Hoje, na rubrica ‘Caderno dos Mundos’, uma reportagem de Rui Araújo, publicada no jornal Semanário na edição de 23 de Julho de 1988, sobre José Manuel, 30 anos, casado, três filhos, canalizador, montador de andaimes e agora réu por injúrias e desobediência à Autoridade.
TARDE DE TIROS
José Manuel, 30 anos, casado, três filhos, canalizador, montador de andaimes e agora réu por injúrias e desobediência à Autoridade.
Versão da PSP
(AUTO DE NOTÍCIA)
«Sai daí, palhaço! Manda andar esta merda!» Perante tal fraseado, aconselhei o réu a mudar a sua compostura. Só que o mesmo, em vez de se moderar, repetiu as mesmas frases e ainda acrescentou: «Vai para o c… , que é o que tu queres!» Em face disso, mandei-o encostar, mas o mesmo não só não parou como acelerou a viatura passando pela minha esquerda em grande velocidade, ao mesmo tempo que gesticulava frases imperceptíveis.»
Perante tal atitude movemos-lhe perseguição, alcançando-o. Colocando-me ao lado do veículo, voltei a ordenar que parasse a viatura. Este disse a seguinte frase: «Eu paro mas é o c…».
Fizemos todas as tentativas em vão. Tivemos de abandonar aquela posição para não sermos colhidos. Em vez de afrouxar ainda acelerava mais. Optei por fazer um disparo de pistola para o ar com o intuito de intimidar, mas, como isso não aconteceu disparei mais três tiros para os pneus não acertando em nenhum deles. O mesmo prosseguiu a fuga só vindo a parar 500 metros mais à frente por não ter onde passar devido a um congestionamento do trânsito por motivo da ocorrência de um acidente de viação. Uma vez imobilizado, o condutor foi instado a facultar a documentação referente a si e à viatura, ao que respondeu: «Tenho-os aqui, mas não os dou a merdas como vocês! Nem saio de dentro do carro.» Assim, dei-lhe voz de detenção. Uma vez nesta Divisão de Trânsito, o detido foi submetido ao teste alcoolémico onde acusou 3,8 gr de álcool por litro (NOTA: Limite legal é de 0,49 gr/l).»
Versão do réu
— Eu vou de carro. O polícia manda-me parar ali na Rotunda, mas quando olho para o meu lado direito verifico que estão ali parados autocarros. Levo o meu vidro a meio. Também penso que não é para mim. Continuo a andar. Com as motas atrás. Deixo-as andar. Sem dizer patavina. Mandam-me encostar. Chego a determinado sítio e eles começam a atirar tiros. Aí, paro. Conforme eu paro, abrem-me a porta do carro e sacodem-me cá para fora. Agarro-me ao braço desse agente que ia a cair também, mas vem o outro. Agarra-me, dá-me com o joelho nas «partes», amanda-me um murro na cara, passa-me as algemas, põe-me dentro do carro patrulha e leva-me para baixo. Lá, conversei com eles porreiramente. Se eu não tivesse bebido, não tinha dito nada. Eu até sou um gajo que anda na estrada… E obedeço sempre às patrulhas. Até à data de hoje nunca levei uma multa.
Versão do tribunal
(SENTENÇA)
«Houve crime de desobediência e injúrias. Como os agentes da PSP declaram não desejar procedimento pelas palavras injuriosas, o réu vai condenado em 40 contos (200 euros) de multa ou, em alternativa, 36 dias de prisão.»
Reportagem originalmente publicada no jornal Semanário, na edição de 23 de Julho de 1988.
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