Francisco Pedro Balsemão propunha negócio em área adjacente à sede do grupo de media

Estranhos negócios: Impresa queria que Isaltino vendesse terrenos municipais ao Novo Banco

por Elisabete Tavares // Outubro 3, 2024


Categoria: Imprensa, Exame

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A Impresa, o grupo de media fundado por Pinto Balsemão, tentou convencer o presidente da Câmara Municipal de Oeiras a vender-lhe um terreno municipal adjacente às suas instalações, em Paço d’Arcos. Mas, numa carta enviada a Isaltino Morais, a dona do Expresso propunha que a compra fosse feita pelo Novo Banco e só depois o imóvel passaria para o nome da Impresa. O conteúdo da carta mostra a forte ligação entre a Impresa e o Novo Banco e o ‘à-vontade’ que Francisco Pedro Balsemão tinha para propor um investimento em nome do banco. A autarquia indicou ao PÁGINA UM que não vendeu o terreno em questão nem à Impresa nem ao Novo Banco, tendo acabado por o incluir num lote que foi a hasta pública no final de 2023, ficando nas mãos de uma outra empresa, a Índicegeneroso.


A Impresa tentou persuadir a Câmara Municipal de Oeiras a vender-lhe um terreno adjacente às suas instalações, em Paço d’Arcos, onde se situa o seu edifício-sede e também a SIC e o jornal Expresso. Mas a autarquia indicou que preferia vender o terreno em causa ao efectivo dono da sede da Impresa, que era o Novo Banco. Assim, Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, tentou negociar a compra do imóvel em nome do banco, para posterior transferência de propriedade para o grupo de media.

Numa carta assinada pelo CEO do grupo de media, datada de 22 de Setembro de 2020, a Impresa tentou convencer Isaltino a vender o terreno ao Novo Banco, actuando como intermediário no negócio. Na proposta da Impresa, o Novo Banco compraria o terreno, com uma área de aproximadamente 2.000 metros quadrados e potencial construtivo de 800 metros quadrados, ficando garantido que a Impresa iria acabar por ficar dona do imóvel posteriormente.


Isaltino Morais na inauguração das novas instalações da SIC, no mesmo local onde se situa o edifício-sede da Impresa, em Paço d’Arcos. A Impresa tentou convencer Oeiras a vender-lhe um terreno adjacente, o qual seria comprado pelo Novo Banco, para posterior transmissão à Impresa. Foto: D.R.

A carta foi enviada na sequência dos contactos mantidos e comunicações trocadas com a autarquia relativamente à aquisição do terreno e “no seguimento da manifestação por parte da Câmara Municipal de Oeiras da necessidade de clarificação adicional relativamente à relação entre o Novo Banco, S.A., instituição financeira actual proprietária do Edifício Impresa e o Grupo Impresa”, como se lê na missiva a que o PÁGINA UM teve acesso.

Recorde-se que o Novo Banco comprou o edifício-sede da Impresa ao grupo de media por 24,2 milhões de euros em Junho de 2018 através de uma operação de ‘sale & leaseback‘, ficando a Impresa como locatária do imóvel por 10 anos e com uma opção de compra sobre o mesmo no final do contrato. O banco vendeu, posteriormente o edifício à Impresa, no final de 2022, num discreto e estranho negócio como noticiou o PÁGINA UM na sua última edição.

Segundo a carta, a Câmara de Oeiras “indicou que apenas poderá vender o referido terreno ao proprietário do imóvel contíguo – mais concretamente o imóvel onde se encontra o edifício” que era então “propriedade do Novo Banco”.

A Impresa propôs comprar um terreno adjacente às suas instalações (assinalado a vermelho no mapa), através de uma operação envolvendo o Novo Banco. A Câmara Municipal de Oeiras indicou que vendeu o terreno em questão em hasta pública, inserido num lote, à empresa Índicegeneroso, Lda. Foto: D.R.

“A opção de compra a exercer no final do contrato de locação financeira” existente com o Novo Banco não foi, “segundo os critérios da Câmara Municipal de Oeiras, suficiente para demonstrar um verdadeiro interesse público de aquisição por parte do Grupo Impresa do edifício e, posteriormente, do terreno”. Assim, o grupo de media apresentou a Isaltino Morais uma proposta “tendente à aquisição no futuro do edifício e do terreno por parte do grupo Impresa”.

Em concreto, propunha que “o grupo Impresa exerceria desde já (ainda que com efeitos no futuro) a opção de compra do edifício, transformando a opção de compra decorrente do contrato de locação financeira num verdadeiro compromisso do Grupo Impresa, comprometendo-se a obter do Novo Banco a respetiva anuência ao exercício da opção de compra, no pressuposto do cumprimento integral do contrato”.

Depois, “o Novo Banco S.A., enquanto proprietário do imóvel contíguo e em momento seguinte ao indicado (…), adquiriria o terreno à Câmara Municipal de Oeiras, tomando-se assim proprietário de ambos os imóveis (edifício e terreno)”. Balsemão propunha ainda que “imediatamente após a aquisição do terreno por parte do Novo Banco, S.A., este celebraria com o grupo Impresa um contrato de locação financeira sobre o mesmo e, em momento imediatamente a seguir, o grupo Impresa exerceria desde logo (ainda que com efeitos futuros) a opção de compra do terreno”.

Carta enviada pelo CEO da Impresa a Isaltino Morais a propor que o Novo Banco comprasse o terreno municipal adjacente às instalações do grupo de media, onde se situam a sua sede bem como a SIC e o Expresso. Foto: D.R.

Para o grupo de media, “ficaria assim estabelecida a obrigação por parte do grupo Impresa de adquirir no futuro, ao Novo Banco, tanto o edifício como o terreno”. No futuro, “o grupo Impresa celebraria as respetivas escrituras de compra e venda tornando-se assim no proprietário dos imóveis (edifício e terreno)”. No final, “proceder-se-ia à anexação do terreno ao imóvel onde se situa o edifício, transformando-se ambos num só imóvel”.

Questionada sobre o desfecho destas negociações, a Câmara de Oeiras esclareceu ao PÁGINA UM que “o terreno em questão não foi alienado ao Novo Banco nem à Impresa, tendo sido integrado na área vendida em hasta pública, realizada no dia 19 de setembro de 2023 e adjudicada a venda pelo preço base – doze milhões seiscentos e noventa mil euros – ao único licitador presente na sessão, a empresa Índicegeneroso, Ld.ª, tendo sido realizada escritura pública de venda a 9 de fevereiro de 2024”.  

Segundo o Município, “a decisão de vender o lote de terreno de 20.015,00 m² para construção em hasta pública, bem como dos seus aspetos essenciais, foi aprovada em reunião de Câmara e de Assembleia Municipal, no âmbito da estratégia de gestão e valorização do património municipal para investimento em Ação Social, nomeadamente construir mais habitação municipal pública a custos controlados”.

Em 2018, além de comprar o edifício-sede da Impresa por 24,2 milhões de euros, António Ramalho (à esquerda) e, então presidente-executivo do Novo Banco, financiou a compra das revistas do grupo de Balsemão pela Trust in News, de Luís Delgado. Além disso, no mesmo ano, pagou por uma ‘parceria comercial’ que deu origem a notícias no Expresso e na SIC Notícias e que incluiu eventos públicos com a presença de Ramalho, que foram transmitidos ao vivo, como o da foto, que foi moderado por José Gomes Ferreira.

De acordo com a informação pública existente no portal oficial que agrega publicações de actos societários, a empresa Índicegeneroso, inicialmente pertencente a Wenpeng Zhang e à esposa, Xiaoqing Lin, é agora detida maioritariamente pelo Transcend Development Group, de uma empresa unipessoal de Carmélia Chiang. É também detida minoritariamente pela Soma Future Investments, pertencente a uma empresa da Singapura.

O conteúdo da carta demonstra o à-vontade da Impresa com o Novo Banco, que é comprovado com o facto de o grupo de media fazer à autarquia de Oeiras uma proposta comercial em nome da instituição que era liderada na altura por António Ramalho.

As relações de proximidade entre a Impresa e o Novo Banco desenharam-se em 2018, quando o banco comprou o edifício-sede do grupo dono do Expresso por 24,2 milhões de euros, através de uma operação de ‘sale e leaseback‘. Isto apesar de a ‘ordem’ na banca ser para vender carteiras de imóveis e do facto de o banco estar a receber injecções estatais através do Fundo de Resolução, para ‘tapar’ os buracos de créditos e negócios tóxicos do tempo do Banco Espírito Santo, que foi alvo de resolução em 2014.

No mesmo ano, foi o Novo Banco que emprestou ao comentador e empresário Luís Delgado o capital para comprar o portfólio de revistas da Impresa, incluindo a Visão e a Exame. Isto apesar de a empresa unipessoal de Delgado, Trust in News, deter um capital social de apenas 10.000 euros.

Questionado, o Novo Banco escusou-se a responder ao tema em torno deste terreno. Já anteriormente, da parte do banco, só o Fundo de Resolução, seu accionista minoritário, se mostrou disponível para responder a questões, tendo descartado responsabilidades nos negócios entre o banco e a Impresa. O grupo de media tem remetido para os seus relatórios e contas os esclarecimentos sobre os negócios relacionados com o seu edifício-sede e sobre a venda das revistas à Trust in News, tendo aliás, neste caso, assumido um ‘calote’ milionário de Luís Delgado. Quanto a António Ramalho, não se mostrou disponível para responder a questões sobre os contornos da compra da sede da Impresa.

Em 2018, o então presidente-executivo do Novo Banco, António Ramalho, surgiu em notícias e eventos relacionados com Francisco Balsemão e títulos do grupo Impresa, designadamente na sequência de um contrato comercial feito pelo Novo Banco com o Expresso e a SIC Notícias.

Certo é que, ainda em 2018, o Novo Banco fez uma ‘parceria comercial’ com o Expresso e a SIC Notícias que incluiu diversos eventos públicos transmitidos ao vivo, com a participação de António Ramalho, (como o da foto, que teve moderação do jornalista José Gomes Ferreira) e que foram promovidos nos canais de comunicação institucional do banco e noticiados no jornal e na estação de televisão da Impresa.

No mesmo ano, em Novembro, António Ramalho, foi apontado como um dos escolhidos por Francisco Balsemão para integrar o restrito grupo de fundadores de um novo clube, apelidado como a versão portuguesa do secreto grupo Bilderberg, segundo noticiou o Público.

Já depois da saída de Ramalho da liderança do banco, o edifício-sede da Impresa voltou para as mãos do grupo dono do Expresso, num negócio discreto efectuado no final de 2022, como o PÁGINA UM noticiou na sua última edição. Mas, neste negócio, não só o Novo Banco financiou a compra do edifício pela Impresa, como a escritura foi feita com base num valor abaixo do da compra do imóvel pelo banco, em 2018.

Quanto ao empréstimo a Luís Delgado, tornou-se em mais um dos créditos tóxicos do Novo Banco. A Trust in News aguarda a aprovação de um Processo Especial de Revitalização (PER) para evitar a insolvência e o Novo Banco é um dos credores que reclama créditos e arrisca perder 3,6 milhões de euros.

No final, apesar de o Novo Banco ter sido criado para supostamente ficar com os activos ‘bons’ do BES, manteve algumas práticas do banco de Ricardo Salgado, designadamente fazendo empréstimos de alto risco a empresários com ligações próximas com partidos e com políticos e, no caso da Trust in News, praticamente sem garantias seguras.


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