Norte-americanos engolem mais aditivos tóxicos do que os europeus

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Elisabete Tavares|28/11/2024

Comida de ‘plástico’ é uma expressão para ser levada à letra no que toca a alimentos que contêm aditivos sintéticos nefastos. E mais ainda nos Estados Unidos, onde a Food and Drug Administration (FDA) tem sido mais permissiva do que a congénere europeia, a European Safety Food Authority (EFSA), autorizando ainda o uso de aditivos já proibidos ou restritos nos países da União Europeia. O tema do uso excessivo de aditivos, incluindo alguns cancerígenos, na alimentação saltou para a ‘mesa’ com a campanha eleitoral às presidenciais nos Estados Unidos, pela ‘mão’ de Robert F. Kennedy Jr, que há muito defende políticas regulatórias mais fortes e mais protectoras da saúde dos norte-americanos, tanto na alimentação como na Medicina, exigindo mais estudos científicos independentes.


Pela boca morre o peixe, já diz o ditado. No caso dos alimentos processados, a doença ou a morte do ‘peixe’ vai depender se ele vive em águas europeias ou norte-americanas. É que a “Ciência” parece dizer coisas diferentes aos reguladores de em ambos os lados do Atlântico, no que toca a autorização que é dada para que determinados aditivos possam ser usados em alimentos comuns, como cereais de pequeno-almoço, doces e refrigerantes. Alguns aditivos autorizados na indústria alimentar nos Estados Unidos são proibidos na União Europeia.

Há aditivos controversos para todos os gostos: dos corantes artificiais, ao aspartame, gordura transgénica, xarope de milho rico em frutose, benzoato de sódio, nitrato de sódio e o glutamato monossódico (o sal sódico do ácido glutâmico, ou MSG).

supermarket, fridge, produce
Foto: D.R.

Este tema tem estado, de novo, no centro das atenções devido a Robert F. Kennedy Jr, um defensor da transparência regulatória nos alimentos e medicamentos, e que desistiu da candidatura na corrida à Casa Branca a favor de Donald Trump, que acabou por ser eleito. Trump retribuiu, entregando a ‘pasta’ da Saúde nas mãos do sobrinho de John F. Kennedy, antigo presidente dos Estados Unidos assassinado em 1963. Difamado pela imprensa mainstream, que o acusa de ser ‘anti-vacinas’, Kennedy defende que haja um procedimento mais rigoroso na testagem de vacinas e também é a favor da proibição nos Estados Unidos de certos aditivos alimentares, que foram banidos em outros países, nomeadamente pelos danos que podem causar em crianças, designadamente problemas de hiperactividade e défice de atenção e asma.

Nos Estados Unidos, o regulador, a Food and Drug Administration (FDA), opta por uma filosofia diferente da União Europeia (UE), onde prevalece a precaução e uma política regulatória mais restritiva, com a condução de testes, embora não sendo uma regulação perfeita, como se vê pelos controversos aditivos que ainda são permitidos no espaço europeu. Por outro lado, é sabido que na terra do tio Sam, as pressões dos lobbies de multinacionais da indústria alimentar têm mais peso, ou não fossem também financiadores de partidos e candidatos nas diversas eleições.

São diversos os aditivos suspeitos de serem nocivos para a saúde que são permitidos nos Estados Unidos mas não autorizados na Europa e outros países. É o caso da azodicarbonamida (ADA), que está ligada a problemas do foro respiratório e se suspeita que possa provocar cancro. O químico é muito usado na produção de plásticos espumados, designadamente colchões para a prática de yoga. Nos Estados Unidos, ainda é utilizado na indústria de panificação e em massas, sendo adicionado às farinhas como agente oxidante e no pão aumenta a elasticidade da massa, conferindo-lhe assim um maior rendimento.

Os cereais de pequeno-almoço Froot Loops, da Kellogs, contêm colorantes naturais na Europa e quatro colorantes artificiais nos Estados Unidos. Os cereais de cor azul não se encontram em alguns países, por não existir colorante natural para o efeito. / Foto: D.R.

Outro caso é o do óleo vegetal bromado (BVO), um emulsionante e estabilizador em refrigerantes com um sabor cítrico, que foi proibido na União Europeia por receios sobre a acumulação de bromo no corpo humano e eventuais efeitos tóxicos. Nos Estados Unidos, a FDA propôs o fim do uso do químico no país, embora ainda se encontre em alguns alimentos processados.

Na alimentação animal, na EU foi banido o uso de ractopamina, uma hormona de crescimento, devido a preocupações pelo bem-estar animal e possíveis efeitos nefastos na saúde humana. Nos Estados Unidos, o uso desta hormona de crescimento é permitido e não é exigido que seja incluída uma referência nas etiquetas dos produtos que chegam aos consumidores.

Alguns corantes artificiais usados em bebidas, doces, snacks e outros tipos de alimentos processados têm de incluir avisos nas etiquetas em países da União Europeia, nomeadamente por poderem causar défice de atenção e hiperactividade em crianças. Os corantes alimentares sintéticos são mais baratos do que os corantes naturais. Nos Estados Unidos, é comum encontrarem-se alimentos processados nas prateleiras dos supermercados, nomeadamente cereais de pequeno-almoço, refrigerantes e doces contendo corantes artificiais. O mesmo acontece em produtos vendidos em populares cadeias de ‘fast food’. Já nos países europeus e no Canadá, os mesmos produtos são produzidos com corantes naturais.

Outro exemplo, são os conservantes BHA e BHT, usados como intensificadores de sabor. São comuns em salsichas, pastilhas elásticas, batatas fritas, óleos vegetais e cosméticos. Na Europa, são autorizados em alguns casos, como nos cosméticos e elixires orais, mas há suspeitas de serem cancerígenos. Nos Estados Unidos, são autorizados e fazem parte de muitos bens alimentares processados presentes diariamente nas mesas dos norte-americanos. Estão presentes em populares cereais de pequeno-almoço, pizzas congeladas, preparados para fazer bolos e batatas fritas.

Foto: D.R.

O dióxido de titânio também se encontra proibido na Europa. Nos Estados Unidos continua a ser usado em pastilhas elásticas, doces, queijos, molhos, doces, bebidas alcoólicas e diversos alimentos processados.

Já a somatotropina bovina, uma hormona sintética para aumentar a produção de leite nas vacas, encontra-se em produtos como iogurtes, manteigas, queijos e gelados. Na Europa, não é permitida e, nos Estados Unidos, algumas grandes marcas excluíram leite proveniente de vacas tratadas com a hormona dos seus produtos.

Quanto ao uso de nitritos e nitratos, a Comissão Europeia reduziu, em 2023, os limites para uso de nitritos e nitratos como aditivos alimentares, normalmente usados na conservação de produtos cárneos curados, no âmbito do Plano Europeu de Luta contra o Cancro. Em causa está o uso do nitrito de potássio (E 249), do nitrito de sódio (E 250), do nitrato de sódio (E 251) e do nitrato de potássio (E 252). Trata-se de substâncias que são utilizadas há décadas na Europa como conservantes carne, peixe e produtos à base de queijo. Mas a presença de nitritos e nitratos nos géneros alimentícios pode dar origem à formação de nitrosaminas, algumas das quais são cancerígenas. Nos Estados Unidos, há uma maior pressão para a manutenção do uso das substâncias.

Outro exemplo, é o caso do propilparabeno, um conservante usado para controlar o crescimento de fungos, bactérias e bolores, foi banido dos produtos alimentares na União Europeia, após uma recomendação da EFSA, mas é usado no outro lado do Atlântico.

Por fim, a UE impõe restrições ou proíbe organismos geneticamente modificados (OGM) devido a preocupações ambientais e de saúde, enquanto nos EUA se autoriza o uso generalizado de OGM na agricultura.

black and red cherries on white bowl

A maior abertura dos Estados Unidos quanto ao uso de aditivos alimentares pode explicar, em parte, a epidemia de obesidade no país, que gera ‘memes’ na Internet e faz já parte da imagem que outros países têm dos norte-americanos. Afinal, a ‘terra das oportunidades’ é também um ícone da sociedade capitalista e da busca do lucro. Tornar a América saudável de novo (‘Make America Healthy Again-MAHA’), o ‘slogan’ de Robert F. Kennedy Jr., pode ser alvo de troça pela imprensa convencional e pelos adversários políticos de um dos homens-chave na nova administração Trump. Ou pode dar-se o caso de a Europa estar errada e precisa de autorizar mais aditivos suspeitos de serem cancerígenos à alimentação dos europeus.

Seja na Europa ou nos Estados, o certo é que quando o lucro, e o uso de aditivos sintéticos que são mais baratos, se sobrepõem aos interesses de saúde e bem-estar dos consumidores, não é só um problema político e de regulação. É de todos.


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