Quando nasceu Odete, a mãe colocou-a numa cesta junto à máquina de costura. Embalada pelo som ritmado do pedal, a menina cresceu sem conhecer outra realidade. Da cesta passou para uma cadeira de criança trazida de um passeio a Reguengos. Foi nela que aprendeu a dar os primeiros pontos. Dali observava a mãe a tirar as medidas das clientes, a talhar e alinhavar os modelos, a experimentar e fazer os últimos ajustes. A mãe dizia que gostava que a menina tivesse outra vida. Que não ficasse ali presa na casa de fora, a ver o mundo passar na rua. Mas Odete cedo revelou ter mãos de fada. A chegada da segunda máquina, comprada a prestações na Singer, foi uma espécie de diploma. Primeiro em dupla, depois sozinha, Odete trabalhou grande parte da sua vida como modista.
Mas chegou o pronto-a-vestir. Abriram lojas modernas um pouco por toda a cidade. Os vestidos da moda estavam agora à mão de semear. Odete já pouco podia mostrar da sua arte. Vivia de fazer pequenos arranjos. Ganhava bem. Mas o trabalho não brilhava. Os clientes eram desconhecidos com os quais poucas palavras trocava. Dias, meses, anos, sentada a uma máquina que agora era elétrica. Um rádio. Um pequeno cão peludo, sonolento, enrolado sobre a velha cadeira alentejana. O sol a bater-lhe no focinho tranquilo. Entre bainhas, botões e fechos, Odete encontrava tempo para fazer peças que mostravam a sua destreza e talento. Pendurava-as na porta de reixa, viradas para rua. Entre elas, um talego de cores vibrantes saltava à vista. As pessoas passavam, paravam, perguntavam o preço:
– Esse não está à venda. – respondia Odete.
– Que pena! Tão bonito. – comentavam.
Odete sabia disso. Era justamente essa a razão pela qual não o vendia. Para que admirassem a sua habilidade. Depois, regressava o silêncio.
Certo dia, uma turista curiosa parou a admirar o talego. Quis saber o que era, para que servia. Odete, entusiasmada com a conversa, respondeu-lhe elevando cada vez mais a voz:
– TA-LE-GO! É PA-RA PÔR O PÃ-O! TA-LE-GO!
A turista enfiou a mão no saco e repetiu sorridente:
– TA-LE-GO! PÃ-O!
Mas no fundo do talego, não foi pão que encontrou. Foi um brinco de ouro. Espantada, entregou-o a Odete que o rejeitou. Não era dela. A turista voltou a meter a mão no talego e encontrou o par do brinco.
Passados dias, uma outra mulher que parou para ver o talego retirou de lá de dentro um cordão de ouro de duas voltas. Odete insistiu que ficasse com ele. Não lhe pertencia.
Cedo correu a notícia pela cidade. As pessoas começaram a passar com mais frequência àquela porta. Primeiro vinham a medo, disfarçadamente. Como quem não quer a coisa. O talego nunca desiludia. Não havia por esses dias quem não se lembrasse de vir cumprimentar diariamente a Odete. Passado algum tempo, tinha tantos amigos que a fila se formava durante a madrugada. Quando abria a porta para pendurar o objeto, todos se apressavam a tentar a sua sorte e já nem se davam ao trabalho de lhe dar os bons-dias. Pelo contrário. Reclamavam. Insurgiam-se:
– O que custava ao raio da velha deixar aqui o saco durante a noite?
Tiravam o que queriam e iam embora. Até que um dia, ao chegarem à porta, encontraram o talego virado do avesso. Metiam as mãos e nada. De um lado. Do outro. Nada. Não podiam acreditar. Bateram tão violentamente à porta que a arrombaram. Invadiram a casa para exigir explicações. Mas não encontraram a costureira. Estava tudo nos sítios do costume, menos ela e o cão. Nunca souberam que numa tarde de inverno, cansada das dores do reumático que há muito lhe davam que fazer, Odete resolveu meter a mão dentro do talego na esperança de encontrar uma pomada que a aliviasse. Mas o que de lá saiu foi um cartão dourado. Odete Mendonça diziam as letras em relevo. Não havia dúvidas de que era para ela.
Há quem diga que a viu deitada numa espreguiçadeira, com o seu Pompom ao lado, a beber água de coco, em Copacabana.
Sílvia Quinteiro é professora da Universidade do Algarve
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