Fique culto neste Verão

A nossa última homenagem a tudo o que ninguém sabia que Darwin disse

por Clara Pinto Correia // Outubro 17, 2024


Categoria: Opinião

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Quando admiro os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali estabeleceste, pergunto: Que é o homem para que com ele te importes? E o filho de Adão para que venhas visitá-lo? Tu o fizeste um pouco menor do que os anjos e o coroaste de glória e de honra.

Salmos 8: 3-5 (Salmo Messiânico de David)


Ficou culto neste Verão?

(isso é o que vamos ver)

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Este ensaio final, a despedir-se dos leitores numa noite de chuva que desaba sobre nós já em pleno Outono, foi despoletado por um filme lindíssimo, de uma complexidade espantosa, que nos recorda uma vez mais quantos homens diferentes coexistem ainda hoje no planeta. É impossível não olhar logo para trás e recordar a quantidade riquíssima de homens diferentes que conviveram connosco no planeta há já muito tempo. É impossível não sorrir perante a evidência de quanto gosta o pessoal de trocar genes. Mas vamos com calma, que o território evolutivo é sempre um terreno minado. O Comandante Fitzroy, com quem Darwin jantou todas as noites durante os cinco anos da viagem do BEAGLE, acabou por perder completamente a cabeça. Foi visto no primeiro grande debate evolutivo de Inglaterra[1] a brandir uma Bíblia, gritando “O Livro! O Livro!”. Cinco anos mais tarde, suicidou-se com um tiro na cabeça. O próprio Darwin, por muito que tenha mantido sempre a compostura, acabou por morrer consumido por uma depressão tão penetrante que o levou a desistir de fazer a barba.

Depois não digam que não vos avisei.


Com esta idade provecta, os acasos totais das afinidades electivas ainda me comovem. Há pouco mais de um ano, ainda nem sequer conhecia o Nuno Gomes, o homem que é agora o meu editor, que é biólogo como eu, e que tem entre as suas várias teimosias grandiosas, próprias dos gajos do Porto, editar em português perfeito a obra completa de Charles Darwin. Conhecemo-nos exactamente por causa destas crónicas, que levaram o Nuno a pedir-me um prefácio para um livro francês interessantíssimo sobre as mulheres pré-históricas. Agora, graças a ele, acabo de descobrir que vivemos, realmente, numa era milagrosa[2]: depois de décadas inteiras de autêntica saudade, acabo do descobrir que basta ir ao YouTube e está feito: já posso voltar a ouvir a música do filme russo URGA, realizado por Nikita Mikhalkov e levantado do chão por uma banda sonora inacreditável do compositor Eduard Artemyev, de quem as bestas como nós[3] podem nunca ter ouvido falar mas que há de ter sido, sem sombra de dúvida, uma pessoa tocada pela graça. Este homem raro morreu há dois anos e ninguém disse nada porque ninguém consegue lidar devidamente com as coisas que são demasiado belas. A música de abertura, que é de cortar o fôlego, tem várias variações ao longo do filme. Passei hoje a tarde a ouvi-las a todas, e fenómenos destes raramente nos acontecem: não sei – mesmo – dizer qual das variações é a mais bonita.

São destes pequenos mistérios pessoais que toda a gente tem para celebrar.

Mas quer dizer…

O Nuno?

Um gajo do Porto?

Substancialmente mais novo do que eu?

Também conhece o filme e também delira com a banda sonora[4]?

Ah, carago, como eles dizem. Vamos celebrar.

Graças às explorações do universo darwiniano investidas na composição destes ensaios, sempre gostava de saber quem é que sabe que ainda não sabemos, e provavelmente nunca saberemos, por que é que o Homo sapiens foi a única variação de hominídeo que sobreviveu até aos nossos dias. Os apontamentos de Darwin logo na viagem do Beagle não podiam estar mais correctos. Uma multitude de Homos, todos eles vindos de África, precederam a nossa existência. Alguns chegaram a viver no planeta juntamente connosco. Desses, os neandertais juntaram-se tão estreitamente a nós que de 2 a 4 do nosso ADN é feito do ADN deles. O que quer dizer que nunca morreram. Ficaram a viver para sempre dentro de nós, e nisso foram-nos muito úteis.

Tudo isto começou a acontecer desde o aparecimento em África dos primeiros Australopitecos, dos segundos, dos terceiros – e depois das duas ondas consecutivas de expansão para outros continentes de espécies separadas que já pertenciam ao género Homo. Danados e curiosos desde os seus primeiros dias, os Homo andaram a migrar para cá e para lá entre a África e o mundo numa amostragem cheia de nomes esquecidos pelos manuais escolares[5]: o Homo habilis, o Homo afarensis, o misteroso Homo denisovan, e o Homo heidelbergensis (que ainda conviveu connosco mas acabou assimilado pelos neandertais). Mais tarde, algures entre apenas quarenta ou trinta mil anos atrás, ainda coexistiam no planeta três espécies humanas: o Homo neanderthalensis[6] na Europa, o Homo erectus na Ásia[7], e o Homo sapiens em expansão constante.

Ou seja, até há muito pouco tempo nós não éramos, de maneira nenhuma, os únicos homens do mundo. E, depois de toda a poeirada levantada pela turbulência criada em torno do conceito evolutivo começar a assentar[8], ainda estoira a euforia que correu a ciência em 2010, quando a literatura especializada foi sacudida pelas publicações dos primeiros resultados do projecto genoma neandertal.

Tinha de ser.

Decifrado todo o genoma humano no ano 2000, e na altura já bem conhecida a partilha de territórios e tempos históricos entre as duas espécies[9], ninguém descansava enquanto não decifrasse também o genoma neandertal e verificasse cientificamente, com todo o rigor, quem é que tinha trocado genes com quem.

Os neandertais viveram de 230000 até há 30000 anos atrás. Eram homens com uma força brutal, muito superior à nossa. O primeiro espécime foi encontrado na Alemanha, no vale do rio Neander, em 1856, por operários que trabalhavam numa fábrica perto de Dusseldorf. Daí o nome atribuído à espécie, que de entrada parece sempre bizarro.

O genoma neandertal ficou sequenciado na totalidade em 2010.

A descoberta foi publicada separadamente por diferentes grupos, em diferentes datas[10], e expôs em toda a linha os primeiros vestígios, há muito pressentidos, mas ainda nunca demonstrados, de que a nossa troca de genes com os neandertais foi constante e animada[11]. É graças à herança neandertal que ficou connosco que herdámos luxúrias como o cabelo ruivo, sempre acompanhado por uma pele muito branca. Ou então o gene que possibilita e controla a linguagem articulada. Para não falar dos conjuntos de genes destinados a proteger-nos das depressões[12]. Os neandertais ainda existiam na Península Ibérica há 27 mil anos e este deve ter sido o seu último ponto de vida. Mais especificamente, Portugal deve ter sido o seu último enclave. Não é bem que dá-se um pontapé numa pedra e salta de lá um neandertal, mas é quase: os vestígios aparecem em gruta atrás de gruta, e chegamos a albegar sítios raros, como por exemplo um local ritualizado para enterro de dezenas de homens, exclusivamente os que morreram durante a juventude.

E esta, apreciem bem esta e vejam bem o ponto a que coisa já tinha chegado:

Uma criança encontrada em Leiria tem traços conjuntos de sapiens e neanderthal.

A próxima vou pôr em grande destaque:

Um crânio humano fossilizado vem à superfície ainda com dois dentes. Os dentes têm marcas de bactérias neandertais. Isto costuma acontecer quando se troca um beijo demorado.

Desculpem, mas não resisti. É grandioso, isto – quando a Ciência confirma o Amor.

Hoje é obviamente apenas um caso singular, sem leitura geral possível, existirmos enquanto espécie única.

E, se temos em nós toda esta variedade de criação cultural tão diferente, e ao mesmo tempo tão idêntica, devemo-la sem dúvida a um passado conjunto que vivemos com outras espécies do nosso género. URGA, um filme tão bizarro e ao mesmo tempo tão comovente desde o início, é um testemunho sublime dessas outras memórias, tão alheias e tão idênticas.

Vi o filme há pouco mais de trinta anos, quando estava estacionada no Massachussets a trabalhar no projecto de clonagem da University of Massachusets. É realmente em tudo diferente dos nossos, incluindo na lentidão do ritmo, nas línguas que as pessoas falam, no que é que se entende por “uma universitária” (se calhar aquela mulher fez mesmo um curso de Economia, ou então de Matemática; mas o que nós a vemos fazer é saltar para cima do cavalo com a sua urga e, completamente sozinha, reunir sem esforço, com grande velocidade e numa pose feroz, uma manada enorme de vacas tresmalhadas), ou na visão constante, profundamente sufocante, das máscaras enormes com uma rede à frente que todas as pessoas precisam de usar sempre que estão ao ar livre, para se protegerem das moscas, dos mosquitos, das varejeiras, dos abelhões, e mais de todos os outros milhares de insectos que pululam na estepe, que dariam certamente com a pessoa em doida – e da sensação que essas máscaras nos dão, sempre que estamos a ver uma cena ao ar livre durante o dia, de assistirmos a cenas estranhas de ficção científica muito antiga.

Doida, e talvez morta. Podia perfeitamente ser alérgica à ferroada de qualquer um daqueles bichos, e onde vivem os mongóis, para lá do deserto de Gobi que é o maior deserto do mundo, não vivem muito mais pessoas. O apoio médico que existe demoraria demasiado tempo a chegar na eventualidade de um choque anafilático. Como os atacantes são milhares deles, será sempre muito difícil para os camponeses e cavaleiros identificar o inimigo específico que só não o matou porque Deus não quis. Este tipo de projecto seria interessantíssimo para doutoramentos de médicos, ou de biólogos e farmacêuticos, mas a ideia de viver na estepe durante dois anos, ou mesmo um ano – até um semestre que seja parece uma violência a todos os títulos desnecessária, em condições precárias como estas.

E não temos o direito de dizer mal destes investigadores renitentes, porque, naquela altura, sujeitos àquelas tais condições, na maior parte dos casos incapazes de falar a língua dos mongóis, nós próprios também não iríamos.

         A Mongólia esteve sob domínio chinês há já muito tempo. Depois de se ter autonomizado e autoproclamado enquanto país independente, acabou por ser anexada pela URSS. A rebelião antissoviética teve início em 1989; e, em 1992, a Mongólia era finalmente um país livre, com as mesmas vicissitudes e estranhezas que tem vindo a ter até agora mas sem invasão de terceiros. Esta inserção de Wikipédia vem aqui a propósito por uma boa razão.

Dá ideia de que nessa altura a Mongólia pertencia à China, ou então de que ficou por bastante tempo sob uma marcada influência chinesa, porque é assim que começa a história: o marido e a mulher defrontam-se longamente na estepe, ambos com os cavalos imobilizados e o que parece ser uma lança extremamente longa e flexível na mão[13], até que, num momento que não saberíamos distinguir, ambos arrancam a galope na direção um do outro. E, no momento preciso em que se cruzam, como num desporto perfeitamente coreografado, a mulher dá ao marido uma estocada que o faz cair ao chão.

Na cena seguinte caiu a noite, estão ambos dentro da tenda com a mãe dele a observar, e algumas crianças brincam à luz da fogueira sem fazer barulho. Ela está a tratar-lhe da mão com todo o cuidado, ao mesmo tempo que ralha, visivelmente exasperada:

“Qual é o teu problema? Não sabes contar? UM! O Governo só nos deixa ter UM filho!”

E pronto, aqui está a crise que crucifica o pobre casal: supostamente, só deveriam ter um filho. No entanto, já vão em três – feitos ao ar livre, na estepe, com aquela tal espécie de lança comprida e flexível do marido espetada no chão. Esse estranho objecto é que é a urga, e não serve objectivos guerreiros: serve para dirigir, de cima dos cavalos, as manadas de gado para dentro dos seus redis ou para a transição rumo a novas pastagens. Naquela posição, no entanto, está ali para um outro fim, bastante mais específico e tornado inequívoco pela posição: destina-se a avisar todos os outros mongóis do que se passa ali, para que mantenham as devidas distâncias enquanto o casal é feliz[14].

Embora seja perdidamente improvável que algum burocrata atravesse o deserto de Gobi (o maior do mundo, não se esqueçam) para ir espreitar dentro das tendas cheias de mongóis reportadamente ferozes e com umas armas brancas que mais ninguém sabe manejar, a verdade é que a mulher invoca a Lei do Filho Único como pretexto para se acabar ali mesmo com o sexo, e é nessa altura que a mãe do marido lhe diz, sem procurar disfarçar nem baixar a voz: “Eu bem te avisei dos perigos de te casares com uma mulher universitária.” Mas, entretanto, o marido fez uma grande amizade com um camionista russo – e este oferece-se imediatamente para o ajudar na solução óbvia do problema. Amigo, junta algum dinheiro, nem sequer é preciso muito, vens comigo à cidade, eu levo-te às lojas onde costumo ir, compramos preservativos em barda para os tempos mais próximos, e está o problema resolvido. O meu país também é comunista, não te esqueças. Um bom comunista tem sempre um saco cheio de preservativos muito bem escondido em qualquer lugar estratégico da casa. Nunca se sabe o que é que vai acontecer a seguir, mas um gajo quer pinar à mesma. E, como o camionista está ali mesmo ao lado, pronto para dar conselhos sensatos ao marido, que aliás a mulher aprova de imediato com imenso entusiasmo (“universitária“, é o que é), apenas porque tem o seu camião avariado e estão vários mongóis, marido incluído como é obrigatório, a reparar-lhe o motor, vão os dois até à cidade procurar o progresso… os dois montados no mesmo cavalo, já que o camionista não sabe montar.

A sequência de acontecimentos a partir do momento em que chegam à cidade torna-se finalmente banal, só nessa altura é que reparamos que estas pessoas têm os mesmos sonhos, os mesmos medos, e as mesmas capacidades de decisão sob pressão que todas as outras têm – veja-se a sequência em que o marido, que está numa cidade pela primeira vez e, comprados os preservativos, já sugeriu várias vezes ao camionista que se fossem logo embora, quando percebe que o amigo está metido em sarilhos encontra prontamente o bar, onde o vê podre de bêbedo, caído no chão, a ser pontapeado e insultado pelos citadinos circundantes. Nessa altura, entra calmamente no bar, tira partido da surpresa dos citadinos ao verem entrar, depois de um russo, um camponês mongol vestido de camponês mongol dos pés à cabeça, de facalhão colossal bem preso no cinto, de urga[15] na mão e tudo. E, enquanto os clientes habituais o contemplam de boca aberta, agarra no amigo, passa-o por cima do ombro, sai, prende-o bem ao cavalo, depois do que ele próprio monta, segura as rédeas, e, agora que o russo está inconsciente e portanto ele pode fazer o que quer, esporeia o animal, solta-lhe as rédeas, cola-se-lhe ao pescoço, e arranca dali naquela velocidade assombrosa dos cavalos mongóis, que se diz desde Aristóteles serem “tão rápidos como o pensamento“.

Nesta passagem, podiam perfeitamente ser Arnold Schwarzenegger e Mel Gibson, há trinta anos atrás.

À sua espera na tenda da estepe, ambas numa pilha de nervos mas ambas arrumando tudo à sua volta para não darem parte fraca, estariam Catherine Deneuve no papel de Mãe e a Julia Roberts, aqui sem nunca sorrir mas ao menos completamente ruiva, no papel de esposa “universitária“.

O papel de filha mais velha, que conversa muito com o russo sobre o comunismo, também consegue conversar com os cavalos, e por vezes tem visões pouco claras mas com protagonistas muito nítidos, seria entregue a Christina Ricci, no tempo em que tinha as longas tranças da filha mais velha da ADAMS FAMILY[16]. É evidente que já estou a meter no filme detalhes impostos completamente a martelo, mas é que entretanto o URGA deixou de ser o original mongol e passou a ser uma megaprodução de Hollywood. Vale a pena divagar um bocadinho porque aqui ressurge um tema que perturbou os nossos egrégios avós quando tentavam compreender a origem do Homem: como é que era possível que os sentimentos das pessoas, fossem elas de que “raça” fossem[17], vivessem elas onde quer que vivessem à superfície do planeta, nunca sofressem a menor alteração em relação ao que é realmente fundamental – o gosto pelo belo, a necessidade da ordem, a resposta ao apelo da arte, a criação de leis, a existência de uma linguagem articulada que tende a poder ser posta por escrito, e sim, sim, como negá-lo? – o amor, o desejo, a ternura, o perdão, e em toda esta lista é evidente que a ordem dos factores não altera o produto. Desse ponto de vista, o filme URGA é quase um soco no estômago. Quando vemos caminhar lado a lado o camionista russo, muito louro e de olhos muito azuis, e o pastor mongol, completamente mongol dos pés à cabeça, agora sabemos que eles não saíram mesmo de uma cepa igual. O russo nem se discute: é um Homo sapiens típico. Mas, e o mongol? Não parece saído de outro planeta? Pois, porque cresceu nas estepes da Ásia. Esse era o domínio do Homo erectus. Estamos mesmo a ver a descendência de duas espécies de hominídeos completamente diferentes, que pouco partilharam de território e coincidência no tempo, e muito menos de troca de genes.

E, no entanto, não é só a questão dos preservativos. Ao longo do filme, estes dois vão ficando cada vez mais amigos. E é evidente que a filha mais velha do mongol, que toca na concertina o hino à liberdade que o russo tem tatuado nas costas[18], está cada vez mais apaixonada pelo camionista, que gosta de exibir-se só de jeans e em tronco nu, enquanto os outros Homos quase desaparecem por trás da floresta daqueles trajes tradicionais todos.

Tira lá essa roupa!”, diz o russo à miúda. “Nem sei como é que consegues mexer os braços para tocar. De cada vez que pisas para aí uma nota toda mal pisada eu penso nessa estupidez dessa roupa. Ainda por cima o teu corpinho deve estar mesmo radioso. Aposto É da idade. E tu andas a escondê-lo, agora que devias gozar-te bem dele?”

Olha o Pai!”, ralha a miúda numa voz líquida de ribeira da floresta.

E ri, ri, ri, toda feliz da vida.

Mais trocas de genes entre espécies em perspetiva.

Tendemos a andar para aí feitos parvos, cada vez mais esquecidos da importância do amor como bloco básico da construção humana, e desculpem: quem nunca pecou que atire a primeira pedra à mulher adúltera. A gente peca por desleixo amoroso. Mas o genoma humano ganhou os contornos que tem hoje graças ao amor.

E o Darwin, no meio disto tudo? O Darwin, ainda um jovenzinho na viagem do Beagle, escreveu nos seus apontamentos secretos qualquer coisa como isto:

Deve ter existido o arquétipo do primeiro homem, de todos o que estava ainda mais próximo dos chimpanzés e gorilas[19]. Esse primeiro homem há de ter emergido onde a vida fosse fácil, com um clima quente, próximo do mar que chama sempre pelos homens, com bons terrenos para cultivar, abundância alimentar, chusmas autênticas de mulheres lindas, com rabos muito grandes, ao agrado do eterno masculino. Ou seja, é indiscutível que o primeiro homem emergiu em África. Com o tempo, a evolução e a selecção natural foram congeminando mais espécies de homens, sabe-se lá quantas. Tudo isto só seria possível em África, vendo bem as coisas. É a única parte do mundo onde um gajo deita uma beata acesa ao chão e daí a uma semana já cresceu ali uma árvore de SG FILTRO.[20]

Dois séculos antes de vermos o nosso próprio genoma, e o genoma dos outros homens com quem trocámos mais genes, Darwin viu tudo por nós antes mesmo de conhecer a linguagem sem surpresas que agora usamos para descrever o que vimos. E é graças à visão genial de Darwin que eu, pelo menos, neste preciso momento consigo voltar atrás no tempo e perceber, por fim, o que é que realmente me fascinava tanto no cozinheiro do Miramar que dirigia a célula local do MPLA. Os almoços de luxo para onde nos arrastavam duravam horas, eles bebiam bastante e deixavam de ligar às crianças, que em princípio estariam todas a brincar lá fora. Eu tirava os sapatos para não fazer barulho e fugia lá para dentro para me esconder num cantinho e ficar num deslumbre a vê-los de roda dos fogões, mas era sempre aquele homem maior do que os outros, implicitamente chefe dos outros, que me fascinava perdidamente sem eu saber porquê. Às vezes esperamos mesmo sessenta anos para ter uma visão.

E depois, quando tem, toda a sua vida valeu a pena.

Memória de infância

A VINGANÇA DAS ESPÉCIES EXTINTAS

Uma vez, nessas minhas fugas secretas para a cozinha do Hotel Miramar, descobri a técnica dum borracho todo musculado que era o Job, e que toda a gente dizia que fazia os melhores croquetes de Angola. Era hora de almoço, estava uma caloraça indescritível, o Job já se tinha posto em tronco nu para trabalhar com mais gosto e mais depressa[21], escoriam bagas e bagas grossas de suor por aquela peitaça hercúlea abaixo, os seus braços enormes pareciam girar em torno do fogão como seis ou oito, toda a gente ria e mandava bocas, e enfim – o cheiro a catinga naquela cozinha pairava do chão até ao tecto como um equinócio que se perdeu no caminho. Ainda hoje adoro o cheiro a catinga. Para mim, cheira a chegar finalmente a casa.

Nisto alguém vem carregado com pratos sujos da sala de jantar toda elegante, com imensa pressa, vira-se para o Job e pede-lhe duas doses dos seus croquetes incomparáveis. O Job diz que sim com a cabeça, o colega que fez o pedido acrescenta que as clientes são mulatas lindas de olho verde e pestana enrolada que não param de rir e de beber, ele depois do almoço vai apresentá-lo e quem sabe, há horas de sorte. O Job encolhe os ombros e diz que prefere os rapazinhos, coisa de que, aliás, tem fama na cidade inteira.

Mas nunca ninguém viu nada.

Devido à sua posição crítica no MPLA, o Job é o único do gang que tem um apartamentozinho junto à Baía. Mas, como em tudo o resto que faz, incluindo a sua receita para aqueles croquetes divinais, usa-o com gosto e alegria – só que de forma extremamente discreta.

Entretanto, na cozinha do Miramar, Job já dispôs graciosamente a salada no prato, já tem a batata frita a escorrer dentro de um papel especial chamado CHUPÓLEO[22], e vai começar a enrolar os croquetes para fritar. É só o que lhe falta, porque a carne, muito bem temperada, marinada em aguardente de cana, e devidamente picante, está sempre ali ao lado na bancada dentro de um alguidarinho azul, com uma capulana muito bem lavada por cima, pronta a entrar em acção,

Nesse dia descobri que o Job tinha aquilo a que se chama, literalmente, um dirty secret.

Depois de servir as mulatas de olhos verdes, que mais tarde apareceram na cozinha aos gritinhos, disseram que realmente valia a pena vir de Nova Lisboa até Luanda para provar aqueles croquetes mágicos, encomendaram mais duas doses  com mais uma garrafa de vinho tinto, e disseram em altas vozes que, enquanto esperavam, iam levar para a mesa duas girafas com um prato de camarões picantes, dos maiores, porque, Santo Deus, aqueles croquetes eram tão bons que davam vontade de comer, comer, comer sem parar –enfim. Quando as fotos da PLAYBOY desampararam finalmente a loja ele fez uma rodada especial para nós e realmente era tudo verdade, eram os melhores croquetes do mundo, diferentes de todos os outros.

Da casa de jantar começaram a chegar subitamente mais e mais pedidos de croquete com batata-frita e vinho tinto do melhor, sem dúvida estimulados pela excitação das misteriosas bonitonas de olhos verdes e corpos de estátua, que mais tarde fiquei a saber terem chegado e partido num descapotável prateado enorme, lindo, rápido e nervoso nas manobras como um terrível leopardo das neves[23].

O que seria que aquelas estátuas nascidas sem pai nem mãe de dentro de uma buganvília quereriam realmente caçar? O cinema Miramar, com o seu anfiteatro de relva ao ar livre, ficava ali mesmo à frente. Se tivéssemos ido parar inadvertidamente a um filme de 007[24], duas miúdas com aquele corpão, aquelas mamas de aço à solta debaixo do decote, o umbigo de fora e as pernas de dois metros prolongadas pelos saltos altos dos botins, e ainda por cima aqueles shorts que lhes deixavam metade das nádegas de fora – e que nádegas, Nossa Senhora! – seriam certamente mercenárias ao serviço da Coreia do Norte. Agora ali em Luanda, sem James Bond à vista a menos que o Job tivesse uma dupla vida em que ninguém estava disposto a acreditar[25]… Tudo bem que estávamos num hotel de super-luxo, mas elas vinham numa de se atirarem ao Job e o Job vivia num secretismo feroz no andar de cima de um dos prédios do Bairro Social da Baía, deixando todos os outros à guarda da avó do Zé que era o boy lá de minha casa, no musseque da Cuca, que era animado mas que não haja equívocos, era à mesma um filho da puta dum mus-se-que. Nem eu valia grande coisa. Para já, era só uma menina branca a quem toda a gente me chamava Pretinha, e eles faziam de conta que não me viam mas todo o mundo sabia que estava ali sem licença. E depois, em termos de bens materiais, aquilo era mesmo uma cena a meia haste. A minha mãe trabalhava e tudo. Se calhar era por falta de dinheiro. Está bem que a casa dos meus pais estava na cara que era casa de branco, branco com bom gosto, branco interessado em arte de preto, branco com criada branca para as meninas que eram muitas e andavam todas no Colégio, mas nada disto era assim uma de ooooh meu mano, foda-se, morde-me só aquele branco tão rico.

Estava a cozinha toda a discutir o que quereriam as boazonas de olho verde, e ao mesmo tempo o Job, sempre em tronco nu, sempre encharcado em suor e a cheirar a catinga, ia enrolando os croquetes. Só eu olhei. Fazia perfeito sentido, perfeito sentido. Claro que assim ficavam muito mais gostosos.  Mas aquilo era um nojo, foda-se. E ainda por cima o gajo estava sempre a suar.

Calma aí, sua estúpida. Quanto mais ele suar mais gostoso fica o croquete.

O Job piscou-me o olho e rimos os dois.

O grandessíssimo vira-lata enrolava os croquetes com a agilidade assombrosa daqueles seus braços enormes contra os pelos do peito, pelo meio das ondas contínuas de suor e do cheiro invencível da catinga,

Está bem que temperava muito bem a carne e a punha muito macia.

Ah, gente, mas aquele toque final é mesmo tão diferente dos conhecimentos dos nossos palatos que surte em nós um efeito quase hipnótico.

Criatividade,

Em certas pequeninas e subtis notas de rodapé, o homem é mesmo o único animal que.

E de repente, agora, vejo outra vez o Job. Vejo-lhe a testa abaulada quase inexistente, a maçã-de-Adão enorme, os braços muito mais compridos que os nossos, aqueles pelos todos no peito colossal, aquela força bruta – sim, vejo o Homo habilis intocado pelas mutações externas de todas as espécies que vieram depois, volto a piscar-lhe o olho, e presto-lhe homenagem.

Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora

P.S. Agora vamos ver quem é que ficou mesmo culto neste verão, pelo menos no que respeita a todas as histórias mal contadas que rodeavam o grande Charles Darwin, alterador radical do nosso pensamento.

Então é assim: faço-vos sobre esta matéria um teste de 20 perguntas com quatro opções de escolha múltipla, como contributo para o vosso entretenimento na noite da passagem do ano. Cada pergunta vale 1 ponto, portanto, quem fizer sempre a escolha certa tem 20 valores e qualifica-se para curtir o jogo de pista bestial criado por mim aqui em Estremoz. Para responderem ao exame, podem reler os ensaios “Fique Culto Neste Verão”. Não posso impedir-vos de irem pedir socorro à Internet, mas aviso já que vai ser uma péssima ideia. O que aqui vos contei ainda não estava contado em lado nenhum. E têm até 31 de Dezembro para o Darwin, então.

Para a semana, regressa A Deriva dos Continentes, com uma grande cacetada na Mariana Mortágua, dada por mim, que sou apoiante e eleitora do Bloco de Esquerda – e, antes de haver o Bloco, votava sempre no PSR, um grupelho abertamente trotskista que ajudei o Louçã a formar.

Depois, há uma história nova para a História Natural, mas se vos contasse isto, perdia toda a graça.

E instala-se a rotina, antiquíssima praga do trabalho científico, um trabalho tão criativo como qualquer outra arte.


[1] O famoso Encontro da British Association de 1860, em que Thomas Huxley, também conhecido por “Darwin’s Bulldog”, arasou o bispo “Soapy Sam” Wilberforce.

[2] Cheia de defeitos, eu sei. Mas todas as eras anteriores também estavam cheias de defeitos. A Idade do Ouro nunca existiu, como todos sabemos. Mas desta vez, ao menos, existe o lado solar da internet. E isso, essa velocidade com que encontramos tesouros desde que saibamos o que é que andamos a procurar – isso é absolutamente inédito.

[3] Grupo em que eu tenho andado incluída, evidentemente.

[4] É biólogo, lá está.

[5] Que tenhamos identificado até hoje, claro. Provavelmente, existiram ainda mais espécies humanas que estão por descobrir.

[6] Nome científico do famoso Homem do Neandertal, que supostamente teremos sido nós a exterminar, quando invadimos a Europa durante a Idade do Gelo e do qual teremos possivelmente herdado a sequência de genes para o cabelo ruivo. Note-se que, a avaliar pelo que a genética molecular nos ajudou a compreender melhor hoje em dia, a herança do cabelo ruivo é um cenário mais provável do que o cenário do rápido extermínio causado pelo aparecimento do Homo sapiens na Europa durante a Idade do Gelo.

[7] Convivemos menos com estes: ainda não tínhamos chegado à Ásia por essa altura.

[8] Nos anos 90, o consenso geral ainda era que o Homo sapiens tinha aparecido há setenta ou sessenta mil anos, e neste ponto exterminara, muito rapidamente, as amostras ainda sobreviventes do Homem do Neandertal.

[9] Melhor conhecida ainda, escusado será dizer, é a tesão instintiva do pessoal por tudo o que é novidade.

[10] O que prova a veracidade dos dados.

[11] Só não foi com o Homo erectus porque não chegámos à Ásia a tempo de uma mistura em massa.

[12] Ou seja, nós temos a defesa natural contra o problema. Já imaginaram a brutalidade com que andamos a esticar a corda?

[13] A tal urga, que tanto serve como instrumento de trabalho como pode servir, se necessário, enquanto arma de defesa ou agressão.

[14] No filme, na sequência em que finalmente em que se percebia este detalhe fundamental, não consegui deixar de pensar como é que alguém consegue entregar-se às delícias da copula num sítio onde a abundância de insectos voadores (e pressupõe-se que outros tantos rastejantes) obriga as pessoas a usarem máscaras de rede na cara e luvas de cabedal nas mãos.

[15] Note-se, as urgas são imponentes. E o mais provável é que os citadinos nunca tivessem visto nenhuma.

[16]But what will you do if a man really loves you?” – “I’ll pity him.” Sempre adorei esta deixa.

[17] A sequenciação do genoma humana demonstrou que, em termos de genética molecular, não existe a mínima diferente entre as chamadas “raças” humanas – aquelas a que Darwin teria preferido chamar “subespécies” porque sempre era mais digno (uma subespécie é apenas uma variação geográfica, causada pelo ambiente, dentro da mesma espécie), mas acrescentou logo já saber ser esta empresa impossível, tão habituados estavam já os povos a usar o termo “raça”, à época de forma francamente derrogatória: os brancos são uma raça perfeita, mas os negros são uma raça de crianças rebeldes e voluptuosas que nunca crescem e só pensam em sexo, os mongóis são atrasados mentais (daí o termo “mongoloide” para os portadores da trissomia 21, também eles brutalmente excluídos da sociedade), os chineses cheiram mal e só sabem fazer contas mas nunca escreveriam um poema (!), os habitantes da Oceania habitam-na exclusivamente para o prazer dos olhos dos Europeus, que levam rapidamente a outros prazeres – e não servem para radicalmente mais nada. As raparigas tendem a morrer muito jovens durante os partos porque é o primeiro esforço que fazem na vida.

[18] Memória de uma guerra qualquer em que a China queria invadir a Mongólia e os russos ajudaram os mongóis a expulsar os chineses. Estas partes, confesso, não percebo mesmo: quem é que quer invadir o maior deserto do mundo, onde vivem cavalos que só se reproduzem entre si, e vacas pastoreadas por uns fantásticos Homo erectus em estado puro? Aquilo tem é que ser declarado reserva mundial inviolável, gaita.

[19] Os orangotangos, que vivem pendurados nas árvores da cintura de floresta equatorial que dantes rodeava toda a Terra, com quatro mãos e nenhuns pés para se pendurarem melhor, saltarem melhor de árvore em árvore, e fazerem viagens mais espetaculares de liana em liana, para não falar daqueles filhotes de olhos enormes que as fêmeas pareciam fazer questão de trazer sempre às costas, foram afastados sem necessidade e explicações; pura e simplesmente, eram um Grande Primata demasiado louco para qualificar enquanto parente próximo do homem. Por outro lado, no tempo de Darwin ainda ninguém conhecia os bonobos, o mais pequeno dos Grandes Primatas e o único que forma sociedades justas e pacíficas, o que talvez tenha a ver com o facto dos seus dirigentes máximos serem sempre grupos de fêmeas. São Grandes Primatas que dão um grande crédito ao amor como rotina fundamental das suas sociedades, e, para grande surpresa de todos os Primatologistas que chegaram primeiro… isto, de facto, não costuma ser visto nem nos animais nem nos descendentes do Homo erectus… estes sacanas entregam-se aos prazeres do sexo… deitados num tereno macio e virados um para o outro, aos beijos e mais beijos e mais beijos!

[20] Era daquelas gracinhas que os colonos diziam aos berros enquanto bebiam girafas e se enchiam de camarão picante no relvado do Miramar. Eu não lhes achava graça nenhuma porque falavam dos “pretos” como quem fala de bichos, comportavam-se como se a escravatura ainda existisse, e deixavam-se estar para ali a fazer negócios, contar lucros, e encomendar bebidas e comidas cada vez mais caras e ornamentadas, que eu sabia que davam imenso trabalho porque adorava esgueirar-me para dentro da despensa, passar para um cantinho da cozinha já sem sapatos para não fazer mesmo barulho nenhum, e ficar ali fascinada a aprender com eles todas aquelas alquimias., até muito depois da hora de fecho, quando aqueles pretos obrigados a andar de roda deles como rodas de colibris já deviam ter ganho o direito de ir para casa.

Estes brancos eram aquele género de gente que desobedecia com gosto e exibicionismo a qualquer polícia sinaleiro preto que os mandasse parar, ou tomar o sentido obrigatório à esquerda. UM PRETO que lhes dava ordens? Faziam chiar os pneus e estoirar o motor e desobedeciam de propósito, e de caminho ainda mandavam um grande caralhete ao sinaleiro quando passavam por ele.

[21] Enfim, nessa idade eu era ingénua. Com aquele físico impressionante, o Job punha-se em tronco nu sempre que podia. Senão, qual era a graça?

[22] Alguém sabe o que é feito do CHUPÓLEO? Os que vieram de África trouxeram-no aos montões para a Metrópole. Ainda me lembro de o comprar nos supermercados portugueses. Mas, quando voltei da América, tinha desaparecido por completo. É uma dor d’alma. Nunca vi papel de secar óleo tão espantosamente eficaz. E só aquele nome tão másculo, CHUPÓLEO… Lembra qualquer coisa que se faz na cama, é ou não é, confessem?

[23] Como é evidente, em Luanda nunca ninguém, nem negro nem branco, tinha visto um leopardo das neves. Isso dava ao animal uma dimensão de perigo redobrado, uma criatura enorme, de garras retrácteis todas pausadas a que ninguém escapava, olhos cruéis, patas como molas de aço – camuflado pelos montes de neve, pronto a saltar ao caminho do primeiro ingénuo que usasse o trilho onde esse monte de neve estava. Quando saltava ao caminho da pessoa com as fauces furiosas escancaradas e um rugido infindo que retumbava no eco, já nem valia a pena tentar resistir-lhe.

[24] Quem é que não quer? Negro pode ser guerrilheiro, mas não deixa de sonhar por causa disso. “Mas sem ser o protector da meu Boss… eu vou fazer o quê para o MPLA?”, pergunta o bebé.


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