Em exclusivo para o PÁGINA UM, a directora de operações da Bluesky − a rede social ‘sensação’ que ganhou milhões de seguidores no último mês, após a vitória de Donald Trump nas presidenciais norte-americanas, − garantiu que a chave do sucesso está em dar prioridade aos utilizadores e não aos anunciantes. Rose Wang defendeu que os utilizadores gostam de ter ferramentas para poderem decidir que conteúdos veem. A jovem executiva de 33 anos explicou como uma equipa de apenas 20 pessoas está a gerir o crescimento da Bluesky que, dos 13 milhões de utilizadores que tinha no final de Outubro, passou a ter agora 23 milhões. Também falou sobre o conceito descentralizado, “aberto” e colaborativo desta rede social e defendeu a política de moderação de conteúdos da sua rede social, que funciona “por camadas”, com intervenção dos utilizadores. A privacidade dos dados também foi um dos temas abordados. Sobre o ‘concorrente’ mais directo, disse que “o X se tornou num grande megafone para um partido”.
É a ‘app’ sensação do momento entre as plataformas que operam redes sociais. Em apenas um mês, a Bluesky saltou dos 13 milhões de utilizadores para os 23 milhões. Parte do crescimento deve-se a migração de utilizadores que deixaram a rede X (ex-Twitter), de Elon Musk, descontentes pelo facto de o magnata ter ajudado o antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a regressar à Casa Branca, nas recentes eleições presidenciais que levaram à derrota da candidata democrata, Kamala Harris.
Rose Wang, 33 anos, é Chief Operating Officer (COO) da Bluesky, que nasceu como um projecto interno do Twitter. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, feita por videochamada, Rose Wang falou sobre como uma equipa de apenas 20 pessoas está a gerir uma plataforma de milhões de utilizadores. Também defendeu a política de moderação de conteúdos da Bluesky, que conta com diferentes “camadas”, em que utilizadores dispõem também de ferramentas de ‘moderação’.
A Bluesky é uma rede social descentralizada que foi pensada por Jack Dorsey, co-fundador do Twitter, com o objectivo de criar uma plataforma sem um controlo central. O projecto acabou por tornar-se autónomo e desvincular-se do Twitter, já na ‘era’ Musk. Mas Dorsey decidiu sair da Bluesky, em Maio deste ano, desencantado com o caminho que a rede social estava a seguir e acusou a Bluesky de estar a cometer os mesmos erros que o Twitter cometeu.
A Bluesky, que funcionava apenas por convite, começou a estar aberta a todos os utilizadores a partir de Fevereiro deste ano. Não vende os dados dos utilizadores a anunciantes e, no mês passado, anunciou que conseguiu um financiamento de 15 milhões de dólares (14.2 milhões de euros), através de uma operação financeira liderada por uma empresa de ‘venture capital’ ligada ao sector das criptomoedas.
Qual é o conceito da Bluesky? Qual é a filosofia da rede social?
A Bluesky é fundamentalmente diferente das outras plataformas de redes sociais porque somos uma rede social aberta, que coloca os utilizadores em primeiro lugar e dá às pessoas a possibilidade de escolha. O que é que isso significa exactamente? Estamos habituados a estar presos num algoritmo controlado por um pequeno grupo de pessoas. Não é o caso da Bluesky. Os utilizadores construíram cerca de 50 mil ‘feeds’, nomeadamente de gatos, mais de 200 ‘feeds’ sobre Taylor Swift e muitos outros que estão organizados cronologicamente ou com base naquilo que os seguidores estão a colocar ‘gostos’ (‘likes’). As possibilidades são infinitas. E quando se mistura com este feed, encontra-se um cantinho mais aconchegante para estar com pessoas com os mesmos interesses porque não existe um algoritmo único denominador que ou promove as publicações mais polarizadoras ou as publicações com mais ‘posts’ (‘threads’). Consegue-se interagir com pessoas reais e divertir-se e ter conversas, de novo.
Pensa que a Bluesky é a resposta que a Internet estava à procura, em termos de uma rede social mais descentralizada, porque os algortismos são um problema, tal como a publicidade e outros temas.
Penso que a Bluesky está a cumprir uma promessa do que uma rede social deveria ter sido desde o início. Se pensarmos no e-mail ou nas operadoras de comunicações móveis. Se estou no Gmail, consigo falar consigo no Yahoo!. Isso não acontece nas redes sociais. Se estou no Facebook, não consigo falar consigo no LinkedIn. É um jardim fechado entre paredes que é dono da sua identidade, tenta mantê-la na sua plataforma, não a deixa sair, porque despromovem ‘links’; as pessoas estão cansadas de um espaço [redes sociais] onde as suas prioridades não estão em primeiro lugar, onde as prioridades dos anunciantes estão primeiro. Porque são eles que estão a pagar pelo serviço. Portanto, é por isso que chegámos a um mundo em que existe tanta toxicidade, tanto discurso de ódio e tanta desinformação. Porque as empresas não são incentivadas para tornar a experiência melhor para o utilizador final. Apenas são incentivadas a tornar a experiência melhor para os anunciantes. Para a Bluesky, a nossa missão é dar prioridade ao utilizador, como nosso principal cidadão. Aquilo que procuramos é: está a divertir-se? Está a fazer amigos? Está mesmo a publicar posts? O que está a acontecer na Bluesky é fundamentalmente diferente do que o que está a acontecer no Twitter, ou X. Por exemplo, no X, 1% dos seus utilizadores publicam posts. Não são muitas as pessoas que estão a interagir com o resto da rede social. Na Bluesky, cerca de 30 das pessoas fazem publicações. Na última semana tivemos 1,5 milhões de publicações de pessoas por hora. Foi tão emocionante assistir a isso porque: ‘olha, esta é uma rede social onde podes tirar o filtro, em vez de seres uma versão menos autêntica de ti’. Não é preciso fazer isso na Bluesky. Pode-se auto-expressar e expressar partes de si, em comunidades mais pequenas e ‘feeds’ diferentes, onde não ser julgado, poderá fazer amigos e criar ligações de novo. Penso que é por isso que as pessoas estão a gostar da Bluesky.
Falou sobre desinformação. Quais é a vossa política, em termos de moderação de conteúdos? Há receios sobre se a Bluesky vai ser uma rede social que vai aplicar uma forte censura como a que assistimos, por exemplo, no Facebook e no antigo Twitter, onde vimos cientistas e investigadores proeminentes e até jornalistas a serem censurados. O que podemos esperar da Bluesky?
Moderação é governação. Se pensarmos nas redes sociais, a forma como a moderação funciona, o que vemos é um pequeno grupo de pessoas a tomar decisões sobre que conteúdos são autorizados ou não na plataforma, quem é permitido e não permitido na plataforma. Isso é ter muito poder. Nós somos mais inspirados na abordagem de uma governação baseada numa república democrática, onde existem camadas de governação. Quando alguém entra na ‘app‘ Bluesky, entra na nossa sociedade. Há outras sociedades; há o ‘Greysky’; pode construir a ‘Greensky’; ou a ‘Yellowsky’. Pode ter as próprias regras e uma Constituição própria. Quando entra na nossa Bluesky, temos os nossos termos de serviço e as regras de comunidade, que são como que a Constituição deste espaço, que o nosso director de Segurança e Confiança, Aaron Rodericks -, ex-responsável da equipa de ‘Elections Integrity’ no Twitter – gere implementa. A Constituição apenas protege contra desinformação, discurso de ódio, assuntos graves. Mas há muitos assuntos que não atingem esse nível de gravidade, como deepfakes, má-educação, informação especulativa que não é desinformação. Há uma zona cinzenta e é aí que demos ferramentas aos utilizadores para gerirem os seus espaços. Não é muito diferente do que se passa no Reddit, onde moderadores de comunidades também gerem sub-comunidades, mas apenas têm soluções manuais. O que fizemos foi melhorar essa experiência e dar ferramentas digitais aos utilizadores. Pode retirar todos os ‘spoilers’ de filmes na rede. E pode esconder todos os ‘spoilers’ de filmes. Ou política: algumas pessoas querem ver publicações de política; em alguns dias quer ver publicações de política e em outros não quer ver; há um filtro para isso que um utilizador criou. É isso que é bom na Bluesky: não tem de esperar por uma autoridade central, ou um centro de gestão, como nós, que vá fazer essas mudanças que a sua comunidade precisa. E é difícil porque somos uma equipa de 20 pessoas, provavelmente não conseguimos chegar a todos os assuntos. Se tem essas soluções, o utilizador pode decidir o que a sua comunidade precisa e outros utilizadores vão olhar para o seu feed e escolher subscrever a sua etiqueta de moderação. Essa é a promessa de uma república democrática.
Quantos utilizadores tem a Bluesky hoje? E com uma equipa de 20 pessoas; como é que estão a gerir toda esta atenção?
Temos cerca de 23 milhões de utilizadores na Bluesky, o que é muito emocionamente. Temos apenas 20 membros na equipa. Mas isto não é novo. Somos muito inspirados em equipas como as do Instagram e WhatsApp, antes de serem adquiridas. Eram equipas pequenas de 18 a 23 pessoas a servir centenas de milhões de utilizadores. Há um precedente. E há um benefício em ter uma pequena e forte equipa. Primeiro, temos muita experiência. Mencionei Aaron Rodericks. É importante que não se tenha pessoas que nunca trabalharam em empresas de redes sociais. E em equipas pequenas é mais fácil tomar decisões. Por isso, conseguimos agir tão rápido, como equipa. Temos uma coordenação apertada e caminhamos para o mesmo objective. É algo mais difícil de se fazer quando se tem uma grande equipa.
Mas precisa de mais servidores e há outro tema: tem muito mais conteúdo para moderar. É um crescimento enorme em tão pouco tempo.
Para nós, ao mesmo tempo, não é novo. No mundo ocidental, a app Bluesky entrou nos tops da App Store e está nas notícias. Mas vimos a Bluesky a crescer em outras partes do mundo. Quando tornámos a app pública (antes era por convite), em fevereiro deste ano, tivemos mais de um milhão de utilizadores japoneses. Quando o X foi banido no Brasil, este ano, tivemos mais de quatro milhões de brasileiros a vir para a Bluesky em poucas semanas. A equipa tem experiência com fases de grande crescimento. É por isso que a rede não registou períodos significativos de estar em baixo. Por isso, as pessoas continuam a divertir-se sem se sentirem inseguras, ao contrário de outras plataformas. A nossa equipa tem experiência e está pronta para mais.
E na Europa. Suponho que tenham também muitos utilizadores europeus e portugueses.
Temos muitos utilizadores europeus e portugueses, o que significa que tenho de ir a Portugal.
Definitivamente.
É emocionante para nós. Vemo-nos como uma plataforma global. Se vir a nossa equipa, vem de todo o mundo e é muito diversa, em termos de género e ‘raça’. A equipa reflecte a base de utilizadores que queremos ter na Bluesky, desde que tenha um diálogo gentil e saudável. É difícil gerir. A liberdade de expressão no Reino Unido é diferente do que é nos Estados Unidos. Os valores em diferentes países da União Europeia são ligeiramente diferentes. São este tipo de nuances que nos fazem quer dar ferramentas aos utilizadores para criarem o seu novo feed para servir a comunidade. Isto está a ressoar muito com os europeus, não há um controlo centralizado que garante que os anunciantes estão a ter um lucro maior.
E em relação aos regulamentos na União Europeia? Se continuam a crescer a esta ritmo, precisam ajustar-se a regras da União Europeia. Podem ajustar-se ou ainda têm tempo para se ajustar?
Vamos cumprir com as regras europeias. Houve uma notícia sobre haver uma regulação europeia que nós não cumpríamos, mas se ler a notícia, nenhum regulador tentou entrar em contacto com a Bluesky, só falaram com a imprensa, o que está bem. Se tivessem falado connosco, teríamos imediatamente feito essa mudança. Temos a total intenção de cumprir com as regras.
E quais são os vossos planos? Que novas funcionalidades que disponibilizar?
Sem dúvida. Olhamos sempre para o que as pessoas realmente precisam e o que está a acontecer na app. Penso que o motivo por que as pessoas estão a vir para a Bluesky é que não há outro lugar onde ir para ver notícias globais e de última hora de vários lados. O X tornou-se num grande megafone para um partido. O Threads despromove ligações da Internet e conteúdo político. A Bluesky está a fazer oposto: ‘venham, partilhem os vossos links aqui’. Mesmo a forma como o nome de utilizador funciona; pode-se usar um website como nome de utilizador porque é dono dessa identidade. Queremos mais notícias na Bluesky e vamos criar mais funcionalidades para que os media possam publicar. Parte disto é compreender o que está a acontecer. O Guardian anunciou hoje que o tráfego da Bluesky para seu jornal é duas vezes aquilo que vem do Threads. Isto na primeira semana na plataforma, com 300 mil seguidores. O tráfego nas notícias do Guardian é mais alto do que em qualquer semana de 202 no Twitter em 2024, onde tinha 10,8 milhões de utilizadores. Em geral, há muito mais interacção na Bluesky porque não se está preso a um algoritmo.
Então é uma boa plataforma para quem tem publicações?
Sem dúvida.
Como opera a Bluesky em termos de consentimento dos utilizadores sobre a utilização dos seus conteúdos para treinar inteligência artificial (IA)?
A Bluesky teve de escolher entre ter os dados públicos ou privados. A maioria das redes sociais escolheu dados privados, o que significa que são donos dos dados, estão a treinar os seus modelos de inteligência artificial com os dados dos utilizadores e estão a vender os dados privados a anunciantes. Queríamos sair desse mundo. Portanto fizemos uma plataforma aberta como o Reddit. É aberta como a Internet. Não somos donos dos seus dados, é o utilizador. E o utilizador é dono da sua identidade. Aquilo que estamos a tentar fazer é que seja o utilizador a expressar o seu consentimento sobre se as empresas de IA podem usar ou não os seus dados. Não podemos obrigar as empresas de IA a seguir o consentimento que você expressou, mas podemos dar-lhe, pelo menos, as ferramentas para poder expressar o seu consentimento. E esse é nosso primeiro passo nesse sentido.
Como definiria, em resumo, a Bluesky?
A Bluesky põe os utilizadores em primeiro lugar e isso significa que lhes estamos a dar escolha; podem escolher ‘feeds’ diferentes e podem conhecer pessoas reais e divertir-se, novamente, em comunidades.
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