correio mercantil

Crónica de um guru urubu, ou o lacrau ofendido (‘editio princeps’)

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Correio Mercantil foi um periódico brasileiro do século XIX (1848-1868), onde o grande Machado de Assis deu os seus primeiros passos. o PÁGINA UM solicitou o registo da marca para Portugal ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), cujo longo processo foi já concluído. No contexto da actual mercantilização da imprensa portuguesa, ‘contratar’ o protagonista do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas para umas epístolas quinzenais pareceu-nos não somente conveniente como necessário. Nesta edição especial, o piparote de Brás Cubas mima o guru urubu Luís Paixão Martins, agora lacrau mercenário, o conhecido ‘agente de comunicação’, que ficou ‘arreliado’ com um ‘furo’ jornalístico do PÁGINA UM sobre o encontro nocturno entre o Chefe do Estado-Maior da Armada e o ministro da Defesa, Nuno Melo, num bar, em Lisboa.


Não há criatura mais fascinante que um guru urubu, essa figura moderna e versátil que povoa o mercado de opiniões e as antecâmaras do poder. Ora rapina, ora rasteja, ora saltita, mas nunca se esquece da sua natureza – sempre calibrado para bicar e a chafurdar em nome de quem lhe paga a conta.

É, afinal, um agente de comunicação do século XXI: um escultor de narrativas, um virtuoso da manipulação, e, por vezes, um malabarista das aparências. Um velhaco, que aparenta ser uma ave de rapina, mas, na verdade, só rapina. Porém, no caso em questão, o nosso ilustre guru urubu mostrou que, quando mordido por palavras que doem mais que o seu próprio bico, a compostura pode falhar como uma velha ponte ao vento.

Eis o caso: num cenário digno de crónica do absurdo, o guru da nossa estória – profissional de “construir imagens” para políticos de gestos tão firmes como gelatina e para empresários de ética tão rígida quanto um elástico – viu-se confrontado por uma sentença proferida pelo director do PÁGINA UM, que ousou nomeá-lo não guru urubu, como deveria, mas, chamando o ‘boi pelo nome’, o fez descer do topo dos brilhantes ares para a lúgubre aba de um calhau, dando-lhe epíteto de lacrau mercenário. Não que tal caracterização seja inaudita; é preciso dizer que a fauna comunicacional está repleta de sevandijas equivalentes, embora, eufemisticamente, os nomeiem com expressões mais cândidas, variando entre ‘spin doctor‘ e ‘traficante de influências’.

Desta vez, o veneno das palavras atravessou as espessas escamas do dito lacrau. O insulto, ao que parece, feriu-o como um espinho peçonhento, talvez porque, na sua infinita ironia, acertou o alvo com precisão cirúrgica. “Maldito negacionista!” – presumo que tenha gritado o guru lacrau antes de partir para o seu golpe final, que, convenhamos, foi menos de mestre e mais de aprendiz: bloqueio nas redes sociais. Ah, que doce vingança é esta de um clique, que elimina o adversário do horizonte digital como quem apaga uma mosca irritante com um peteleco. Mas, como em tudo na vida, o bloqueio tem o efeito de um ‘boomerang’: longe de silenciar, ainda causa mais vontade de amplificar o eco do conflito.

E que não se pense que o lacrau ficou apenas no bloqueio. A ofensa ainda latejava como artrose em dia de frio. Talvez o movimento dos ferrões o tenha deixado em dores crónicas, porque não só bloqueou, como decidiu, num raro ataque de prolixidade digital, lançar não um, mas dois posts inflamados sobre o PÁGINA UM.

A ironia, aqui, é tão espessa que quase pode ser cortada à faca: o lacrau, especialista em gerir crises de imagem, acaba ele próprio preso no turbilhão de uma crise que já não sabe controlar. Talvez por excesso de zelo, ou por uma confiança desmesurada no poder do seu ferrão.

Agora, sejamos justos: o lacrau mercenário não é figura recente na zoologia social. Desde os tempos de Roma, sempre houve aqueles que vendiam os seus talentos retóricos ao melhor licitador. Mas há algo de tragicómico no seu destino contemporâneo. Imagine-se: passou a vida a vender políticos e empresas aos média, a moldar manchetes e fabricar consensos. E agora, neste pequeno escândalo, vê-se desnudo perante a plateia pública, o veneno de outros a corroer-lhe a reputação que tanto cuidou em maquilhar.

O director do PÁGINA UM – chamado de “negacionista” por esta mesma criatura – sai incólume, exactamente porque não o conhece, o que só o abona por estar longe da peçonha. Afinal, ele não é feito de artifícios comunicacionais, mas de palavras, e estas são as armas que melhor maneja.

Resta perguntar, por fim: e se o director do PÁGINA UM o tivesse chamado de serpente venenosa em vez de lacrau mercenário? Seria o lacrau capaz de suportar tamanha metáfora? Ou morderia a própria língua, de tão enraivecido, selando assim o seu destino num ciclo irónico de auto-envenenamento?

Até breve, e um piparote.

Brás Cubas


N.D. O título Correio Mercantil é uma marca nacional do PÁGINA UM registado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. O autor desta crónica, Brás Cubas, é obviamente um pseudónimo, usado em exclusivo por Pedro Almeida Vieira, constituindo não uma homenagem ao fidalgo e explorador portuense do século XVI, que fundou a vila brasileira de Santos, mas sim a Machado de Assis e ao personagem de um dos seus mais famosos romances. Tal não deve ser interpretado como sinal de menor rigor na análise crítica que aqui se apresenta, independentemente do carácter jocoso, irónico ou, claro, sarcástico.


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