Incumprimento é ''violação reiterada', mas Governo em silêncio sobre se aplica lei-quadro

Nova SBE: Miguel Pinto Luz deixou fundação em condições de perder estatuto de utilidade pública

por Pedro Almeida Vieira // Agosto 22, 2024


Categoria: Exame

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O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, presidiu a fundação que gere o campus da Nova SBE, em Carcavelos, e ‘esqueceu-se’ que, para manter o estatuto de utilidade pública concedido pelo Governo socialista em finais de 2020, teria de enviar os relatórios de contas e das actividades. Não o fez em 2023, em relação ao ano de 2022, e não deixou nada preparado para se enviarem a tempo os documentos respeitantes ao ano passado. Resultado: pela Lei-Quadro, a Fundação Alfredo de Sousa cometeu uma “violação reiterada” dos deveres susceptível de perder o estatuto de utilidade pública durante pelo menos cinco anos e a devolver os benefícios fiscais já obtidos. Mas para se aplicar a máxima ‘dura lex, sed lex’ será necessário que o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros se mexa. O PÁGINA UM fez a pergunta a Paulo Lopes Marcelo. Do outro lado, o silêncio num assunto sobre o qual o ministro Pinto Luz, o presidente da Nova SBE e o reitor da Universidade Nova de Lisboa também nada dizem. Talvez na esperança de saírem de um vergonhoso imbróglio sem ninguém os envergonhar. Ou responsabilizar.


A Fundação Alfredo de Sousa, a entidade gestora do Campus de Carcavelos da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) está em risco de perder o estatuto de utilidade pública concedida em Outubro de 2020. Em causa está a violação considerada “reiterada” da respectiva Lei-Quadro por parte da instituição que até Março foi presidida por Miguel Pinto Luz, actual ministro das Infraestruturas e Habitação. O actual governante, em representação da autarquia de Cascais, foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa desde 2017 e a liderou a partir de Abril de 2021, até ao convite de Luís Montenegro para integrar o seu Governo.

De acordo com a Lei-Quadro, para ser mantido o estatuto de utilidade pública – que, além de constituir um factor de marketing relevante, concede diversos benefícios fiscais e tarifários, bem como um regime especial ao abrigo do Código das Expropriações –, as entidades que o recebem têm de comunicar à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (SGPCM) o relatório e contas anual e o relatório de actividades, bem como publicitar a lista dos titulares dos órgãos sociais em funções, com indicação do início e do termo dos respectivos mandatos. O prazo para comunicação obrigatória dos relatórios é de “seis meses a contar da data do encerramento desse exercício”, devendo estes também estar disponíveis ao público em geral.

Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021.

Ora, conforme o PÁGINA UM revelou no passado dia 8, a Fundação Alfredo de Sousa não aprovou sequer ainda as contas de 2021 – que era da responsabilidade máxima da administração presidida Miguel Pinto Luz –, e passados quase oito meses de 2024 também não estão aprovadas as relativas ao exercício de 2023, o que constitui, de forma clara, motivo de revogação do estatuto de utilidade pública. Com efeito, de acordo com a Lei-Quadro, constitui fundamento susceptível de determinar a revogação “o incumprimento, em dois anos seguidos ou três interpolados, dentro do período total de validade do estatuto de utilidade pública” dos deveres, entre outros, da comunicação dos relatórios com as demonstrações financeiras e de actividades. Se tal suceder, prevê a legislação, a Fundação Alfredo de Sousa apenas poderá requerer novamente a atribuição do estatuto de utilidade pública “passados cinco anos da decisão de revogação”.

Porém, para que essa sanção seja aplicada – que pode também resultar até na restituição dos benefícios entretanto obtidos pela Fundação Alfredo de Sousa, até por estar em falta desde que obteve o estatuto em finais de 2020 –, será necessário que a SGPCM tome a iniciativa. Com efeito, na prática, cabe ao actual secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Paulo Lopes Marcelo, determinar a realização de inquéritos, sindicâncias, inspeções e auditorias às entidades beneficiárias do estatuto de utilidade pública. E como são evidentes as violações – dois anos com atraso na apresentação obrigatória de relatórios –, a Lei-Quadro não deixa grande escapatória, a não ser política, à revogação do estatuto de utilidade pública do Fundação Alfredo de Sousa, com todas as consequências que daí advêm por estar associada a uma universidade pública e sobretudo por ter tido Miguel Pinto Luz a liderá-la durante dois anos.

Paulo Lopes Marcelo, actual secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: terá coragem de aplicar a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública contra uma fundação presidida até este ano pelo ministro das Infraestruturas?

O PÁGINA UM colocou questões ao secretário de Estado Paulo Lopes Marcelo sobre esta matéria, mas não obteve resposta, somando-se assim aos comprometedores silêncios de todos responsáveis directa e indirectamente envolvidos na gestão da Fundação Alfredo de Sousa. Recorde-se que, para a edição anterior do PÁGINA UM, tinham sido pedidos esclarecimentos e informações a Miguel Pinto Luz, ao actual presidente da Nova SBE, Paulo Oliveira, e ao reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sàágua, que se demitiu no início deste ano da presidência do Conselho de Curadores da fundação, que necessita de dar um parecer para que as contas sejam depois aprovadas.

Aliás, na aparência, a Fundação Alfredo de Sousa, com apenas dois funcionários, está à deriva, porque Miguel Pinto Luz ainda nem sequer foi substituído e a sua renúncia nem sequer está formalmente registada, o que não surpreende porque a sua nomeação em Abril de 2021 somente surge registada em Março de 2024. Por outro lado, além da renúncia de João Sàágua ao Conselho de Curadores, o presidente da Nova SBE nunca se mostrou interessado em assumir um cargo de administrador da Fundação Alfredo de Sousa, ao contrário do seu antecessor, Daniel Traça, um dos ‘pais’ do Campus de Carcavelos.

Mostra-se patente, aliás, que o modelo de gestão da Nova SBE, através de uma fundação – que, além da autarquia de Cascais e da Universidade Nova de Lisboa, conta com a participação do Banco Santander, da Jerónimo Martins e da Arica – está estruturalmente deficitário, o que não abona a favor de uma faculdade prestigiada internacionalmente na área da Economia e Finanças. Depois da inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, as receitas da Fundação Alfredo de Sousa, provenientes da renda e aluguer dos espaços que construiu, nunca foram suficientes, até porque era ‘obrigada’ a desviar parte dos donativos para a própria Nova SBE, o que também levanta dúvidas de legalidade.

Marcelo Rebelo de Sousa participou na inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, na companhia do actual reitor da UNL, João Sàágua (segundo à esquerda) e do então presidente da Nova SBE, Daniel Traça (terceiro à esquerda). Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República.

O PÁGINA UM, conforme revelou na edição anterior, teve acesso às contas ainda não aprovadas de 2022 e 2023 da Fundação Alfredo de Sousa – apenas assinadas por cinco dos oito administradores, e ainda sem parecer do Conselho de Curadores –, que mostram prejuízos acumulados de quase 7,9 milhões de euros e um elevado endividamento, com o passivo total superior a 31 milhões de euros, dos quais mais de 13 milhões são empréstimos bancários ao Banco Europeu do Investimento e ao Banco Santander.

Mais preocupante ainda, por se tratar de uma fundação com um património sobretudo assente nos edifícios do Campus de Carcavelos, é a ‘pressão’ financeira causada pelas depreciações, que no ano passado atingiram os 2,8 milhões de euros, que se aproximam dos 3,3 milhões de euros de rendas e alugueres. Para agravar o cenário futuro, as expectativas em redor de donativos não são muito risonhas. Neste ano, os doadores ainda assumem entregas próxima de 3,2 milhões de euros, mas esse valor será de metade (1,6 milhões) em 2025. Para 2030, somente há garantia, por agora, de receber 150 mil euros.

N.D. Pode consultar aqui os relatórios e contas de 2016 a 2021. Os relatórios não aprovados de 2022 e de 2023 podem ser consultados, respectivamente, aqui e aqui.


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