Análise do PÁGINA UM mostra realidade dos 'anos perdidos'

Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

brown wooden chair on brown wooden deck

por Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares // Outubro 2, 2024


Categoria: Exame

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As dormidas turísticas em Portugal atingiram valores recorde em Agosto passado, mas há uma realidade escondida nos números agora divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística. Uma análise do PÁGINA UM confirma a hecatombe económica nas receitas dos alojamentos no sector turístico durante a pandemia. As perdas estimadas no triénio 2020-2022 situam-se acima dos 6 mil milhões de euros, devido às restrições impostas às viagens e ao alarme associado. O ano de 2020 foi o mais afectado: seria expectável, sem pandemia, receitas da ordem dos 4,6 mil milhões de euros, seguindo a tendência de crescimento do sector de 8%, mas o ‘tombo’ foi colossal, apenas se arrecadando pouco mais de 1,4 mil milhões de euros. A recuperação apenas se mostrou visível em 2022, embora os proveitos tivessem ficado aquém do que seriam de esperar. A análise aos ‘anos perdidos’ do sector do turismo em Portugal mostra uma realidade pouco reconhecida a nível político e mediático, de enormes perdas que afectaram empresas e trabalhadores do sector turístico, um dos principais motores da Economia portuguesa.


As dormidas turísticas em Portugal atingiram o máximo histórico em Agosto, mas o caso não é ainda motivo para se atirar foguetes. É que, para trás, há ainda muitas ‘feridas por cicatrizar’, com três ‘anni horribiles‘ por causa das restrições impostas pelo Governo durante a pandemia. Uma análise do PÁGINA UM, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e as taxas de crescimento do sector no período imediatamente anterior e posterior à pandemia, estima que se perderam, pelo menos, 6,2 mil milhões de euros de receitas nos diversos estabelecimentos de alojamento turístico, designadamente unidades hoteleiras, alojamento local e turismo rural. Este montante é superior a um ano ‘bom’ de receitas, como o observado em 2023, quando o sector registou um recorde nos proveitos.

Segundo a análise, que estima qual seria a evolução natural das receitas das dormidas turísticas caso não houvesse restrições, só as perdas registadas em 2020 ascendem a um valor estimado de 3,2 mil milhões de euros. Seria expectável, face ao anterior triénio, com taxas de crescimento médio anual a rondar os 8%, que o ano de 2020 tivesse receitas de mais de 4,6 mil milhões de euros, mas quedou-se nos 1,4 mil milhões. Os meses de Abril e Maio, associados ao pânico generalizado, incluindo interrupções de tráfego aéreo, levaram a quedas brutais. Em Abril de 2020, as receitas de alojamento turístico cifraram-se apenas em 4,4 milhões de euros, o que representou somente 1,3% das receitas do mês homólogo de 2019. Mesmo em Agosto de 2020, as receitas foram metade das registadas no mesmo mês do ano anterior.

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Ao invés de o sector registar uma continuação do crescimento observado até 2019, logo em 2020 o travão às dormidas turísticas foi imediato. Recorde-se que, ao contrário da Suécia, Portugal adoptou uma estratégia radical, seguida na generalidade dos países europeus, impondo confinamentos, fecho de empresas e de fornecimento de alguns serviços, bem como suspensão do tráfego aéreo. O pânico ajudou também a refrear as visitas de estrangeiros. As restrições foram aplicadas a partir de meados de Março de 2020, o que afectou as dormidas turísticas logo a partir deste mês.

Em 2021, mesmo com a introdução do certificado de vacinação – que não dava qualquer garantia de controlo das infecções e constituiu uma limitação inconstitucional às viagens -, houve uma ligeira recuperação das receitas face a 2020, mas ainda muito abaixo dos anos anteriores à pandemia. Com efeito, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, seriam expectáveis receitas da ordem dos 5 mil milhões de euros, sem pandemia, mas na realidade apenas se recolheram 2,4 mil milhões.

Para estimar as perdas anuais provocadas pelas medidas covid, o cálculo considerou a tendência de crescimento observada entre 2017 e 2019 (taxa de crescimento anual composta de 8%) e também os valores ‘normais’ de 2023 e 2024. Foram então estimados os montantes das receitas se não tivesse havido restrições covid, como as que foram impostas em Portugal, e confrontado com os valores reais.

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Em 2022, as receitas mais que duplicaram face a 2021, mas mesmo assim ficaram aquém em quase 400 milhões de euros face ao cenário expectável se não houvesse restrições e outros efeitos associados à pandemia da covid-19.

Neste cenário, entre 2020 e 2022, as receitas de dormidas turísticas em Portugal deveriam ter atingido cerca de 15 mil milhões de euros, mas, na realidade, ficaram-se pelos 8,9 mil milhões de euros (extrapolando para os 12 meses os valores registados entre Janeiro e Julho nos três anos antes e os dois anos depois da pandemia). Saliente-se que o ano de 2024 está a ser excelente, com uma taxa de crescimento de 11% nos primeiros sete meses do ano face a 2023, sendo expectável que, a manter-se esse desempenho até Dezembro, se alcancem valores próximos dos 6,7 mil milhões de euros.

Em todo o caso, a resiliência deste sector é evidente, tendo-se atingido, no passado mês de Agosto, cerca de 3,8 milhões de hóspedes e 10,5 milhões de dormidas em todo o país, observando-se mesmo um recorde nas dormidas, segundo a estimativa rápida do INE. Em termos de variação, trata-se de crescimentos homólogos de 5,9% e 3,8%, respectivamente e mostram uma aceleração face ao mês anterior (+1,7% e +2,6% em Julho de 2024).

Evolução das receitas por mês, em milhares de euros, na totalidade dos estabelecimentos de alojamento turístico (A), na hotelaria (B),no alojamento local (C) e no turismo rural e de habitação (D). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM)

Por origem, as dormidas de residentes aumentaram 4,6%, depois de terem registado um decréscimo em Julho. Já as dormidas de não residentes, subiram 3,4%, o que corresponde a um abrandamento pelo terceiro mês consecutivo. Segundo o INE, as dormidas de residentes totalizaram 3,6 milhões e as de não residentes totalizaram 6,9 milhões.

Em termos de proveniência dos turistas, o mercado britânico “manteve-se como principal mercado emissor (quota de 17,1%), tendo registado um crescimento de 1,3% em Agosto, seguido da Espanha (peso de 16,3%), que cresceu 4,6%”. Segundo o INE, entre os 10 principais mercados emissores em agosto, destacaram-se os mercados canadiano e norte-americano, com crescimentos de 11,2% e 8,4%, respectivamente.

Assim, se é certo que se registou um recorde nas dormidas turísticas em Portugal e o sector observa crescimento, este aumento de procura segue-se a anos em que o mercado de alojamento para turistas sofreu perdas substanciais.

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No total, de acordo com os dados oficiais mensais do INE, entre 2017 e 2019, as receitas totais dos alojamentos turísticos ascenderam a 11.963 milhões de euros. Entre os anos de 2020 e 2022 o mesmo valor ficou-se pelos 8.790 milhões de euros, uma diferença de 3.173 milhões de euros.

No entanto, os dados do INE estarão ‘viciados’ por não incorporarem alojamentos locais com menos de 10 camas. Segundo um estudo da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) divulgado esta semana no 1º Congresso Nacional da Associação Alojamento Local em Portugal (ALEP), e que foi citado pela imprensa, o peso do alojamento local nas dormidas nacionais ronda os 42%, um valor muito superior aos meros 15% reportados pelo INE.

A ALEP quer, assim, que o INE faça uma revisão e altere a sua metodologia, para passar a reflectir nas estatísticas que divulga a dimensão real do alojamento local no sector das dormidas turísticas. O INE contabiliza, nas suas estatísticas, apenas 11 milhões de dormidas em alojamentos locais em Portugal. Segundo o estudo agora divulgado, ajustando aos dados do Eurostat, as dormidas turísticas em alojamentos locais ascendem a 47 milhões, o que constitui uma fatia significativa dos 113 milhões de dormidas registadas em território nacional. Existe, assim, um ‘gap’ de 36 milhões de dormidas nos dados do INE relativos aos alojamentos locais.


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