riqueza semelhante.  

Um exemplo:

A Hungria obteve, nos Jogos de 2020 (que tiveram lugar em 2021 por causa da Covid), 19 medalhas: 6 de ouro, 7 de prata e 6 de bronze.

Portugal conseguiu 4: 1 de ouro, 1 de prata e 2 de bronze.

Ficámos em 56º lugar atrás de países como o Uganda e ao lado da Etiópia.

Este ano vamos pelo mesmo caminho tendo, até ao momento em que escrevo a Crónica, 1 medalha de bronze contra as 4 da Hungria, sendo 1 de ouro, 2 de prata e 1 de bronze.

Os Governantes que se apresentam nesses palcos, com o objectivo de retirarem alguns dividendos de eventuais medalhas, deveriam ter vergonha já que nenhuma, repito nenhuma, se deve ao Poder político.

Se analisarmos os percursos dos nossos campeões (que os temos) concluiremos que nada, mas nada, devem àqueles.

As nossas primeiras medalhas foram atribuídas a praticantes de vela e de tiro que treinavam, a expensas suas, desportos só praticados por meia dúzia de atletas com poder económico que lhes permitia esse “passatempo”.

Mais tarde surgiram os atletas que levaram longe o nome de Portugal unicamente porque não precisavam de grandes estruturas e equipamentos para as modalidades escolhidas.

Refiro-me, por exemplo, aos praticantes de corta-mato e corridas de estrada como as maratonas.

Nada de original porque o mesmo sucedia, por esse mundo fora, nos países de terceiro mundo como era o caso dos nossos grandes adversários de então, o Quénia e a Etiópia.

Felizmente, alguns Clubes Desportivos de maior dimensão substituíram o Estado no apoio a alguns atletas e permitiram que no remo, no atletismo, na natação, no judo, houvesse medalhados.

Carlos Lopes nunca conseguiria os seus sucessos sem o apoio do Sporting e do seu treinador, o grande Moniz Pereira.

Clube a quem também se deve, em muito, o sucesso de Nelson Évora e Patrícia Mamona, no atletismo, e Jorge Fonseca no judo,

O mesmo com Fernando Pimenta, no remo, Telma Monteiro, no judo, Pedro Pichardo, no atletismo e Vanessa Fernandes, no triatlo, que beneficiaram do apoio do Benfica.   

As grandes atletas Rosa Mota e Fernanda Ribeiro, atingiram o estatuto de campeãs graças ao Futebol Clube do Porto.

O caso mais flagrante será o do ciclista Joaquim Agostinho que se tornou conhecido por, saído da sua aldeia, montado numa “pasteleira” (bicicleta normal), ter participado numa prova, que venceu, contra os melhores portugueses de então, todos apetrechados com bicicletas de competição.

Mais tarde fez furor nas Voltas a França unicamente pela sua força e determinação já que, por falta de treinadores, tinha um modo “original” de pedalar, desengonçado e perigoso, o que levou a que tivesse várias quedas, uma delas fatal, ao ponto de lhe chamarem “Quim Cambalhota”.

O grande Eddie Merckx, que o admirava e de quem foi amigo, confessava:
“Se Joaquim Agostinho soubesse andar de bicicleta seria imbatível”.

E os exemplos podiam multiplicar-se com Campeões noutras competições importantes, como Campeonatos do Mundo, com vários outros atletas que fizeram içar a bandeira portuguesa e ouvir o Hino Nacional sem que a Pátria os tivesse apoiado por desleixo dos seus governantes.

Para estes, o desporto serve para se autopromoverem nos momentos das vitórias, onde estão sempre presentes em grande plano, e na cobrança de impostos aos clubes que fazem muito do trabalho que competiria ao Estado.

man in blue jacket and gray pants running on track field during daytime

Os atletas portugueses, presentes nestas competições, merecerão sempre a minha admiração e o meu agradecimento.

Porque todos competem, pelas razões que mencionei, com enorme desvantagem em relação aos adversários.

O que não invalida que, no fim da Festa, fique uma enorme tristeza e um doloroso desapontamento.

A verdade é que não merecemos o esforço dos que vestem, orgulhosamente, a camisola de Portugal.

Entre muitas outras razões por que somos péssimos nos momentos de votar para eleger quem nos governa.

Vítor Ilharco é assessor


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