O Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC) atualizado, e em consulta pública até esta quinta-feira, 5 de 5etembro, é suposto ser o eixo da política energética e climática, em execução entre 2021 e 2030, para que Portugal se transforme numa “sociedade neutra em carbono”, sobretudo através da “redução das emissões de GEE e o compromisso da neutralidade climática até 2045, conforme preconizado pela Lei de Bases do Clima”. Para isso, 96% da energia produzida no sistema eletroprodutor português deverá ser de origem renovável, e dessa energia 40% terá de ser de origem eólica e 42% de origem solar.
O Plano aponta oito Objetivos Nacionais (PNEC, pág. 35), de entre os quais destaco o Objetivo 8: “Garantir uma transição justa, equitativa, democrática e coesa”. Como activista ambiental, não tenho dúvidas em dizer que este objetivo está longe de ser implementado.
São inúmeras as causas ambientais activas pelo país: SOS Quinta dos Ingleses, em Carcavelos; Dunas Livres, entre Tróia e Melides; Salvem os Sobreiros de Morgavel, em Sines; Minas Não, em Covas do Barroso; Contra a Ampliação da Mina de Alvarrões, na Serra da Estrela; Não às obras na Cascata do Tahiti e aos Painéis nas Barragens de Paradela e Samalonde, no Gerês, o nosso único Parque Nacional; ou Juntos pelo Divor em Évora – apenas para nomear algumas.
Directamente envolvida ou a acompanhar o evoluir de algumas destas causas, a percepção é a de que, no geral, as populações que nelas participam, genuinamente interessadas e preocupadas, tanto com as questões ambientais como com o património paisagístico e cultural dos lugares onde vivem, não têm sido devidamente escutadas.
Com demasiada frequência as questões remetidas por interpelação em consulta pública, em assembleia municipal ou de freguesia, por carta, por e-mail, por petição à Assembleia da República, por manifesto ou protesto público, acabam sem ser cabalmente respondidas, ou são mesmo simplesmente ignoradas. Algumas destas causas, entretanto levadas a tribunal, entram num impasse que pode levar anos a resolver, consumindo recursos e tempo de todas as partes envolvidas.
Neste PNEC, pouco ou quase nada se refere à importância da conservação, regeneração e criação de espaços florestais e da Natureza, essenciais como sumidouros de carbono e de calor, áreas de biodiversidade e de conservação dos solos e aquíferos para prevenir tanto as secas, como as cheias. Como contraponto às ilhas de betão e actividade humana, dentro e fora dos centros urbanos, as florestas e outros espaços onde a natureza respira, tornaram-se fundamentais, como, aliás, se reconheceu recentemente na Lei do Restauro da Natureza, aprovada pela União Europeia, com o voto favorável de Portugal.
Qual, então, o sentido de se destruírem ecossistemas existentes para se criarem parques de energia solar ou eólica?
No âmbito do Objetivo 8, o PNEC indica, como linha de actuação, “promover plataformas de diálogo e debate permanentes e duradouras, à escala nacional e local, que envolvam os principais agentes dos vários setores, e que possam contribuir de forma ativa para a construção de uma política energética mais transparente, proactiva e inclusiva, que assegure o cumprimento das metas e compromissos nacionais em matéria de energia” (PNEC, pág. 138).
Passemos à sua concretização efectiva. Para além das consultas públicas online, é essencial sentar à mesma mesa, para ouvir e dialogar de forma construtiva, compreender as razões de quem quer ser escutado, e tudo fazer para verter essa informação nas decisões que enformam e melhoram a gestão desses políticas e recursos. Por parte do Governo, Assembleia da República, autarquias, e demais instituições, sobretudo da área ambiental, como a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF).
O artigo 48º da nossa Constituição consagra aos cidadãos o direito de participação na vida pública, nomeadamente “tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos,” e “ser esclarecidos objetivamente sobre atos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos”.
A democracia e a cidadania participativa só se tornam plenas se exercidas proactiva e regularmente, tanto pelos cidadãos como pelas instituições do Estado. O propósito não é mais do que encontrar as melhores decisões em favor do interesse público: desenvolver uma sociedade neutra em carbono, sem pôr em causa o desenvolvimento sustentável e a produção de energia mais limpa, nem os direitos a viver em ambiente sadio e à proteção do património local.
Silvie Lai é activista ambiental e licenciada em Ciências da Comunicação e mestre em Estudos Europeus
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