Recensão: Nação Skinhead

As cabeças rapadas: das raízes ao ódio

por Ernesto S. Sousa // Novembro 28, 2024


Categoria: Cultura

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Título

Nação Skinhead

Autor

GEORGE MARSHALL (tradução: Flávio Gonçalves)

Editora

Libertária (Novembro de 2024)

Cotação

15/20

Recensão

A publicação de ‘Nação Skinhead’ (‘Skinhead Nation’, no original) em Portugal, pela editora independente Libertária, oferece uma oportunidade interessante para conhecer uma das subculturas mais controversas e polarizadoras da História Contemporânea. Escrita em 1994 por George Marshall – que, anos antes editara ‘Spirit of 69: a skinhead bible’, publicado em Portugal também pela Libertária no ano passado –, este livro é sobretudo, e em simultâneo, uma análise cultural e uma investigação sociopolítica, explorando as origens, as dinâmicas e a apropriação do movimento skinhead, frequentemente associado à extrema-direita e à violência. Ao mergulhar nas camadas históricas e sociais desta subcultura – que surge traduzido como “o cena”, Marshall desmistifica muitas percepções simplistas, proporcionando um retrato multifacetado que ainda agora permanece relevante.

Na verdade, apesar de o termo skinhead remeter agora, de imediato, para a violência e o racismo, a origem desta subcultura remonta ao final da década de 1960, no Reino Unido, quando jovens da classe trabalhadora adoptaram um estilo visual distintivo – botas Doc Martens, suspensórios e cabeças rapadas – como símbolo de identidade e resistência. A influência cultural era, originalmente, multicultural, com raízes no ska e no reggae jamaicano trazidos pelos imigrantes caribenhos, bem como no estilo mod britânico. Contudo, em particular nas décadas de 1970 e 1980, este movimento foi apropriado por grupos de extrema-direita e nacionalistas brancos, transformando-se em sinónimo de intolerância e violência.

Neste seu livro, George Marshall traça esta evolução de forma meticulosa, argumentando que a associação dos skinheads à extrema-direita não foi inevitável nem natural, mas sim resultado de um contexto social e político específico, marcado por crises económicas, desemprego e descontentamento generalizado. A falta de oportunidades e o colapso das comunidades da classe trabalhadora criaram o terreno fértil serem atraídos por organizações nacionalistas e claramente racistas, como o Front Nacional e o British Movement. O ódio racial, segundo Marshall, foi uma ferramenta para canalizar a frustração da juventude proletária, transformando-a numa força política reaccionária.

Um dos aspetos mais interessantes do ponto de vista sociológico desta obra é centra-se nas contradições internas deste movimento, que nunca foi homogéneo, sobretudo depois da sua linha principal derivar para o extremismo da direita. Enquanto grande parte dos skinheads abraçou ideais racistas e violentos, outros grupos, como os SHARP (‘Skinheads Against Racial Prejudice’), ainda hoje uma corrente existente em diversos países, lutavam para recuperar a subcultura das garras da extrema-direita.

A questão da violência é outro tema central neste livro que pode ser considerado desculpabilizante. Marshall salienta não ser possível dissociar a brutalidade de alguns skinheads do seu contexto social, designadamente desemprego, alienação e exclusão, e critica a forma como os media, ao pormenorizarem os incidentes violentos, reforçaram estereótipos negativos, ignorando as complexidades sociológicas do fenómeno.

Recorde-se que quando ‘Nação Skinhead’ foi publicado pela primeira vez, na década 90, levantou questões controversas que dividiam tanto a esquerda como a direita. Os críticos de esquerda acusaram Marshall de indulgência com um movimento que associavam exclusivamente ao racismo e ao autoritarismo, enquanto sectores mais conservadores viram esta obra como uma denúncia perigosa das suas estratégias de recrutamento e propaganda. Este clima de contestação, porém, destaca a relevância da obra como peça sociológica, exigindo assim aos leitores uma análise crítica e informada.

No contexto português, a tradução de ‘Skinhead Nation’, neste ‘Nação Skinhead’ oferece um contributo valioso para a compreensão de como subculturas podem ser apropriadas por ideologias extremistas. Embora o movimento skinhead em Portugal, mesmo contabilizando lamentáveis crimes, nunca tenha tido a mesma expressão que no Reino Unido, os paralelos com outros fenómenos sociais e políticos são evidentes, nomeadamente no que diz respeito à instrumentalização do descontentamento popular por parte de forças populistas e radicais.

Por isso mesmo, a importância desta obra de Marshall, mesmo num tema pouco aprazível, serve para que reflictamos sobre como crises económicas e sociais podem alimentar movimentos de ódio e divisão, sendo por isso mais do que uma obra sobre skinheads; antes investigação sobre a relação entre identidade, política e poder.

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