Recensão: Uma brancura luminosa

Jogos de luz e sombra

por Pedro Almeida Vieira // Setembro 19, 2024


Categoria: Cultura

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Título

Uma brancura luminosa

Autor

JON FOSSE (tradução: Liliete Martins)

Editora

Cavalo de Ferro (Fevereiro de 2024)

Cotação

17/20

Recensão

Embora já (bem) reconhecido em Portugal antes de ser laureado com o Prémio Nobel da Literatura, um leitor desatento (ou com pouco tempo) tem nesta novela de Jon Fosse uma oportunidade de ouro para se introduzir na obra (e mente) deste 'estranho' escritor que usa  Nynorsk, o padrão menos usado do norueguês.

Conhecido pela sua prosa minimalista e pelas suas obras de dramaturgia repletos de pausas, silêncios e repetições, Jon Fosse construiu em 'Uma brancura luminosa' - a opção da editora na 'Kviitleik, que significa 'Jogo de Luz' - uma atmosfera abstracta mas meditativa a partir de um absurdo: um homem, que conduz sem destino, fica atolado e busca ajuda pela escuridão até encontrar uma 'luz'.

Numa prosa onde leitor entra também num espaço onde a luz e a sombra - tanto literal quanto metaforicamente - se entrelaçam, o resultado é uma escrita que, em simultâneo, revela e oculta, com frases ecoando de forma circular, voltando a emergir com ligeiras variações, como ondas, transmitindo, por vezes, um efeito quase hipnótico, meditativo, tornando-se assim numa experiência sensorial e emocional.

Ao contrário das suas obras anteriores, os personagens tornam-se quase inexistentes, no sentido da sua relevância narrativa, funcionando mais como vozes, fragmentos de pensamento e de emoção, aparentando uma intenção de se captar somente a essência daquilo que significa estar vivo, num mundo onde o tempo e a memória se desvanecem de forma imperceptível.

Apesar da característica técnica da repetição, uma das marcas de Fosse, nada se mostra redundante; cada iteração carrega uma nuance emocional ou simbólica diferente. Em alguns momentos, a repetição gera uma sensação de claustrofobia, como se as palavras e as ideias estivessem presas num ciclo eterno, numa cadência musical, que quase convida a meditações zen, não fosse a claustrofobia do escuro.

Assim, num mundo literário cada vez mais focado em histórias rápidas e acessíveis, Fosse oferece uma alternativa rara e preciosa em apenas 54 páginas: a literatura como experiência espiritual, como reflexão existencial, como arte. 

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