Quase três em cada 10 partos de nados-vivos no ano passado foram de mães com naturalidade estrangeira, mas um ‘olhar’ mais fino, realizado pelo PÁGINA UM a partir dos dados do Instituto Nacional de Estatística, revela que já há concelhos de grande dimensão onde esse peso é maioritário. Nos municípios de Sintra, Amadora e Odivelas, a maioria dos nascimentos registados em 2023 teve, como mães, mulheres naturais de países estrangeiros. É a primeira vez que tal sucede em concelhos que estão no top 10 dos mais fecundos. Este fenómeno tem vindo reforçar-se sobretudo nos últimos três anos, e com especial prevalência na Grande Lisboa e no Algarve. Na região Norte, no Alentejo interior e nas regiões autónomas o peso de nascimentos provenientes de mães ‘estrangeiras’ mantém-se ainda bastante baixo.
Uma realidade inédita em Portugal. No ano passado, os municípios de Sintra, Amadora e Odivelas – três dos concelhos que se encontram no top 10 dos mais fecundos do país – contabilizaram mais recém-nascidos cujas mães são de naturalidade estrangeira do que de naturalidade portuguesa. Além destes três municípios, também em Odemira, no Alentejo Litoral, e nos concelhos algarvios de Aljezur e Albufeira se registaram mais bebés de ‘mães estrangeiras’ (no sentido estrito de naturalidade, uma vez que podem ter adquirido a nacionalidade portuguesa). Esta é uma análise do PÁGINA UM aos dados históricos, desde 2011, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), sendo que a informação por município relativa ao ano de 2023 foi disponibilizada no final da passada semana.
Embora entre 2011 e 2019 se tenha observado esporadicamente concelhos pequenos com uma percentagem superior a 50% de bebés nascidos de mães naturais do estrangeiro – como em Porto Moniz, em 2015 e 2019, e no Corvo, em 2017 –, somente em 2020 surgiram mais casos em municípios de média dimensão. Por exemplo, em 2020 os municípios de Albufeira, Odemira e Aljezur tiveram mais bebés de mães ‘estrangeiras’ do que de mães ‘portuguesas’. Os dois últimos concelhos repetiriam a partir desse ano essa característica, que confirma os efeitos da imigração de população em idade fecunda, e em 2022 até tiveram a companhia novamente de Albufeira e também de Pedrógão Grande e também dos ‘pequenos’ Porto Moniz e Corvo.
Contudo, no ano passado, juntaram-se a este ‘clube’ concelhos de grande dimensão: Sintra (52,1% de nascimentos de ‘mães estrangeiras’), o segundo do país com mais nascimentos em termos absolutos (apenas atrás de Lisboa); Amadora (56,2%), que está na quinta posição, e ainda Odivelas (50,6%), que é o oitavo. No entanto, em termos percentuais, Aljezur foi em 2023 o município de Portugal com o maior fluxo de nascimentos de mães naturais de país estrangeiros com 64,6% do total, seguindo-se Odemira (63,3%) e Albufeira (63,0%).
Em concreto, no concelho da Amadora nasceram mais 249 crianças de mãe não-autóctone em comparação com bebés de mães naturais de Portugal (1.135 vs. 886), enquanto em Sintra a diferença foi de 186 (2.267 vs. 2.081) e em Albufeira foi de 139 (337 vs. 198). Nos outros três concelhos, a diferença absoluta foi mais pequena: em Odemira de 73 (174 vs. 101), em Odivelas apenas de 20 (921 vs. 901) e em Aljezur de 19 (42 vs. 23).
O surgimento de mais nascimentos de crianças de mães ‘estrangeiras’ decorre do aumento da imigração, que tem registado crescimentos significativos nos últimos anos, sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa. Entre 2011 e 2018, a percentagem de nascimentos provenientes de mães de naturalidade estrangeiras variou entre 16% e 19%, tendo atingido os 20% em 2019, ou seja, um em cada cinco nascimentos. Mas em 2022 e 2023 houve saltos significativos, que justificam que o saldo natural em Portugal seja agora positivo. Os municípios da Grande Lisboa e Península de Setúbal concentraram, em 2023, 51,6% dos nascimentos de bebés cujas mães tinham naturalidade de países estrangeiros.
Em 2022, no território nacional, contabilizaram-se 20.464 bebés nascidos de mães com naturalidade estrangeira, representando já 24,5%, e no ano passado subiu para 25.034 nascimentos, significando 29,2% do total. Em apenas dois anos, entre 2021 e 2023, o número de recém-nascidos de mães não-autóctones aumentou quase em oito mil, com o peso relativo a crescer 7,7 pontos percentuais. Se se considerar o ano base de 2014, ou seja, a última década, os partos de nados-vivos com mães de naturalidade estrangeira cresceram 85%. passando de 13.549 para 25.034.
A Grande Lisboa, englobando a Área Metropolitana de Lisboa e a Península de Setúbal, foi, sem dúvida, o grande contribuidor. Se bem que o peso relativo de nascimentos de mães ‘estrangeiras’ tenha sido, entre 2011 e 2017, sempre bem acima da média nacional, somente em 2018 ultrapassou os 30%, mas em 2022 já atingiu os 37,5%, ultrapassando mesmo dos 44% no ano passado. Por exemplo, no município de Lisboa, em 2023 contabilizaram-se 2.270 nascimentos de mães ‘estrangeiras’ e 3.776 de mães de naturalidade portuguesa, ou seja, 40,2% do total dos recém-nascidos vieram ao mundo de mães não-autóctones.
Mas além de Lisboa e dos seis municípios já destacados (Aljezur, Odemira, Albufeira, Amadora, Sintra e Odivelas), encontra-se mais 18 concelhos que ultrapassam a fasquia dos 40%: Lagos (49,6%), Barreiro (48,8%), Vila do Bispo (48,1%), Seixal (46,9%), Monção (46,2%), Loulé (45,7%), Moita (45,0%), Loures (44,8%), Portimão (44,0%), Almada (43,7%), Valença (42,9%), Entroncamento (42,9%), Cascais (42,8%), Montijo (42,1%), Penela (41,7%), Vila Velha de Ródão (41,2%), Tavira (40,6%), Rio Maior (40,3%).
O fenómeno do aumento da prevalência dos nascimentos provenientes de mães não-autóctones não tem sido homogéneo, subsistindo ainda grandes diferenças regionais, e espelhando distintas dinâmicas económicas, sociais e demográficas. Enquanto a Área Metropolitana de Lisboa, a Península de Setúbal e o Algarve registam percentagens elevadas de mães de naturalidade ‘estrangeira’, outras regiões, sobretudo, a Norte e nas regiões autónomas apresentam um peso muito mais baixo.
Com efeito, na região Norte, nenhuma das sub-regiões ultrapassa os 25% de bebés nascidos de mães ‘estrangeiras’, sendo esta percentagem particularmente baixa no Tâmega e Sousa (7,1%) e no Ave (13,7%). No entanto, como acima referido, destacam-se os valores elevados de Monção e Valença, devido à vizinhança com a Galiza. Estes valores heterogéneos reforçam o perfil mais homogéneo destas áreas, onde predominam mães de naturalidade portuguesa. Outras sub-regiões do Norte, como o Cávado (20,6%) e a Área Metropolitana do Porto (18,3%), situam-se ligeiramente acima dos valores mais baixos da região, mas ainda distantes de outras partes do país com maior diversidade.
Aliás, de entre os 10 concelhos portugueses com mais nascimentos em 2023, os dois da região Norte (Vila Nova de Gaia e Porto), estão abaixo da média nacional no que diz repito à mães não-autóctones, com 21,1% e 28,7%, respectivamente, ou seja, abaixo média nacional. Os restantes oito concelhos, todos da Grande Lisboa, tiveram valores acima dos 40%, com Sintra, Amadora e Odivelas acima dos 50%, como já salientado.
No Centro, a percentagem de bebés nascidos de mães de naturalidade ‘estrangeira’ foi já mais elevada no ano passado em comparação ao Norte, embora permaneça ainda moderada. Com exceção das Beiras e Serra da Estrela (17,9%), todas as sub-regiões apresentaram valores entre 20% e 30%. O destaque vai para a Região de Leiria, que regista o maior valor da região Centro, com 29,8%, um pouco acima da média nacional.
As regiões que concentram os valores mais elevados de nascimentos provenientes de mães estrangeiras são a Área Metropolitana de Lisboa (44,5%), a Península de Setúbal (41,4%) e o Algarve (42,2%). Estas três áreas, que lideram a tabela nacional, são destinos preferenciais para comunidades migrantes, quer pelo dinamismo económico, quer pela oferta de emprego em sectores como turismo, construção civil e serviços. Estes números confirmam o papel fundamental da imigração para a renovação populacional nestas regiões.
No Alentejo, os valores são, em geral, bastante baixos, com três das quatro sub-regiões a registarem percentagens inferiores a 20%. No Alto Alentejo, apenas 13,3% dos bebés nasceram de mães estrangeiras, enquanto no Alentejo Central o valor é de 18,5%. O Baixo Alentejo também se situa em patamares modestos, com 16,3%.
A excepção notável é o Alentejo Litoral, onde a percentagem sobe para 25,9%, fruto da relevância crescente da imigração laboral, sobretudo em atividades agrícolas, ao longo da última década. O concelho de Odemira é o principal responsável: no ano passado, apenas 101 dos 275 bebés naturais daquele concelho nasceram de mães de naturalidade portuguesa.
As regiões autónomas ilustram um cenário demográfico peculiar. Os Açores são, aliás, a região com menor peso de bebés nascidos de mães ‘estrangeiras’, registando apenas 5,1% do total, enquanto na Madeira se cifrou nos 19,2%, um valor significativamente abaixo da média nacional.
Estes dados reforçam que as disparidades na naturalidade das mães são uma manifestação clara das dinâmicas económicas e sociais de cada região. Se os municípios dos distritos de Lisboa, Setúbal (sobretudo a norte do Sado) e Faro evidenciam o impacto direto da imigração na estrutura demográfica, observa-se noutras, como o Norte interior e os Açores, perfis populacionais mais tradicionais, com menor diversidade nas origens das mães.
Esta geografia da maternidade, saliente-se, não permite aferir a nacionalidade das mães nem a naturalidade ou a nacionalidade dos pais, pelo que não se mostra possível retirar quaisquer conclusões sobre graus de miscigenação ou sobre a composição multicultural das famílias. Além disso, a ausência de dados sobre a origem dos pais limita a compreensão das dinâmicas familiares em termos de mobilidade e integração social, restringindo a análise a uma perspectiva exclusivamente centrada nas mães.
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