A lei prevê compensação para as distribuidoras de electricidade por cada factura que enviem aos seus clientes com a cobrança da contribuição para o audiovisual com o objectivo de financiar o serviço público da RTP. Nos últimos 15 anos, as distribuidoras de electricidade, sobretudo a EDP, arrecadaram 40,3 milhões de euros apenas por incluírem nas facturas dos clientes aquela cobrança. Empresas de electricidade só não ganharam mais com a medida porque no tempo da ‘troika’ o valor que estão autorizadas a ‘reter’ em cada factura de cliente caiu para metade. Ainda assim, só em 2023, as eléctricas puseram no bolso mais de 2,2 milhões de euros. Na prática, 1,18% da contribuição para o audiovisual não chegou à RTP porque ficou nas mãos das distribuidoras de electricidade. Ainda assim, no global, já entraram nos cofres da empresa pública de televisão 2,44 mil milhões de euros provenientes das contas da luz, desde 2009.
Uma fatia da contribuição para o audiovisual nunca chega à RTP. Isto porque as distribuidoras de electricidade retêm um ‘taxa’ como compensação por terem de incluir nas facturas dos seus clientes a cobrança daquele apoio que visa financiar a empresa pública de televisão. Nos últimos 15 anos, um total de 40,3 milhões de euros ficaram ‘retidos’ nos cofres das empresas de electricidade, segundo a análise do PÁGINA UM aos relatórios e contas da RTP.
A EDP, a maior empresa do sector, com mais de 4,7 milhões de clientes em Portugal, tem sido a que mais tem ‘amealhado’ com a medida prevista numa lei de 2003, que aprovou o modelo de financiamento do serviço público de radiodifusão e de televisão. Segundo este diploma, “as empresas distribuidoras de electricidade serão compensadas pelos encargos de liquidação da contribuição através da retenção de um valor fixo por factura cobrada”.
Em 2023, as eléctricas viram entrar em ‘caixa’ um total de 2.243.170 euros apenas por terem cobrado aos clientes a contribuição para o audiovisual, e entregue depois o valor à RTP. Por cada factura em que seja cobrada esta contribuição, as distribuidoras e comercializadoras de energia podem tirar para si o valor de 0,0333 euros.
Segundo a legislação, quem decide quanto podem reter as eléctricas por prestarem este ‘serviço’ é o Governo, por meio de despacho conjunto do Ministro das Finanças, do ministro responsável pela área da comunicação social e do Ministro da Economia. O valor inicial até chegou a ser mais elevado do que actualmente: 0,06 euros por cada factura de cliente, por via de um despacho conjunto de Janeiro de 2004. Posteriormente, em 2011, foi actualizado para 0,0666 euros, uma subida de 11%, mas a crise de dívida e a ‘troika’ levou a que, em 2012, o valor fosse cortado para metade, ficando nos 0,0333 euros. O valor mantém-se desde essa data.
Mas, se para uma empresa lucrativa, como a EDP ou a Galp, esta receita possa parecer ‘peanuts‘, sabe a pipocas, porque é dinheiro ‘limpo’ e garantido em caixa. E é uma excepção ao modelo de cobrança de taxas e impostos. Por exemplo, a Galp não recebe qualquer montante por gerir os fluxos do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), nem, claro, as empresas e os particulares por serem ‘cobradores’ de IVA. Pelo contrário, se falharem ou se atrasarem no envio desse dinheiros para a ‘máquina estatal’ arriscam pesadas coimas ou mesmo penas por crime de abuso de confiança fiscal.
Segundo o levantamento feito pelo PÁGINA UM, através de uma análise aos relatórios e contas da RTP nos últimos 15 anos, entre 2009 e 2012 as empresas de electricidade conseguiram ‘sacar’ mais de quatro milhões de euros por ano à conta da contribuição para o audiovisual. Só com a chegada da crise e o pedido de ajuda financeira externa do país, houve um travão nesta receita fácil, e os valores recuaram para valores próximos dos dois milhões de euros por ano. No ano passado atingiram um pouco mais de 2,2 milhões de euros, o valor mais elevado da última década.
Este crescimento nas receitas advém directamente do aumento do número de consumidores de electricidade no país. Segundo o mais recente boletim da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, em Portugal Continental estão registados um pouco mais de 6,5 milhões de consumidores do mercado retalhista de eletricidade, entre mercado liberalidade e mercado regulado. O bolo da comissão pela ‘taxa audiovisual’ é distribuído pelos 35 comercializadores a operar no país, mas a EDP mantém-se como a ‘rainha’, uma vez que detém ainda64% de quota de mercado.
No meio de tudo, quem tem perdido são os consumidores que são obrigados a pagar, nas suas facturas da luz, a verba para financiar a RTP, sendo discutível que a empresa presta sempre serviço público, como seria suposto. Por exemplo, a empresa empregou, a peso de ouro, apresentadores para serem estrelas em programas de entretenimento de gosto debatível, além de outros casos de possíveis ‘desperdícios’ de dinheiro dos contribuintes. Por outro lado, em alturas de crise, como foi o caso da pandemia de covid-19, alinhou com a ‘linha’ oficial do Governo, sem questionar algumas das medidas radicais impostas no país com resultados trágicos, os quais são observáveis no excesso de mortalidade recorde registado desde 2021 e no aumento do nível de pobreza no país.
Ao todo, a RTP encaixou, somando os valores contabilizados nos diversos relatórios e contas, cerca de 2,44 mil milhões de euros nos últimos 15 anos pagos pelos consumidores através das faturas da luz. Dava para construir quase três pontes Vasco da Gama. O ano em que a RTP recebeu menos verba foi em 2010, quando ‘só’ arrecadou 109,6 milhões de euros. O valor mais alto registou-se no ano passado: 190,1 milhões de euros. A empresa explicou, no seu relatório e contas de 2023 que o aumento daquela ‘receita’ em 2,7% face a 2022, é justificado “maioritariamente pelo aumento do número de consumidores de eletricidade” no país.
Apesar de os montantes arrecadados de ‘taxa audiovisual estarem a subir, não significa que a RTP tivesse menos dinheiro do Estado há alguns anos, uma vez que existia a prática de injectar financiamento extraordinário através das denominadas “indemnizações compensatórias”. Por exemplo, em 2010, a indemnização compensatória de 121 milhões de euros chegou a ser superior à ‘taxa audiovisual’ (109,6 milhões de euros). Em 2023 não houve este tipo de ‘compensação’.
A contribuição para o audiovisual tem, actualmente, um valor fixo mensal de 2,85 euros, a que acresce o IVA à taxa de 6%. Ou seja, só em IVA o Governo encaixou no ano passado mais 11,46 milhões de euros. Para clientes que cumprem certos critérios, como estar em situação de desemprego, a contribuição é de 1 euro, mais IVA. Este ‘imposto’ sobre os consumidores de electricidade é cobrado 12 vezes ao ano, a cada mês. Apenas os contratos com consumos menores de 400 kWh por ano estão isentos do pagamento deste ‘imposto’ para financiar a RTP.
Este ‘imposto’ cobrado aos clientes das eléctricas para financiar a RTP continua a ser polémico, sendo considerado anacrónico, por obrigar os consumidores de electricidade a ‘sustentar’ uma empresa da qual podem nem ser ‘clientes’, que não valorizam ou cujo desempenho não apreciam. Certo é que, mesmo sendo considerada uma taxa, por prestação de um serviço, ninguém pode recusar o pagamento.
A lei determina que nenhuma comercializadora de electricidade pode passar factura ou aceitar pagamento de um cliente sem somar aos custos dos consumos de electricidade e demais serviços este ‘imposto RTP’. Assim, o consumidor, se quiser ter luz em casa, tem mesmo de financiar a RTP. E, à boleia, acaba a dar uma ‘gorjeta’ forçada às eléctricas.
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