Título
79 vozes pela literatura financeira
Autor
AAVV.
Editora
Oficina do Livro e ISCTE - Executive Education (Junho de 2024)
Cotação
14/20
Recensão
Ao pegar neste livro tirei de imediato duas conclusões: há algum tempo que não pegava num livro tão pesado; notei em mim uma enorme desconfiança sobre a autoria de alguns dos textos apresentados como tendo saído da pena de ilustres da política, gestão, economia, academia e dos media.
O ISCTE, os autores da obra e a editora que tenha paciência comigo.
Passo a explicar. Ao todo, são 605 páginas (numeradas) de ‘vozes’ ilustres (Mário Centeno, António Nogueira Leite, Maria Luís Albuquerque, Cristina Casalinho, ...) em prol de 'uma melhor e maior independência ao longo da vida’. Assim que comecei a ler, imaginei alguns dos autores a tentar encontrar espaço na agenda para reflectir, esboçar, desenvolver e escrever um texto ‘por uma melhor e maior independência ao longo da vida’.
À medida que ia lendo, esforçava-me para não pensar no assessor de comunicação que teria escrito este ou aquele texto. Tentava não imaginar equipas em departamentos a juntar as estatísticas, o background e as referências que seriam usados neste ou naquele texto ‘por uma melhor e maior independência ao longo da vida’.
Ser jornalista dá nisto. Em vez de estar a ler o livro, a mente foge para as perguntas: foi mesmo esta pessoa a escrever esta frase? E ‘este’ teve mesmo ‘pachorra’ para escrever isto tudo? Terrível. Não estava a funcionar.
Decidi então partir do princípio de que cada palavra, vírgula e ponto nos ‘ii’ saíram mesmo - mesmo - da pena de cada um dos 79 autores mencionados. Corria tudo bem, quando comecei a pensar na reforma que, segundo um dos autores, provavelmente não irei receber. Resumindo - que terei esgotado o espaço que me foi atribuído para nesta rubrica –, se o(a) leitor(a) for como eu, vai ter vontade de saltar alguns dos autores e algumas das páginas.
[Alerta de spoiler: se não aprecia filmes de terror, não espreite a página 422, onde a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, Paula Franco, conta como, a partir da iniciativa de literacia financeira ‘Joaninha e os Impostos’, foi criada a versão ‘Joaninha e a covid-19’, uma “história que promove o cumprimento das normas de saúde pública e ensina os jovens a seguir as instruções da Direcção-Geral de Saúde”. De imediato, ocorreu-me como faz falta 'A Joaninha e a evidência científica' e 'A Joaninha e o pensamento crítico', tal foi o nível de analfabetismo científico detectado na população portuguesa durante a pandemia, observado pelo nível de 'cumpridores' de instruções sem qualquer fundamentação na evidência. Por acaso, um amigo, o Luís, irá achar que até faz sentido: impostos e instruções da DGS na covid-19 têm exactamente a mesma fundamentação “científica” e exigem a mesma atitude acrítica, para não dizer acéfala, além de contarem com, pelo menos, algum tipo de analfabetismo cívico.]
Por outro lado, encontrará autores que vai querer ler duas vezes para reter melhor a informação (ou para compreender melhor o que escreveram). Mas, no fim de contas, provavelmente este será um livro que devia ser “usado por todos”. Uma espécie de “life hack” como escreve Nuno Pereira no seu capítulo, referindo-se à literacia financeira. Com a excepção da parte de ensinar os miúdos a executar instruções só porque sim. É que não há melhor 'life hack' do que conseguir pensar por si (a não ser que consiga mover objectos com a mente).