Recensão: A infância e juventude dos reis de Portugal

Os pequeninos que torceram um reino

por Elisabete Tavares // Novembro 28, 2024


Categoria: Cultura

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Título

A infância e juventude dos reis de Portugal

Autor

SÉRGIO LUÍS DE CARVALHO

Editora

Livros Horizonte (Outubro de 2024)

Cotação

17/20

Recensão

Sendo um dos mais qualificados e profícuos romancistas e divulgadores de História, Sérgio Luís de Carvalho é um mestre na arte de contar estórias. Em ‘A infância e a juventude dos reis de Portugal’, os leitores serão transportados para um fascinante e, por vezes, tumultuoso mundo dos príncipes e princesas que marcaram o rumo do nosso país. Mas não são contos de fadas.

Longe de uma abordagem académica ou árida, Sérgio Luís de Carvalho oferece uma narrativa viva, didáctica e deliciosamente anedótica, em muitos casos, que alia rigor histórico a um estilo leve e acessível. Com uma curiosidade quase insaciável, com apartes deliciosos e a propósito, e uma escrita desenvolta e cativante desde a primeira página, este livro é um verdadeiro deleite para quem deseja conhecer os ‘bastidores’, em alguns casos escandalosos ou doentios, da outrora Monarquia portuguesa.

Percorrendo as infância e juventude dos futuros monarcas e suas famílias, o livro vai iluminando os caprichos, as arbitrariedades e as peculiaridades que moldaram não apenas os seus destinos, mas também os do reino. É um retrato humano, por vezes divertido, outras vezes chocante, daqueles que, por nascimento ou desígnio, assumiram o trono e marcaram os rumos de Portugal. As histórias destes príncipes e princesas revelam-se cheias de contradições: entre o esplendor e o grotesco, o privilégio e o sacrifício, a inteligência e a insensatez.

Sérgio Luís de Carvalho estrutura o livro de forma meticulosa, organizando os capítulos por monarca e oferecendo ao leitor a liberdade de escolher por onde começar. O índice, que apresenta os reis pelos seus cognomes — como ‘D. Pedro I, o príncipe destrambelhado’, ‘D. Sebastião, o príncipe alienado’ ou ‘D. João V, o príncipe galante’ —, já antecipa o tom despretensioso e quase irónico da narrativa.

Esta escolha editorial é, aliás, um convite à leitura não-linear, permitindo que o leitor explore as personalidades mais fascinantes ou as histórias mais curiosas de acordo com o seu interesse.

A riqueza de detalhes é notável, fruto do extenso trabalho de investigação, que se baseia tanto em crónicas antigas como em análises modernas. Sérgio Luís de Carvalho apresenta os príncipes e princesas com uma imparcialidade que não tenta desculpar os seus erros, mas também não os reduz a caricaturas simplistas. Assim, conhecemos D. Pedro I, cujas paixões e vinganças o tornaram uma figura tão fascinante quanto controversa; D. Sebastião, cuja obsessão pela glória e religiosidade beirava a alienação; D. João V, que, entre festas e conquistas amorosas, simbolizava o apogeu e os excessos do barroco português; e D. Pedro IV, cuja vida dividida entre Portugal e o Brasil o tornou uma das figuras mais complexas e enigmáticas da nossa história.

Mas não é apenas o conteúdo que cativa: o estilo de Sérgio Luís de Carvalho é uma das maiores virtudes do livro. A sua escrita combina leveza e profundidade, didactismo e humor. Mostra bem como captar a atenção do leitor – não se tivesse ele dedicado a ser professor do ensino secundário –, seja através de uma anedota curiosa, seja por meio de uma reflexão mais séria sobre o contexto histórico.

A violência, os desmandos e a opulência que marcam muitas dessas histórias não são romantizados, mas apresentados como parte integrante de uma realidade histórica muitas vezes desconcertante.

Apesar do carácter lúdico deste livro, Sérgio Luís de Carvalho também nos oferece uma reflexão implícita sobre a natureza do poder e a formação das elites. Ao explorar como as infâncias e juventudes muitas vezes arbitrárias e traumáticas moldaram os futuros monarcas, o autor lança luz sobre os mecanismos que perpetuavam (e, em alguns casos, ainda perpetuam) as desigualdades e os privilégios. Não se trata apenas de reviver episódios pitorescos ou dramáticos, mas também de compreender as forças sociais e políticas que moldaram a História de Portugal.

Para os leitores contemporâneos, ‘A infância e a juventude dos reis de Portugal’ é também uma oportunidade de olhar para os bastidores da monarquia com o mesmo fascínio que hoje as revistas cor-de-rosa dedicam às casas reais da Europa. No final, fica sobretudo um retrato humano, um mosaico de vidas extraordinárias e, muitas vezes, contraditórias. E Sérgio Luís de Carvalho consegue transformar o que poderia ser apenas um inventário cronológico de príncipes e princesas num relato fascinante e acessível, que diverte e ensina ao mesmo tempo. Uma leitura obrigatória para os apaixonados pela História de Portugal e para todos os que desejam descobrir os traços humanos por debaixo das coroas.

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