Governo mantém silêncio sobre desleixo na gestão financeira da responsabilidade de Miguel Pinto Luz

Nova SBE: Fundação Alfredo de Sousa ‘falsifica’ data de aprovação de relatório para não perder estatuto de utilidade pública

por Pedro Almeida Vieira // Outubro 3, 2024


Categoria: Exame

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A lei determina que perdem o estatuto de utilidade pública as entidades beneficiárias que incumpram os prazos de envio dos relatórios e contas para a Presidência do Conselho de Ministros em dois anos consecutivos. Seria o caso da Fundação Alfredo de Sousa, dona dos edifícios do campus de Carcavelos da Nova SBE, que foi presidida por Miguel Pinto Luz até Março passado. Numa tentativa de ‘iludir’, a fundação fez aprovar os dois relatórios e contas no último mês, depois das revelações do PÁGINA UM, fazendo crer que os documentos foram aprovados em Abril. Só que o ‘gato’ ficou com o ‘rabo de fora’: a certificação legal das contas e o parecer do fiscal único, da responsabilidade de uma sociedade de revisores, é de 6 de Setembro, confirmando assim uma “violação reiterada”da Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública. Apesar da evidente ilegalidade, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Paulo Lopes Marcelo, continua sem dizer se vai revogar o estatuto de utilidade pública de uma entidade que foi presidida até Março pelo actual ministro das Infra-estruturas.


A Fundação Alfredo de Sousa – uma entidade com fundos públicos e privados, que gere o campus de Carcavelos da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) – terá artificiosamente antecipado a data formal de aprovação dos relatórios e contas de 2022 e de 2023 numa vã tentativa de manter o estatuto de utilidade pública. Esta entidade – que foi presidida até Março de 2024 pelo actual ministro da Infraestruturas, Miguel Pinto Luz – está em forte risco, se o Governo aplicar os normativos legais, de perder o estatuto de utilidade pública por “violação reiterada” da Lei-Quadro, uma vez que não enviou atempadamente, em dois anos consecutivos, informação relevantes sobre a sua gestão financeira.

Recorde-se que, conforme revelou o PÁGINA UM em Agosto passado, a fundação baptizada em homenagem ao primeiro reitor da UNL tem acumulado prejuízos crónicos, que, na hora da sua entrada no Governo de Pinto Luz, se aproximavam já dos 9 milhões de euros. Acrescia a isso o atraso na aprovação das contas de 2022, que nunca ocorreu em 2023, ainda com Pinto Luz como presidente, algo que se veio a repetir com as contas do exercício do ano seguinte, que somente no passado mês terão visto a ‘luz do dia’, já depois das primeiras notícias do PÁGINA UM sobre a Fundação Alfredo de Sousa.

Nos documentos recentemente colocados no site desta entidade, constam agora, como data da assinatura dos dois relatórios e contas – atestados com a assinatura de todos os administradores – os dias 22 e 29 de Abril deste ano, mas essas não podem ter sido, legalmente, as datas da aprovação. Por duas razões. Por um lado, há cerca de dois meses, os serviços da Nova SBE tinham enviado ao PÁGINA UM os relatórios e contas provisórios de 2022 e de 2023, uma vez que continham apenas cinco das oito assinaturas dos administradores e não integravam ainda qualquer a certificação legal de contas (CLC), também exigida às fundações de maior dimensão.

Por outro, a CLC às demonstrações financeiras de 2022 e de 2023, bem como os dois pareceres do fiscal único, que agora já surgem no site (e que podem ser consultados aqui e aqui), têm a data de 6 de Setembro de 2024, sendo da responsabilidade da sociedade de revisores Macedo, Caldas & Bento.

Ou seja, a Fundação Alfredo de Sousa só teve assim condições para considerar as contas aprovadas a partir dessa data. E também só depois dessa data poderia enviar os relatórios e contas para a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (SGPCM), mas já em clara violação dos prazos legais, suceptível de lhe ser revogado o estatuto de utilidade pública..

Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021.

Com efeito, de acordo com a Lei-Quadro, para ser mantido o estatuto de utilidade pública – que, além de constituir um factor de marketing relevante, concede diversos benefícios fiscais e tarifários, bem como um regime especial ao abrigo do Código das Expropriações –, as entidades que o recebem têm de comunicar à SGPCM o relatório e contas anual e o relatório de actividades, bem como publicitar a lista dos titulares dos órgãos sociais em funções, com indicação do início e do termo dos respectivos mandatos. O prazo para comunicação obrigatória dos relatórios é de “seis meses a contar da data do encerramento desse exercício”, devendo estes também estar disponíveis ao público em geral.

Ora, como a administração desta fundação só teve contas de 2022 e de 2023 formalmente aprovadas agora em Setembro de 2024, a aplicação da lei determina, sem apelo nem agravo, a perda do estatuto de utilidade pública. A Lei-Quadro é taxativa ao considerar que constitui fundamento susceptível de determinar a revogação “o incumprimento, em dois anos seguidos ou três interpolados, dentro do período total de validade do estatuto de utilidade pública” dos deveres, entre outros, da comunicação dos relatórios com as demonstrações financeiras e de actividades. Após a aplicação deste ‘castigo’, que teria de ser sancionado pela Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, a Fundação Alfredo de Sousa apenas poderia requerer novamente a atribuição do estatuto de utilidade pública “passados cinco anos da decisão de revogação”.

Perante a evidente violação da Lei-Quadro, o PÁGINA UM questionou em 14 de Agosto passado o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Paulo Lopes Marcelo, sobre se iria diligenciar no sentido da revogação da utilidade pública da Fundação Alfredo de Sousa, apesar de esta contar como fundadores uma universidade pública (Universidade Nova de Lisboa), a autarquia de Cascais, o Banco Santander, a Jerónimo Martins e a Arica. Não se obteve qualquer reacção.

Paulo Lopes Marcelo a cumprimentar o Presidente da República na tomada de posse: o silêncio do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros é revelador sobre o incómodo em se aplicar uma lei que castigaria o desleixo da gestão de uma fundação presidida por Miguel Pinti Luz.

Apesar de tudo isto, fonte oficial da Nova SBE garantiu ao PÁGINA UM que as contas foram aprovadas em Abril, e apenas houve atraso na recolha das assinaturas de alguns administradores, acrescentando que houve um parecer prévio, em Abril, do Conselho de Curadores, cujo presidente, o actual reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sáàgua, se demitiu em Janeiro.  

Aliás, embora sem qualquer referência no seu site, e contrariando também a Lei-Quadro das Fundações, a cadeira da presidência da instituição que gere o campus de Carcavelos terá sido entretanto ocupada, segundo fonte oficial da Nova SBE, por Rui Diniz, um anterior vogal. Contudo, a nomeação deste economista, que é o CEO da CUF – Hospitais e Clínicas, terá sido feita de forma tão discreta que nem sequer se encontra qualquer referência na imprensa nem qualquer comunicado oficial tanto da Nova SBE como da própria fundação. O PÁGINA UM vai solicitar as actas das diversas reuniões da Fundação Alfredo de Sousa.


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