Há muitos estudos hoje que comprovam os benefícios da rede de imagens, quer na aplicação de multas quer no reconhecimento facial, que permite a identificação do prevaricador e a sua detenção em tempos record. O desenvolvimento do sistema de videovigilância pública em Bruxelas, Keersmaecker e Debailleul (2016) foi apresentado num magnífico trabalho, o qual recomendo.
Logo na introdução, define-se circuito fechado de televisão (CCTV) como “um sistema de TV no qual os sinais não são distribuídos publicamente, mas são monitorados, principalmente para fins de vigilância e segurança”.
A polémica associada ao CCTV surge das questões muito associadas a um discurso das esquerdas do Maio de 60, que privilegiam a protecção da privacidade. Uma série, que muito me agradou, ‘Sob suspeita’, abordava este tema de modo fascinante, pela acção, pelo suspense, e pelas inúmeras questões associadas ao tema. Lançado em 2013, mostrava então como o reconhecimento facial e a inteligência artificial permitiam antecipar alguns gestos desaconselhados. A ideia de reduzir o erro humano, definindo algoritmos que respondem com aprendizagem por máquinas, que interferem na decisão pessoal, é pelo menos polémica.
O conceito de panoptimo participativo vem do conceito de panóptico, uma estrutura arquitectónica idealizada pelo filósofo e jurista Jeremy Bentham (1748 -1832), que consistia num dispositivo polivalente da vigilância, permitindo que um único observador conseguisse monitorar várias pessoas simultaneamente.
O panoptismo tornou-se uma forma de disciplina e vigilância que tem sido aplicada em várias “instituições de sequestro”, como a fábrica, a escola, o hospital, o quartel e a prisão. Aconselho a leitura de umas reflexões sobre os efeitos da vigilância constante, pelos investigadores brasileiros Rafael Matias de Souza e Edu Silvestre de Albuquerque, em Janeiro de 2024, na revista Contradição – Revista Interdisciplinar de Ciências Humanas e Sociais, onde se levantam questões da monitorização criminal e da sensação subjetiva de segurança nas favelas, onde o crime observa a polícia com seus mecanismos de vídeo, móveis e fixos.
Para Foucault, o panoptismo é uma forma de poder que se baseia na vigilância constante, que por sua vez induz a conformidade. O poder não é exercido apenas por um indivíduo, mas por toda uma rede de instituições que monitoram e controlam a vida das pessoas.
Tiago Veloso Nabais escreveu em 2023 para o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna o artigo ‘Proteção de Espaços Públicos: Sistemas de Videovigilância Inteligentes’ onde refere que “numa era em que cada vez mais a noção de privacidade atinge novas dimensões, ao colaborar-se para a difusão de uma cultura de vigilância, as não cedências de privacidade no âmbito securitário afiguram-se revestir de uma forma de hipocrisia”.
O tema debruça-se sobre esta contradição da privacidade com a importância da segurança. Na realidade há um processo “omnipanótico participativo” quando os cidadãos colocam as suas câmaras ao serviço da vigilância sem restrições, quando todos desejamos descobrir o criminoso em curto espaço de tempo, e quando podemos antecipar o crime.
Há uma contradição entre leis de defesa da privacidade, leis fomentadas pelo discurso psiquiátrico em voga, que legitimam toda a diferença e fomentam toda a inclusão, e a realidade dos crimes que podíamos ter impedido se a segurança se sobrepusesse à liberdade.
Este é um dos temas essenciais do século XXI a que não podemos estar indiferentes, de que não nos devemos afastar.
Diogo Cabrita é médico
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