Recensão: Seis propostas para o próximo milénio

As (últimas) lições de Calvino

por Elisabete Tavares // Outubro 3, 2024


Categoria: Cultura

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Título

Seis propostas para o próximo milénio

Autor

ITALO CALVINO (Tradução: José Colaço Barreiros)

Editora

Dom Quixote (Abril de 2024)

Cotação

20/20

Recensão

São as últimas 'lições' de um grande escritor. Trata-se dos textos sobre literatura, os rascunhos, que Italo Calvino preparou em 1985, no âmbito de um ciclo de seis conferências que iria apresentar em Harvard, nos Estados Unidos. Antes de partir, teve de ser internado e já não voltou a sair do hospital. 

Lendo o livro, senti que estava a assistir às conferências que Calvino planeava dar. Detive-me na página 79 e numa das suas 'lições': a 'exactidão' na literatura. Só a introdução que faz, antes de 'atacar' o tema, é de nos transportar para Harvard e, cerrando os olhos, conseguimos imaginar o orador a expor a sua posição. "Exatidão para mim quer dizer sobretudo três coisas", escreveu Calvino. A saber: "um projeto da obra bem definido e bem calculado; a evocação de imagens visuais nítidas, incisivas, memoráveis [...]; uma linguagem o mais precisa possível como léxico e na sua capacidade de traduzir as nuances do pensamento e da imaginação".  O parágrafo seguinte é revelador do pensamento do escritor e do seu modo de viver a literatura e a escrita, à luz das exigências da sua 'exatidão'. "A literatura [...] é a Terra Prometida em que a linguagem se torna o que realmente deveria ser." (Mais adiante, contrapõe: "Giacomo Leopardi afirmava que a linguagem é tanto mais poética quanto mais vaga e imprecisa for".)

E o que dizer sobre a 'lição' acerca da 'leveza'? E da homenagem a Cyrano de Bergerac? "É um escritor extraordinário, Cyrano, que mereceria ser mais recordado, e não só como o primeiro verdadeiro precursor da ficção científica, mas pelas suas qualidades intelectuais e poéticas." E ainda: "Cyrano celebra a unidade de todas as coisas, inanimadas ou animadas, a combinação de figuras elementares que determina a variedade das formas vivas, e acima de tudo dá-nos o sentido da precariedade dos processos que as criaram [...]".

Ainda sobre a 'leveza', recorda que Cyrano chegou a "proclamar a fraternidade dos homens com as couves", imaginando o protesto de uma couve prestes a ser cortada. E cita Cyrano: "Homem, meu querido irmão, que te fiz que mereça a morte? [...] Desabrocho, estendendo-te os braços, ofereço-te os meus filhos em semente e, como recompensa da minha delicadeza, cortas-me a cabeça!"

Muito teria ainda por contar, aqui, sobre as 'lições' de Calvino, que abrangem ainda a 'rapidez', a 'multiplicidade', a 'visibilidade' e o 'começar e acabar'. Mas termino aqui, recomendando a leitura deste livro, tenha ou não interesse em literatura, nem que seja pelo prazer de ler Calvino. E, só por isso, já vale a pena. (Os olhos e a carteira, neste caso.)



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