O youtuber mexicano
A Mónica Filipa apaixonou-se por um youtuber que difundia vídeos em que achava que provava que a terra era plana.
Para ela, a terra não era plana, as mentiras e conspirações governamentais não podiam ter chegado tão longe. Se a terra fosse plana, tínhamos sido todo o tempo redondamente enganados e isso era impossível. Se a terra não fosse um berlinde então tudo o resto que nos contaram e ensinaram do mundo podia ser mentira.
Mas o seu coração palpitava sempre que via o youtuber mexicano. Conseguiu até entrar no seu chat e agendar uma conversa supostamente romântica através de vídeochamada.
A Mónica Filipa falava bem espanhol, tinha passado uns anos em Maiorca a trabalhar em discotecas e era, desde aí, louca pelas dobragens de filmes em espanhol, tendo aprendido a língua com facilidade. Mas a característica que melhor a identificava era a sua paixão pela cultura mexicana e por homens latinos, sobretudo mexicanos. Tinha até um poster do Marlon Brando, a fazer de Zapata, na sua casa de banho e o seu cão chamava-se Cancún.
O dia da videochamada chegou. Estava nervosa e vestiu o seu top preferido.
Eis a conversa que tiveram, traduzida para português.
– Olá! Estava ansioso para falar contigo.
Disse o terraplanista mexicano.
– Olá. Eu também.
Respondeu ela meio nervosa e pouco segura.
– Não conheço Portugal, mas dizem que é um país muito bonito.
– E eu não conheço o México.
– Acredito. Mas sabes que nem o México nem Portugal são o que dizem.
Atacou o youtuber sem contemplações. Era mais forte que ele.
– Como assim?
– Sabes bem que a geometria do mundo como nos contam é uma falácia. Nesse sentido nem o México nem o teu país são como nos dizem. Por isso é normal não conheceres o México nem eu Portugal na sua integridade.
– Quer dizer…
A Mónica Filipa não esperava o tiro à queima-roupa tão cedo, embora soubesse que ele mais tarde ou mais cedo ía aparecer.
O youtuber continuou:
– Já expliquei e provei isso nos meus vídeos sobretudo nas lives.
– Então porque é que aí agora é noite e aqui é dia?
Arriscou a miúda.
– Vê o vídeo em que entrevisto o Gutierrez e percebes logo.
– O Boliviano?
– Sim. Ele explica tudo melhor que eu, tenho de admitir. E prova-o sem muita dificuldade se estiveres atenta e fores livre de preconceitos. É um génio do terraplanismo boliviano e mesmo mundial. Ganhou credibilidade no último encontro terraplanista de Barcelona.
– Eu vi-o já a conselho teu. Mas dou mais atenção a ti. Aos teus gestos, gosto da tua maneira de falar, do teu sorriso. Muitas vezes não estou a ouvir exactamente o que dizes. A mim pouco me importa que a terra tenha a forma que tiver. Um algoritmo levou-me até ao teu mundo e eu gostei de ti.
– Isso é lindo. Mas a terra é plana. Prefiro que saibas com toda a certeza que a terra é plana a que me aches o máximo.
Preferia ser o Frankenstein e a terra ser plana, que o Brad Pitt e a terra ser redonda. Percebes?
Jamais daria um beijo a alguém que achasse que a terra é uma bola de basket. Vomitava logo.
E a ligação caiu.
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Ruy Otero
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