Estátua da Liberdade

Estado & Máfia

Statue of Liberty in New York City under blue and white skies

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Ainda este ano, o actual presidente da Argentina, Javier Milei, afirmou, sem papas na língua, que o Estado é uma Máfia, uma organização criminosa. Porém, permitam-me discordar. Dizer que o Estado é uma Máfia é, no mínimo, subestimar a nobreza do crime organizado. A Máfia tem a decência de nos extorquir e seguir o seu caminho. Um breve e quase civilizado encontro de negócios.

Já o Estado? O Estado vai muito além disso. Rouba-nos com uma voracidade que faria até o mais empedernido mafioso corar de vergonha. Como se isso não bastasse, “oferece-nos” escolas públicas para doutrinar as nossas crianças e jovens, alimentando-os com essa fábula tragicómica de que suas acções visam o “bem comum”.

No Estado do Vaticano, os autoproclamados representantes de Deus passeiam entre nós, mortais, adornados em vestes sumptuosas, lançando-nos promessas de redenção; no entanto, não podemos esquecer-nos das igrejas e dos conventos, grandiosos palcos por onde dão as suas missas e tecem, com esmero, as suas encíclicas. No entanto, permitam-me uma confissão: creio, sim, que Deus de facto existe, mas não necessito desses veneráveis senhores nem dos seus monumentais edifícios para chegar a tal conclusão.

Person in Green Jacket Driving Car

Agora, o tal Estado moderno, essa entidade que nos cerca por todos os lados, é outra questão. Uma verdadeira obra de ficção, apesar dos seus imponentes tribunais, palácios, edifícios e discursos recheados de solenidade. Uma construção colectiva tão inverosímil quanto um romance de terceira categoria.

Reparem, ninguém mais “paga impostos” directamente ao Senhor Montenegro ou ao Senhor Pedro Nuno Santos, como antigamente se pagava ao príncipe, ao monarca ou ao senhor feudal. Não! Agora, todos nós pagamos ao ser mítico conhecido como Portugal. Pergunto: onde estão as provas visuais dessa entidade omnipresente? Alguém viu o Estado em carne e osso? Ou será que, tal como tantos outros mitos, só habita nos nossos pesadelos?

O que temos, na realidade, é um grupo de indivíduos organizados, convenientemente agregados em partidos políticos, que se especializam na nobre arte de assaltar a população para, em seguida, deliberarem como esbanjar o saque a que chamam pomposamente Orçamento de Estado. Outrora, ao menos, havia um rosto a assumir a empreitada: fosse um Califa, um César, um Rei ou um Faraó. Na verdade, era mais honesto.

Convenhamos, roubar em nome de uma entidade imaginária é infinitamente mais confortável do que fazê-lo em nome de uma pessoa de carne e osso. Se víssemos alguém opulento, barrigudo, a tirar-nos o dinheiro para depois gastar em palácios e banquetes, a indignação seria imediata. Mas, quando é uma entidade abstracta, o roubo torna-se surpreendentemente mais palatável. Chama-se a isso “tributar” o rebanho. Tudo em nome de uma quimera.

Este culto ao imaginário Estado assemelha-se muito a um culto religioso: todos se levantam ao som do hino, sabem a letra de cor e entoam-no com fervor. Conhecem a sua história, os seus mártires e os seus heróis. No entanto, poucos compreendem que essa entidade venerada é uma ilusão, um artifício engenhoso criado por uma máfia organizada para nos extorquir com uma facilidade alarmante.

a view of the dome of a building through some trees

A escola pública assume o protagonismo na grandiosa construção do Estado moderno. É lá que somos iniciados nos mistérios da língua oficial, na sua história meticulosamente seleccionada, onde reis e presidentes são catalogados com precisão quase científica entre bons e maus. Os bons, obviamente, são aqueles que alargaram as fronteiras do Estado ou o consolidaram com punho de ferro, enquanto os maus são os infelizes que tiveram a ousadia de manter a paz e evitar a opressão.

Aprendemos, igualmente com a mesma solenidade, que devemos estar prontos a dar a nossa vida por essa dissimulação chamada Estado, aceitando, sem pestanejar, a nobre escravatura do serviço militar, essa forma requintada de servidão voluntária. Em suma, inculcam-nos a virtuosa ideia de que devemos ser saqueados sem resistência, ser fiéis servos, e até entregar as nossas vidas por essa entidade abstracta e distante, enquanto, de maneira conveniente, relegamos a família, a religião e a comunidade — os verdadeiros laços que nos sustentam — para um segundo plano, como meros detalhes insignificantes no altar do sacrossanto Estado.

O que realmente se deveria ensinar às crianças era a verdadeira génese do poder político. A história começa com um grupo de bandidos organizados que desciam os vales para saquear os pobres camponeses, aquelas almas desgraçadas que tinham o único defeito de trabalhar e produzir algo de valor.

Depois do saque, como bons ladrões, fugiam às pressas. Mas um dia, um deles, num lampejo de genialidade, sugeriu: “Por que fugimos? Se colocássemos esses camponeses a trabalhar para nós permanentemente?” Organizados e armados, decretaram: “A partir de hoje, pagareis 10% do que produzis”. Os bandidos passaram então a desfrutar de banquetes, de palácios e das melhores mulheres. Ainda não era um governo, mas atirara-se a primeira pedra.

a sign that says pay your tax now here

Com o passar do tempo, essa simpática extorsão começou a revelar-se trabalhosa. Manter os camponeses obedientes era um esforço, uma verdadeira canseira; pior, sempre havia o risco de uma revolução — poderiam matar os nobres bandidos! Que horror! Foi então que surgiu a brilhante ideia: criar um aparato ideológico. Poetas, filósofos, escritores, trovadores e arquitectos, todos dedicados a justificar o poder. Ou, se a coisa ficasse mais sofisticada, até uma casta sacerdotal, como na Roma Antiga, para dar aquele toque divino à opressão. O Estado deixara de ser apenas um assalto institucionalizado e transformou-se numa verdadeira obra de arte, onde o poder se justificava pelo divino.

O verdadeiro salto surgiu com a fábula do “pacto social”. De acordo com essa fantasia, em algum momento da história, o “povo” decidiu, numa epifania colectiva, ceder a sua soberania a uma entidade superior, composta por todos nós – o mítico “povo” – que, por sua vez, teria a missão nobre de proteger a nossa propriedade privada, as nossas vidas, e outras causas sublimes.

Esse pacto, como é óbvio, nunca aconteceu. Ninguém o assinou, ninguém jamais se comprometeu com tal acordo. Quando se firma um pacto, há duas partes e um juiz imparcial para arbitrar os conflitos, e, acima de tudo, a possibilidade de revogá-lo pela vontade das partes envolvidas. Mas aqui, que curioso!, ninguém até hoje conseguiu descobrir esse tal mítico “pacto”.

Depois, para apimentar ainda mais a ficção, surgiram os economistas a emprestar um verniz “científico” à coisa. A moderna “ciência”! Economistas, como Paul Samuelson, Richard Musgrave, Francis Bator – todos empenhados em usar fórmulas e teorias para dar ao Estado um ar de legitimidade. Agora não temos apenas um pacto social imaginário, mas também uma “justificação científica”! Até as Universidades se tornaram em agentes de propaganda e manipulação: as falhas de mercado, os bens públicos, as externalidades… tudo muito bem elaborado, mas sempre com o mesmo fim: legitimar a velha extorsão do rebanho. A intervenção do Estado, vejam só, passou a ser algo justificado pela “ciência”.

Paul Samuelson (1915-2009)

Montou-se assim um aparato completo, sustentado pela propaganda e pela coerção do indivíduo. O cidadão, coitado, é forçado a aceitar polícias e fiscais em cada esquina, reguladores e supervisores que o impedem de abrir um negócio, e, caso ele ouse ter sucesso, a aterrorizarem-no durante o percurso. Tudo isso, claro, em nome da sacrossanta necessidade científica de que tal intervenção é imprescindível!

Mas voltemos ao básico: os saqueadores do vale são os mesmos de sempre, apenas trocaram os porretes por uma maquinaria de coerção nunca antes vista.

Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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