‘Carga fiscal’ real aumenta 57% em Portugal desde a criação do euro
A receita do Estado está em crescente galope. Contabilizando os impostos, contribuições e taxas cobrados aos contribuintes, e ajustando à inflação e considerando a população, o Estado vai arrecadar mais 57% por cada português face ao que sucedia há 26 anos. Em 1999, a receita fiscal foi de 47 mil milhões de euros, o que daria um valor per capita de 4.628 euros. Mas ajustando a preços constantes de 2023, com a inflação e o aumento populacional, esse valor corresponderia hoje a 7.492 euros. Mas a máquina estatal de cobrança ‘promete’ vir a sacar, no próximo ano, quase 134 mil milhões, o que, a preços constantes de 2023, dará um valor per capital de 11.742 euros. A subida tem sido avassaladora a partir de 2021, com um crescimento da ‘carga fiscal’ e outras obrigações perante o Estado a alcançar quase 22%. Nesta análise do PÁGINA UM, como se usam preços constantes, a inflação deixa de servir como argumento para a sofreguidão do Estado, até porque a preços nominais a subida das receitas do Estado entre 1999 e a previsão de 2025 é absurda: mais 183%.
O Estado deverá arrecadar, no próximo ano, mais 57% de receitas do que obtinha em 1999, ano da criação do euro, em valores ajustados à inflação. Essa é a boa notícia. A má notícia é que, na sua maioria, se deve a mais entregas de dinheiro que os contribuintes e as empresas têm feito à máquina estatal, através de impostos, taxas e contribuições para a Segurança Social.
No total, o Estado ‘promete’ encaixar, em 2025, um total de 134 mil milhões de euros, o que corresponde a 11.742 euros por cada residente (per capita). Em termos comparáveis, o valor das receitas per capita em 1999 foi de foi de 7.492 euros, a preços constantes de 2023, segundo cálculos do PÁGINA UM, com base em dados do Banco de Portugal e na proposta de Orçamento do Estado para 2025. A valores nominais, sem qualquer ajuste à evolução dos preços, o aumento das receitas que entraram para os cofres públicos nos últimos 26 anos foi de 183%.
Visto que a quase totalidade destas receitas provém dos contribuintes, significa que a carga fiscal e as contribuições são hoje mais pesadas. Mas, em 2025, a ‘gulodice’ do Estado não ‘ataca’ só o ‘pacote’ das doces receitas e vai também engolir mais dívida pública. Em termos absolutos, o país vai engordar a sua dívida pública para 274.554,8 milhões de euros, um novo máximo.
Para Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros, este ‘engordar’ das receitas do Estado não surpreende. “A evolução da carga fiscal em Portugal tem aumentado nas últimas décadas, o que encontra paralelo na evolução da generalidade das economias mundiais e da União Europeia em particular”, disse, ao PÁGINA UM. Explicou que, “um dos factores que mais poderá estar a contribuir para esta evolução é o facto de a informalidade na economia ter vindo a recuar de forma bastante visível, tanto a nível produtivo, comércio e emprego”. Isto porque, “numa economia mais formalizada e mais digital, a cobrança de impostos é mais eficiente e eficaz”.
Por outro lado, Filipe Garcia destacou que “esta evolução reflecte a tendência para o crescimento estrutural do Estado, seja na sua dimensão, seja na despesa que consome” e apontou que, “em Portugal, a Despesa Primária representará cerca de 40% do Produto Interno Bruto (PIB), num contexto de crescimento económico e com desemprego e juros baixos”, lembrando que o máximo foi 46,88% em 2013, em vésperas de saída da ‘troika’ do país.
Para este economista, “a magnitude deste número obriga-nos a pensar se este é o modelo que queremos a seguir em termos de dimensão do Estado”. É que, “à boleia da ideia de conveniência e promoção da equidade através dos serviços e gastos públicos, tem-se criado uma ‘máquina’ de grandes dimensões”. Basta ver que “os gastos com pessoal, consumos intermédios e outras despesas correntes perfizeram 18,1% do PIB de 2023”, recordou.
Segundo a proposta do Orçamento do Estado para 2025, as receitas totais vão crescer 8.043 milhões de euros para 133.761 milhões de euros. As receitas fiscais vão aumentar 3,3% face a este ano, para os 72.598 milhões de euros. As receitas de impostos sobre produção e importação vão subir 6,4% para 43.231 milhões de euros. Quanto às contribuições sociais, vão aumentar para 6,1% para 37.850 milhões de euros. Apenas as receitas de impostos correntes sobre o rendimento e o património deverão cair, na ordem de 1%, para 29.366 milhões de euros.
Só em receita da Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o aumento em valor previsto para 2025 é de 1.547 milhões de euros, o que representa um aumento de 6,4%. De Imposto sobre o Rendimento Colectivo (IRC) deverá entrar nos cofres estatais mais 620 milhões de euros do que em 2024.
Em termos históricos, olhando para a evolução das receitas que entraram nos cofres do Estado per capita desde a criação da moeda única, o aumento foi de 57% a preços constantes de 2023. Será o valor mais alto arrecadado pelo Estado, pelo menos, na era do euro.
Desde a criação da moeda única, as receitas estatais per capita só não subiram por quatro ocasiões. A primeira, foi em 2003, quando a economia portuguesa se encontrava em recessão, num período de ressaca após a euforia de adesão ao euro e numa altura em as contas públicas já se encontravam com o espartilho das condições do Pacto de Estabilidade e Crescimento que impunha, designadamente, um tecto de 3% para o défice face ao PIB.
Depois, deu-se a segunda quebra das receitas do Estado em 2009, na sequência da grave crise financeira que teve início nos Estados Unidos e alastrou, e que ficou conhecida como a crise do ‘subprime’, quando rebentou a ‘bolha’ de produtos financeiros ligados a créditos imobiliários de alto risco.
Seguiu-se nova descidas das receitas do Estado em 2012, no ano a seguir a Portugal ter pedido um resgate financeiro internacional. O país ficou agrilhoado a uma política de austeridade e a chamada ‘troika’, composta pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, ‘permaneceram’ no país até 2014. Foi precisamente nesse ano que se deu nova descida nas receitas que entraram nos cofres públicos.
Seis anos depois, em 2020, deu-se nova descida das receitas devido ao forte travão da economia provocado pela opção que o Governo adoptou na gestão da pandemia de covid-19, que incluiu medidas radicais, como confinamentos, fecho de escolas, serviços e actividades. O certo é que, depois dessa crise, as receitas aceleraram a tendência de subida que registavam até 2019, crescendo 2.500 euros por cada residente no país.
A preços constantes de 2023, as receitas totais do Estado passaram de um valor de 76.550,5 milhões de euros em 1999 para a quantia prevista de 127.440,2 milhões de euros em 2025.
Em percentagem do PIB, as receitas do Estado passaram de 39,5% há 26 anos, para 45,5% da riqueza produzida no país. Também face ao PIB, as despesas passaram de 46,2% para 45,7%. Quanto ao défice, passou de -3,0% do PIB para -0,2%.
Em termos reais, a Economia deverá crescer 2,1% no próximo ano, o valor mais baixo desde o que foi registado em 2020, quando a Economia contraiu 8,4% por força das medidas de gestão da pandemia.
No caso da dívida pública, se em 1999 representava 55,4% da riqueza, no próximo ano irá ficar pelos 93,3%. Desde 2020, quando atingiu os 135,2% do PIB, que este rácio da dívida pública tem vindo a melhorar, com a economia a recuperar das medidas extremas adoptadas na pandemia e a beneficiar das injecções da ‘máquina de imprimir dinheiro’ do Banco Central Europeu. Mas o país vai desembolsar, só em juros, 6.437 milhões de euros em 2025.
Neste cenário, é expectável que os governos futuros continuem a ‘esmifrar’ famílias e empresas, com impostos e contribuições, para manter em dia os pagamentos correntes e os dispendiosos encargos com a dívida, pelo que não será de estranhar novos máximos de receitas a encher os cofres do Estado nos anos vindouros.