Título
Holocaustos
Autor
GILLES KEPEL (tradução: Luís Filipe Pontes)
Editora
Dom Quixote (Julho de 2024)
Cotação
16/20
Recensão
A análise de um tema complexo do quotidiano – excluindo assim visão distante do historiador – varia significativamente conforme o meio utilizado, cada um oferecendo diferentes níveis de profundidade e tempos de abordagem. As notícias diárias de um jornal, por exemplo, oferecem-nos informações ‘frescas’ e imediatas sobre eventos atuais, mas com uma profundidade superficial, focando os factos essenciais devido à necessidade de atualidade. Por outro lado, uma reportagem longa numa revista mensal proporciona um espaço maior para investigação, permitindo uma visão mais detalhada e contextualizada, embora ainda limitada pela extensão e pelo público-alvo.
Os documentários, por sua vez, podem exigir semanas ou meses de produção, concedem uma análise ‘conduzida’ por imagens, entrevistas e uma narrativa envolventes.
Em contraste, um livro, dependendo do autor e do tema, oferece, geralmente, uma exploração abrangente e crítica, permitindo captar a complexidade de um determinado assunto com uma profundidade que os outros ‘géneros’ não alcançam. Mas um livro, tal como também um documentário, corre um elevado risco de desactualização em assuntos de grande ‘dinamismo’ ainda não concluído.
É esse o caso de ‘Holocaustos’, uma interessantíssima obra de Gilles Kepel, um reconhecido cientista político e arabista francês, especializado no Médio Oriente contemporâneo e antigo director do Programa Oriente Médio e Mediterrâneo da Université Paris Sciences et Lettres. Publicado em finais de Março deste ano em França, e logo traduzido em Julho para português, pela Dom Quixote, este livro debruça-se sobretudo sobre os acontecimentos posteriores ao ataque do Hamas a Israel em 7 de Outubro do ano passado, contextualizando-se, de forma excelente (com mapas bastante elucidativos, nas suas diversas ramificações, incluindo fora da região de Israel e Palestina, nomeadamente nos países muçulmanos adjacentes, e não apenas no Líbano ou Irão, e também na Turquia, no eixo China-Moscovo e, claro, nos Estados Unidos.
E, por esse motivo, a análise de Gilles Kepel, embora não falhe absolutamente nada naquilo que este conflito se está a tornar – uma guerra (quase) global, não apenas bélica mas de valores –, começa a torna-se desactualizada por, entretanto, terem saído de cena, inopinadamente ou não, alguns dos ‘protagonistas’, como são o caso de Joe Biden, que já não será o candidato democrata às eleições presidenciais norte-americanas, e de Hassab Nasrallah, o líder do Hezbollah, morto no passado dia 27 de Setembro em Beirute num ataque israelita.
Independentemente destes ‘percalços’ dos acontecimentos, esta obra de Gilles Kepel ajuda bastante a compreender o que está, e estará, em jogo, incluindo o misticismo religioso, e sobretudo abre portas sobre o papel dos Estados Unidos na maior radicalização da posição israelita em torno de uma narrativa nacional fundamentalista e belicista. Mesmo com Kamala Harris agora em jogo, o cientista político francês não tem dúvidas em concluir que Benjamin Netanyahu estará a torcer por uma vitória de Donald Trump, o que revela que ‘isto’ vai, infelizmente, continuar nos próximos meses, não sendo de admirar porque não pára há mais de sete décadas.