ERC censura o estilo de entrevista na RTP em campanha eleitoral

Regulador dos media dá ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos por causa de Marta Temido

por Pedro Almeida Vieira // Agosto 22, 2024


Categoria: Imprensa, Exame

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Foi a 5 de Junho, Dia Mundial do Ambiente, mas a entrevista na RTP conduzida por José Rodrigues dos Santos à cabeça-de lista do Partido Socialista, Marta Temido, na recente campanha para o Parlamento Europeu, aqueceu muito e o ambiente não ficou nada arejado. E não foi apenas nas redes sociais que se debateu o ‘confronto’: houve três queixas a acabar na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que achou bem criticar o estilo do jornalista da RTP na condução da entrevista. Uma ingerência “intolerável e fascistinha” do regulador, diz o especialista em media Eduardo Cintra Torres, perante a polémica deliberação que foi votada apenas por três dos cinco membros da ERC. A presidente do regulador, Helena Sousa, não participou na aprovação.


Foi o momento mais mediático da recente campanha eleitoral para o Parlamento Europeu: a entrevista do jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos à cabeça-de-lista do Partido Socialista, Marta Temido, na noite do dia 5 de Junho, acabou azeda, sobretudo pelo ‘confronto’ em redor da “subsidiodependência” de Portugal relativamente aos fundos europeus. No rescaldo, houve quem criticasse a postura do jornalista, outros o comportamento da ex-ministra da Saúde, agora eurodeputada, que se despediu com acrimónia, quando Rodrigues dos Santos agradeceu a sua presença.

Nos dias seguintes, tanto nas redes sociais como até no Polígrafo, discutiu-se e dissecou-se apaixonadamente este ‘confronto’, e houve três pessoas que se dispuseram a queixar-se à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), acusando José Rodrigues dos Santos de ter feito uma entrevista que era “uma vergonha para a TV pública”, com “perguntas capciosas, baseadas em informações falsas, tom violento, contestando todas as respostas”, agindo com “uma postura agressiva” que ultrapassara “em muito a razoabilidade da educação e boas maneiras”.

Marta Temido não apreciou entrevista e depediu-se com acrimónia.

Apesar de não ser nada consensual que o regulador intervenha em matérias do foro editorial, e sobretudo de estilo, certo é que a ERC deu seguimento às queixas e acabou mesmo por aprovar uma deliberação que constitui um ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos. Com efeito, na deliberação aprovada no passado dia 7, mas somente hoje revelada, o Conselho Regulador – sem a presença da sua presidente, Helena Sousa – critica o conhecido pivot da RTP por se ter afastado “do registo de factualidade e das regras de condução da entrevista jornalística”, e que “não foi conferido espaço à entrevistada para expor os seus pontos de vista”. E conclui ainda que “a forma como decorreu a entrevista é susceptível de prejudicar o direito dos telespectadores de serem informados”, em violação do que garante a Constituição.

A polémica deliberação do regulador – que não detém atribuições para se imiscuir em estilos e abordagens, apesar de ser uma tentação à qual não resiste –, aprovada apenas por três dos cinco membros do Conselho Regulador, “revela uma atitude condenável de interferir na liberdade jornalística”, defende Eduardo Cintra Torres, professor universitário e especialista em media.  Destacando que a deliberação não contraria sequer a argumentação defendida no processo por José Rodrigues dos Santos, Cintra Torres diz também que não é esclarecido “se as queixas contra a entrevista tiveram origem na candidatura eleitoral da entrevistada”.

Este aspecto não é, aliás, despiciendo, uma vez que as queixas sobre a cobertura mediática no decurso das campanhas por parte de representantes partidárias têm de seguir trâmites, passando primeiro pela Comissão Nacional de Eleições. Cintra Torres, que é também comentador no Correio da Manhã e na CMTV, lamenta ainda que “os membros da ERC que assinam a deliberação, sem experiência jornalística, tomem partido pela pessoa política entrevistada”, quando a função do entrevistador, como foi feito por José Rodrigues dos Santos, foi insistir quando Marta Temido quis fugir às perguntas. “É inacreditável que a ERC se intrometa no modo de realizar entrevistas, para mais falseando a realidade”, defende Cintra Torres, concluindo que este tipo de ingerência “é intolerável e é um toque ‘fascistinha’, contrariando até o caminho seguido, em geral, pelo anterior Conselho Regulador”, e ameaça ser “um regresso aos tempos negros da dupla socratinista Azeredo Lopes-Estrela Serrano”.

Entidade Reguladora para a Comunicação Social continua na sua senda de criticar mais do que defender jornalistas.

Sem pretender abordar o caso em concreto, Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas, diz ser “incontestavelmente a favor da total liberdade de informação” e que, sem prejuizo de se apreciar ou não estilos, “não cabe ao regulador apreciar a condução de uma entrevista”.

O PÁGINA UM está a tentar, ainda sem sucesso, uma reacção de José Rodrigues dos Santos. Em todo o caso, no processo levantado pelo regulador dos media, o jornalista da RTP argumentou que “não houve nenhuma acção para impedir a entrevistada de prestar esclarecimentos quando ela estava a responder efetivamente às perguntas nem qualquer ‘tom violento’ e ‘agressão’, a não ser que se defina os repiques como agressões”.

Rodrigues dos Santos sublinhou ainda que os “repiques nestas entrevistas constituíram um esforço para impedir respostas evasivas a perguntas concretas, e também um esforço para obter respostas factualmente verdadeiras ou que não induzissem em erro”, sustentando ainda que “as entrevistas com políticos tendem a ter uma natureza confrontacional porque o entrevistador procura assumir-se como “advogado do diabo“.

Contudo, para a ERC, aparentemente, por esta deliberação, o jornalista deve pensar agora sempre duas vezes antes de perguntar ou escrever algo que possa resultar numa queixa, que em seguida culmina num ‘puxão de orelhas’ do (atento) regulador.

N.D. Acrescentado, às 21h00 de 22/08/2024, o comentário de Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas.


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