VISTO DE FORA

Aprende Zelensky, que o Ricardo Salgado não está para durar

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Volodymyr Zelensky apresentou esta semana o seu ‘Plano de Paz’, também conhecido como «Plano de Vitória”. Vemo-lo, de papel na mão, a visitar as cidades dos principais aliados para discutir os detalhes, deixando a generalidade dos comuns, com alguma curiosidade.

Quando digo curiosidade é, convenhamos, algo mais do que isso. Não se trata da curiosidade face a um acidente na faixa do lado ou a um arrufo no apartamento de cima. A invasão da Ucrânia tem sido pau para toda a obra nas justificações que vão servindo à classe média europeia, enquanto nos vão extorquindo cada euro.

Se aumenta o combustível que nos chega da Nigéria, a culpa é do que sucede na Ucrânia. Se o leite que vem dos Acores dispara, pois bem, foi da Ucrânia. Se a prestação da casa subiu, a Lagarde avisa que se deve à Ucrânia. Se a EDP aumenta a tarifa – adivinharam! –, é porque o gerador está em Kiev. Até aquela camisolinha da Zara, feita com trabalho infantil no Bangladesh, já sofre com a ‘taxa Donbass’. Antes da guerra, a Ucrânia era o “celeiro da Europa”, depois da invasão passou a ser a loja do chinês de Bruxelas. Aparentemente tudo nos chegava daqueles lados.

Dizem-me, economistas encartados, que o mercado se aproveitou na crise, em um ou dois sectores, e cavalgou a onda, subindo tudo o que mexia. Adoro mercados. E até economistas – tenho amigos que são, e tudo o mais.

Isto tudo para dizer que este ‘Plano de Paz-Vitória’ era algo que eu esperava com alguma ansiedade. Depois de o ler, enfim, fiquei com aquela sensação que qualquer benfiquista tinha em todos os Agostos entre 1995 e 2003: a expectativa inicial era grande, na pré-época, mas depois tínhamos de ir para a luta com Marcelos, Nelos, Thomas e Bossios. Ora, este plano do camarada Zelensky foi um pouco esse balão, que rapidamente perdeu o ar.

Se bem percebi, Zelensky quer convencer a Rússia, e os aliados, a rejeitar qualquer cedência de território e, portanto, nada de ‘congelar’ a linha da frente.

Do ponto de vista ucraniano faz algum sentido: Zelensky não quer perder um palmo de terra, e é exactamente isso que deve dizer ao seu povo.

Neste plano há também uma linha dedicada a forçar a Rússia a ir para a mesa das negociações, depois de a Ucrânia fazer mais avanços no terreno. Como? Muito simples: Zelensky pede à União Europeia e aos Estados Unidos que levantem todas as restrições ao uso de armas de longo alcance.

Numa parte secreta deste caderno aparece outra linha para introduzir um novo e mais original pedido aos aliados: instalação de medidas estratégicas não-nucleares, em solo ucraniano, para dissuadir os russos. Ao jeito daquele porta-aviões que os americanos deixaram “acampado” no Mar Vermelho para os israelitas poderem arrasar Gaza.

Aqui também vejo alguma coerência na estratégia ucraniana. Se ao Netanyahu dão tudo, o que é que custa tentar? Até vejo alguma benevolência na adenda. Por mim tirava o “não” em “não-nuclear”. Se é para pedir, que se avance sem medo!

Ainda assim, parece-me, é nesta parte do plano que deixamos cair definitivamente a parte a ‘paz’ e nos focamos na ‘vitória’. Tudo bem espremido, aquilo que temos neste plano de vitória, que em momento algum é de paz, é uma revisão da matéria dada. É Zelensky a resumir num caderninho aquilo que anda a dizer há dois anos e meio, a saber:

1 – Mais armas;

2 – Nem um centímetro cedido à Rússia;

3 – A Ucrânia vai vencer a guerra;

4 – Continuem a mandar dinheiro.

Qual é então o problema nesta história?

A realidade. Essencialmente isso.

Há, em regra, duas saídas clássicas para uma guerra: um dos lados perde e aceita aquilo que o vencedor ditar (os alemães tiveram duas experiências mais ou menos recentes e estão bem documentadas); ou, em alternativa, cansam-se os beligerantes de morrer e declaram um empate mediado por alguém que finge ser neutro, e discutem-se as condições.

A Ucrânia não está em nenhuma dessas situações, mas quer ditar as condições. É uma originalidade, mas enfim, aprecio a criatividade. A Rússia está com o mesmo território ocupado, mais aldeia menos aldeia, desde Maio de 2022. Portanto, gritar que não se cede um palmo de terreno, como condição para o fim da guerra, é de facto meritório para o lado ucraniano. E só falta convencer os russos disso.

E quem diz os russos pode acrescentar os americanos, os ingleses e os amigões da NATO, que foram tão peremptórios em Fevereiro de 2022, mas que hoje já vão dizendo a Zelensky que é preciso jogar ao monopólio no Donbass.

Zelensky também sugeriu, neste ‘Plano de Vitória’, que entrar para a NATO era uma boa ideia. Como não? Era o mínimo que podia fazer…

Tenho uma teoria para esta alucinação que Zelensky andou a passear por Washington e pelas principais capitais europeias. Elevar a fasquia para negociar em alta e ir baixando sem parecer que está em perda. Partindo do princípio de que nenhum aliado se vai enterrar mais neste conflito, muito menos com tropas no terreno, e que a Ucrânia já serviu o seu propósito aos interesses ocidentais, restará a Zelensky trocar umas aldeias russas por qualquer coisa na Ucrânia, receber uns milhões para a reconstrução e aceitar uma zona-tampão no Donbass, que ficará com a Rússia e os Capacetes Azuis nos próximos 20 anos. Depois, quem vier a seguir, que feche a porta.

Infelizmente para a Ucrânia, e para as famílias dos soldados que morreram, o plano de Zelensky não é de paz e muito menos de vitória. É um grito desesperado de um morto, um bluff sem cartas na mão. O Ocidente está, de momento, mais preocupado em defender outro invasor ali para os lados do Médio Oriente. Por outro lado, o alinhamento geoestratégico dos países está a tomar forma enquanto se morre em Gaza, Beirute e Donetsk. A Turquia, a China, o Irão, a Índia e os países da Ásia Central e da África estão do lado russo. Lembram-se de se insistir nos “isolados russos” de 2022?

Ricardo Salgado, ex-CEO do Banco Espírito Santo, esta semana no início do julgamento no Campus de Justiça, em Lisboa.

Não há saída para o caderno de intenções de Zelensky. Ninguém se vai atravessar, para lá de dinheiro e algumas armas, pelas vidas ucranianas contra o bloco que se formou do lado de lá. Os equilíbrios estão perfeitamente definidos e os ucranianos andam a morrer, tal como os russos, há dois anos, para nada.

Na verdade, um ‘Plano de Vitória a sério foi aquele feito em Lisboa por Ricardo Salgado. Várias décadas a controlar e delapidar o Estado Português na bela soma de 12 mil milhões de euros. Depois de ser apanhado, enrola o processo com todos os truques permitidos no Código Penal enquanto vive dos lucros. Dez anos depois, chega finalmente ao tribunal, mas já em estado de saúde debilitado. O antigo banqueiro que tinha ministros no bolso, e a quem toda a elite dizia que sim, aparece sem memória, com uma camisola discreta de velhinho, a dar passos de 10 centímetros, seguro pela mão de uma cuidadora, para não cair. Não se lembra de nada, não sabe de nada, não se consegue defender. Isto, 10 anos depois de ser apanhado e um ano depois de escrever um livro de memórias.

Isto é que é um ‘Plano de Vitória’, Volodymyr. Aprende que o Ricardo não parece estar para durar.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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