MARTA SILVA, PRESIDENTE DA COOPERATIVA LARGO RESIDÊNCIAS

‘A Cultura cria valor, cria um impacto, não é só animação’

por Elisabete Tavares // Setembro 19, 2024


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Marta Silva preside à cooperativa cultural Largo Residências, cuja actividade tem sido marcada pela crise no acesso a habitação na capital, o processo de gentrificação da cidade e a explosão do turismo. Depois de ter tido a sua ‘casa’ no Largo do Intendente durante 11 anos, a cooperativa foi promotora, durante um ano, de um pólo cultural ‘pop up’ no quartel da GNR do Largo do Cabeço de Bola, também na freguesia de Arroios. Recentemente, passou a ocupar parte das instalações do antigo hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, onde criou o centro cultural e comunitário Jardins do Bombarda. Distinguida como uma das cinco maiores cooperativas do género do país, em 2019, a Largo Residências também se tem destacado em projectos de inclusão social e desenvolvimento local, com programas voltados para a comunidade, mas também para o apoio a artistas, nomeadamente refugiados. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Marta Silva destaca o papel da cultura, enquanto “cola” e função “estruturante de relações, de criação de sentimentos de pertença”, e frisa que é crucial que os decisores políticos percebam que esta actividade não é só animação. A presidente da cooperativa também elabora sobre o programa de actividades nos Jardins do Bombarda, nomeadamente a primeira conferência internacional sobre ‘Terceiros Lugares’, um tipo de espaços colaborativos, que se realiza em Outubro.



Foi considerada, em 2019, uma das cinco maiores cooperativas culturais do país. Mas essa distinção, entre outras, e o seu papel na área de inclusão social e desenvolvimento local não foram suficientes para tornar a cooperativa Largo Residências imune à forte crise no acesso a habitação que tem assolado o país, nomeadamente na capital, e que afectou as suas actividades nos últimos anos.

A gentrificação da cidade, a par da explosão do valor dos imóveis e do negócio do alojamento local, deixou a Largo sem casa. Depois de 11 anos a desenvolver a sua actividade no Largo do Intendente, a cooperativa presidida por Marta Silva teve de procurar ‘casa’ nova. Durante um ano, promoveu um pólo cultural ‘pop up‘, temporário portanto, no quartel da GNR no Largo do Cabeço de Bola, também na freguesia de Arroios. Recentemente, passou a ocupar parte das instalações do antigo hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, onde criou o centro Jardins do Bombarda.

Marta Silva, presidente da cooperativa Largo Residências, na redacção do PÁGINA UM. (Foto: D.R.)

Marta Silva, 45 anos, foi co-fundadora da Associação SOU, criada em 2007, com sede em Arroios, um projecto de formação e programação em artes performativas, que deu origem à criação, em 2012, da cooperativa Largo Residências. Para a gestora cultural, “as cidades, para serem sustentáveis, precisam de projectos sem fins lucrativos e que reconhecem o cidadão e o desenvolvimento local como prioritário”.

Nesta entrevista ao PÁGINA UM, destaca que “a Cultura cria valor, cria um impacto, que não é só activação, não é só animação. Ela é estruturante de relações, de criação de sentimentos de pertença e é uma cola sem a qual a cidade vai desmoronar”. E diz os agentes têm de ser vistos como interventores territoriais estruturantes e “de criação de cidade”.

Marta Silva também salientou o papel fundamental da participação cívica. “Não podemos encarar o acto de participação com ouvir opiniões”, disse. Para Marta Silva, “infelizmente, ainda estamos todos longe de perceber o que é realmente participar. Hoje em dia, há uma tendência em falar de um processo participativo, quando estamos simplesmente a informar ou a recolher opiniões, e isso não é um processo participativo”.

A presidente da Largo, além de ser gestora, desenvolveu a sua actividade em torno da dança e do ensino. Este ano recebeu o prémio ‘Melhores Produtores Culturais 2023’ da sexta edição do Prémio Natércia Campos, atribuído pela Academia de Produtores Culturais.

No leme da Largo Residências, Marta Silva acompanhou, de igual modo,todo o processo de transformação do Intendente e zonas adjacentes causada pelos movimentos de imigração, turismo e valorização imobiliária.

Agora, nos Jardins do Bombarda, a cooperativa continua com o seu programa de residências de artistas, que tem o apoio da Câmara Municipal de Lisboa. Tem também o programa residências-refúgio, que é apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, o qual acolhe, actualmente, cinco artistas em situação de refúgio.

(Foto: D.R.)

No espaço encontram-se ainda um restaurante, uma loja, um jardim onde se pode organizar eventos, e diversas zonas para actividades e programas diversos. O espaço é aberto ao público e também acolhe actividades originadas na comunidade.

Em preparação, está a sala-estúdio Valentim de Barros para acolher espectáculos e que homenageia um dos primeiros bailarinos portugueses com carreira internacional, o qual, sendo homossexual, foi institucionalizado no Miguel Bombarda, tendo lá vivido mais de quatro décadas.

Também em preparação, está a I Conferência Internacional ‘Terceiros Lugares’ em Portugal, dedicada a esta tipologia de espaços colaborativos. Trata-se de entidades do terceiro sector, ou seja, que não estão ligadas nem ao sector público nem ao privado, que ocupam temporariamente antigos espaços com outros usos, como antigas fábricas ou hospitais, com o objectivo final de ter um impacto mais territorial, de inclusão, desenvolvimento local, social e económico, a dimensão da comunidade e do cidadão. O evento vai decorrer nos dias 11 e 12 de Outubro, sendo que nos dois últimos dias haverá workshops nos Jardins do Bombarda.


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