Título
Velar por ela
Autor
JEAN-BAPTISTE ANDREA (tradução: Isabel Ferreira da Silva)
Editora
Porto Editora (Maio de 2024)
Cotação
17/20
Recensão
Jean Baptiste Andrea, um guionista que se sentia limitado pelo cinema, liberta a imaginação e emoção neste romance. O seu percurso inicial como escritor foi difícil até encontrar a editora L’Iconoclaste que lhe garantiu que o livro seria 'um fogo de artificio'. E assim venceu o Premio Goncourt no ano passado, que agora chegou a Portugal numa oportuna edição da Porto Editora.
Em 'Velar por ela', Pietra de Alba é uma pequena vila onde brotam fontes miraculosas e a luz de aurora banha o planalto de rosa matizado, sendo o cenário das aventuras de Michelangelo Vitaliani (Mimo) e Viola Orsini.
Mimo é um anão de personalidade magnética e talento artístico excepcional, que desvela pacientemente estátuas com movimento de enormes blocos de mármore, enquanto Viola se apresenta como uma aristocrata romântica que transcende normas e comportamentos sociais: filha do planalto, guia-se pelas florestas com a sua bússola interna, convive com ursos e escuta os sons do submundo em incursões nocturnas ao cemitério.
Os dois adolescentes de meios sociais opostos - numa era sem nuances, em que se é ou rico ou pobre, ou letrado ou analfabeto - constroem um amizade forjada na necessidade de extravasarem fronteiras: físicas, no caso de Mimo; e sociais, no caso de Viola. Ela voa; Mimo esculpe. As experiências aeronáuticas, a construção em segredo dum parapente em que Viola se lança do telhado da casa para escapar a um casamento de conveniência, acabam em queda livre protegida por uma árvore, com ossos e sonhos fragmentados. As cicatrizes internas e externas moldam o futuro da jovem mulher: "Je suis une femme debout au beau millieu des guerres que vos avez déclenchée/ Je suis celle que vous appelez quando tout se effondre autor de vous/ Mais que vous brulerez encore des que tout ira bien, ou cas ou je verrais que tout ne vas pas bien/ Vous me consumerez, vous me reduirez en cendres, vous me disperserez, ou vous croirez le faire car votre feu est sans chaleur et ne brule rien/Je suis une femme debout, j’ en vaut mille comme vous".
Mimo, famoso escultor protegido pelo Vaticano, cria a sua obra-prima, a Pietá Vitaliani, causando estranhas reacções psicossomáticas aos apreciadores de arte. A Pietá é a homenagem pétrea e intemporal de Mimo à sua eterna amiga Viola. Quando o Vaticano, perturbado pelos relatos de crises sobrenaturais à visão da obra, decide escondê-la nas catacumbas de um convento, Mimo segue então as pisadas da sua expressão artística e amorosa, retirando-se para as montanhas, para 'Velar por ela': por Viola e por Pietá.
E é no seu leito de morte, nos anos 80, que Mimo evoca os anos turbulentos entre 1918 e 1946, tendo também como pano de fundo a ascensão da ditadura fascista de Mussolini e a sua dança com a Santa Sé, num clima social opressivo de poder bélico e patriarcal, mas onde não há lugar para mulheres brilhantes, como Viola, que recitam livremente todas as variantes do vento : tramontana, siroco, libecio, ponant, mistral…