Logo após as Olímpiadas de Tóquio, em 2021, escrevi um artigo – intitulado “É a Oceania, estúpido!” – no qual afirmava uma obviedade pouco divulgada: o Continente vencedor da maior competição esportiva do Planeta era aquele formado por dois países de rarefeita população (Austrália e Nova Zelândia) e mais doze pequenas nações espalhadas por incontáveis ilhas. Agora, após os Jogos Olímpicos de Paris, vejo aquela afirmação assegurada por números ainda mais expressivos.
Mas vamos por partes, como dizem os legistas!
Critério burro
O quadro de medalhas aponta as nações que capturam o maior número de galardões, estabelecendo-se a colocação delas de acordo com os ouros conquistados, depois as pratas e, por fim, os bronzes. É um critério burro, acho.
Disse-me um amigo, José Cruz, reconhecido jornalista desportivo, que esse quadro não foi invenção do Comitê Olímpico, mas sim da imprensa. Nasceu, consolidou-se e, aparentemente, nunca ninguém se revoltou contra o fato de ser injusto.
Pesos diferentes
Penso que teríamos uma avaliação mais sensata, se déssemos um peso diferente a cada tipo de medalha. Exemplo: cada primeiro lugar valeria três pontos; uma segunda colocação representaria dois pontos; e uma terceira renderia apenas um ponto.
Já existe
Quando apresentei essa minha tese a outro jornalista, Mário Medaglia, ele me informou que, nos jogos Abertos de Santa Catarina (uma das mais fortes disputas desportivas do Brasil) a premiação vai do primeiro colocado (13 pontos) até o sexto lugar (1 ponto).
O Brasil avança
O Brasil, que foi o vigésimo classificado em Paris, com um total de 20 troféus, sucede a Irlanda, a décima-nona, que obteve somente. Por quê? Porque a terra de James Joyce ganhou quatro medalhas douradas enquanto Pindorama obteve só 3.
Aplicando-se a fórmula (de pesos diferentes) que propus acima, o Brasil (com 3 ouros, 7 pratas e 10 bronzes) somaria 33 pontos. Já a Irlanda (4 ouros, nenhuma prata e três bronzes) ficaria com exatos 11 pontinhos.
Um só ponto
Vamos a outro critério possível: cada medalha (indiferentemente da matéria em que foi forjada) valeria um ponto.
Assim, o Brasil (com 20 medalhas) saltaria para a décima-terceira posição, logo atrás do Canadá (27), e ultrapassando Uzbequistão (13), Hungria (19), Espanha (18), Suécia (11), Quênia (11), Noruega (8) e Irlanda.
População
Deixando de lado essas especulações, passemos a uma avaliação que me parece, realmente, a mais representativa do verdadeiro papel que o esporte representa na vida de cada país. Ou na vida dos cidadãos de um determinado país.
Trata-se do critério relação medalha/população.
EUA e China, os vencedores que não ganharam
Os Estados Unidos, vencedores desta Olimpíada, amealharam um total de 126 prêmios. Dividindo-se esses galardões pelo número de habitantes (333 milhões) do País do Mickey Mouse, constatamos que cada medalha saiu do suor de um grupo de 2,6 milhões de cidadãos.
Seguindo na mesma toada, a segunda colocada, a China, com suas apenas 91 medalhas, divididas pela sua incalculável população (1,4 bilhão), conseguiu um prêmio para cada 15,3 milhões de cidadãos.
Japão
Continuemos na mesma linha. A terceira nação mais premiada, o Japão, que tem uma população (120 milhões) entre dez e onze vezes menor que a chinesa, obteve quase que a exata metade (45) de prêmios arrematados por aquele seu (incômodo, garantem os maldizentes) vizinho.
Explicando melhor aos ruins de Matemática: o Japão deu uma medalha a cada 2,7 milhões de seus moradores. Índice quase idêntico ao dos Estados Unidos.
Em outras palavras, proporcionalmente, o país de Kurosawa ganhou cinco vezes mais troféus que a terra daquele gorducho, anteriormente chamado Mao Tsé Tung, que recentemente ganhou um nome horrível.
Oceania
Sigamos. A pequena Nova Zelândia (5 milhões de habitantes) conquistou dez medalhas. Ou seja, uma medalhinha para cada 500 mil habitantes. O mesmo ocorreu com sua vizinha, a Austrália, que (com suas 53 medalhas) deu uma premiação a cada meio milhão de seus cidadãos.
Ou seja, proporcionalmente, australianos e neozelandeses ganharam 30 vezes mais prêmios do que seus vizinhos não tão distantes assim, os cidadãos do Império do Meio.
No tapa
Já nós, tupinambás, teremos que dividir, aos tapas ou aos golpes de tacape, uma medalha entre cada dez milhões de habitantes. Não chega a ser um número ruim, se observamos a China. Mas é péssimo, quando nós nos voltamos para a Oceania.
Temperaturas decentes
Aliás, dizem alguns que Austrália e Nova Zelândia são países favorecidos – na prática desportiva – pelo seu clima, marcado por temperaturas decentes.
Como se sabe a vocação desportiva dos anglo-saxões é irrefutável. Inventaram quase todos os esportes, com exceção do frescobol, do futevôlei e do vôlei de praia, criados por uma “gente bronzeada” que sabe “mostrar seu valor” (como apregoa a cantiga dos Novos Baianos).
Mas os moradores do Reino Unido não foram privilegiados no quesito clima. Isso, não. Padecem muita chuva e muito frio.
Assim, quando me refiro a “temperaturas decentes”, estou levando em conta que há muitos países do Norte da Europa que contam com invernos que duram nove meses. E a prática desportiva por lá só pode ser desenvolvido em ginásios. Nada muito problemático para aquelas nações, em geral muito ricas, mas ao ar livre seria mais divertido e confortável.
O detalhe do solzinho
Para alguém nascido nas vizinhanças da linha do Equador passar nove meses por ano sem um solzinho no lombo seria uma tortura insuportável.
Continentes
Dos vinte países que encabeçam a lista dos mais premiados em Paris, dez são europeus (França, Holanda, Grã-Bretanha, Itália Alemanha, Hungria, Espanha, Suécia, Noruega e Irlanda), quatro são asiáticos (China, Japão, Coreia e Uzbequistão), dois são da América do Norte (EUA e Canada), dois da Oceania (Austrália e Nova Zelândia), um da América do Sul (Brasil) e um da África (Quênia).
Quase todos são países de renda média elevada, com exceção do pobre Quênia e do desconhecido Uzbequistão (república integrante daquilo que anteriormente era conhecido como Sovietistão).
E do Brasil, claro, que embora tenha o quinto território mais extenso, a sétima maior população e o sétimo Produto Interno Bruto, consegue manter boa parcela da sua população circulando em volta da chamada linha da pobreza.
Lembranças
Para comparar, vejamos os dados da Olimpíada de 2021. Nela, a Nova Zelândia, que ocupou o décimo-terceiro posto – logo atrás do Brasil – ganhou 20 medalhas. A Austrália subiu 46 vezes ao pódio.
Cadê Cuba?
Vale mais uma lembrança, a de uma nação americana que antigamente se destacava na competição. Há três anos, Cuba obteve 15 medalhas e acabou em décimo-quarto lugar da classificação geral. Agora, caiu para o trigésimo-segundo lugar, com apenas 9 medalhas.
Teve, claro, melhores desempenhos nos anos em que recebia ajuda econômica da defunta União Soviética.
O mistério
Mas o grande mistério olímpico continua sendo o Quênia (66º lugar em PIB), dos grandes corredores de longas distâncias.
Explicando o título
Muitas vezes precisamos reforçar aquilo que nos parece óbvio. O óbvio ululante, como diria o nosso maior teatrólogo.
No caso deste artigo, recorri a uma frase – “The economy, stupid” (É a economia, idiota) – que teria sido forjada em 1992 por James Carville, na época o estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton contra George H. W. Bush para reforçar a ideia de que a economia – isso é claríssimo, patente, manifesto – tem um papel determinante em uma eleição presidencial.
Lourenço Cazarré é escritor
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