Os gerentes da Trust in News (TIN), dona das revistas Visão e Exame, não vão ficar à frente do processo de insolvência do grupo de media, mas esta nem é uma má notícia para os trabalhadores do grupo de media pertencente ao ex-jornalista Luís Delgado. Pelo contrário, o seu afastamento, hoje decretado pelo Tribunal de Sintra, abre portas à possibilidade de venda de 16 títulos da imprensa portuguesa a outros investidores, com a ‘vantagem’ de poderem ser comprados sem quaisquer dívidas, embora com o poder de reajustamento das redacções. Este é mais um episódio de uma crise financeira num grupo de media, que começou a ser denunciada pelo PÁGINA UM em Julho do ano passado após detectar dívidas de milhões ao Fisco e à Segurança Social permitidas pelo Governo socialista. A Trust in News nunca esteve na lista de devedores do Estado mesmo se os ‘calotes’ se iniciaram logo após a compra em 2018 dos títulos à Impresa, do grupo de Francisco Pinto Balsemão, que se livrou de autênticos ‘activos tóxicos’. Luís Delgado arrisca agora, além de condenações por abuso de confiança fiscal, a ser processado por falência fraudulenta. E o Estado vai perder mais de 15 milhões de euros.
À primeira vista, a declaração de insolvência da Trust in News (TIN) parece ser um acontecimento negativo, mas, na realidade, com a decisão de nomeação de um administrador judicial, hoje decretada pelo Tribunal de Sintra, esta situação será o melhor que podia ter acontecido, tanto para as revistas do grupo de media como para os trabalhadores, que já registam salários em atraso. Isto porque, sem Luís Delgado, o proprietário único da TIN e que levou ao colapso financeiro da empresa com dívidas colossais acumuladas, fica aberta a porta para a venda a terceiros das publicações, sem dívidas, permitindo a manutenção de, pelo menos, alguns dos postos de trabalho.
Tal como o PÁGINA UM já tinha avançado, Luís Delgado, dono da TIN, e os dois outros gerentes da empresa unipessoal não tinham condições para ficar a gerir a insolvência do grupo. Além de não terem cumprido com pagamentos ao Fisco e à Segurança Social durante as negociações do Processo de Especial de Revitalização (PER) – que, por esse motivo, acabou ‘chumbado‘ -, os gerentes da TIN foram já condenados a pena de prisão de dois anos e meio de prisão na primeira instância, com a sentença confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Os gerentes da TIN ficaram com pena suspensa por cinco anos mas só se pagassem a dívida ao Fisco que levou à condenação, que era uma pequena parte (cerca de 850 mil euros) do total acumulado desde 2018. Recorde-se que o grupo apresenta dívidas de 30 milhões de euros, sendo que mais de metade são ao Fisco e à Segurança Social.
A sentença de declaração de insolvência foi hoje anunciada publicamente pelo Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra, estando disponível no Portal Citius. A juíza Diana Rute Campos Martins, nomeou de imediato André Fernando de Sá Correia Pais como administrador da insolvência, contrariando as pretensões de Luís Delgado, que desejava administrar o processo.
Agora, em princípio será aprovado um Plano de Insolvência, com vista ao pagamento dos créditos, pressupondo a liquidação dos activos e a sua repartição pelos credores, que são muitos, sendo que o Estado tem a primazia. Este Plano pode ser apresentado pelo administrador da insolvência, pela gerência da TIN e por credores que representem um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos. É mais do que certo de que muitos dos activos apresentados pela TIN nas suas contas não terão os valores contabilísticos atribuídos, como é o caso dos títulos (mais de 10 milhões de euros) e da rubrica ‘Outras contas a receber’ (mais de 14 milhões de euros). A juíza também agendou para o dia 29 de Janeiro, às 11:00 horas, a realização da reunião de assembleia de credores de apreciação do relatório. Os credores, designadamente trabalhadores do grupo de media, dispõem de 30 dias para apresentar uma reclamação de créditos junto do administrador da insolvência.
No edital com a sentença, está explícito que “ficam advertidos os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados, deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao próprio insolvente”. Também “ficam advertidos os credores do insolvente de que devem comunicar de imediato ao administrador da insolvência a existência de quaisquer garantias reais de que beneficiem.
A sentença que declarou a TIN insolvente pode ser ainda alvo de recurso, no prazo de 15 dias e/ou
deduzidos embargos, no prazo de cinco dias, segundo o edital da decisão do Tribunal publicado hoje, dia em que os trabalhadores da TIN agendaram uma concentração, no Chiado, em Lisboa.
Recorde-se que os principais títulos do grupo de Luís Delgado encontram-se penhorados desde 2020, por dívidas acumuladas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, como o PÁGINA UM noticiou. Ou seja, praticamente desde o primeiro ano de existência que a TIN, uma sociedade unipessoal do ex-jornalista e comentador Luís Delgado, com um capital social de apenas 10.000 euros, regista problemas financeiros e acumula dívidas.
Na insolvência, também se vai poder analisar ao detalhe a evolução da contabilidade da TIN e das opções de gestão da gerência, para se apurar se houve uma falência fraudulenta. Além dos títulos de media, a TIN contabiliza cerca de 14 milhões de euros em activos que atribui a receitas de assinaturas futuras das revistas. Os montantes destes activos aumentaram significativamente nos últimos anos, num quadro de queda de vendas, e existem legítimas suspeitas de contabilidade criativa para ‘mascarar’ os resultados anuais, uma vez que só no ano passado a TIN apresentou prejuízos. Neste processo de insolvência ou na liquidação, irá tirar-se a ‘prova dos nove’ sobre o real valor destes ‘activos’ que têm sido incluídos nas contas da empresa de Luís Delgado ou apurar-se se não passou de um caso de finanças criativas. Luís Delgado e os outros gerentes, além de poderem ser condenados a prisão efectiva por abuso de confiança fiscal agravada, correm o risco de um processo por falência fraudulenta.
Ao que o PÁGINA UM apurou, só mediante certas condições é que os principais credores, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Segurança Social, aprovariam um plano de insolvência da TIN. Recorde-se que, como noticiou o PÁGINA UM no mês passado, tanto a AT como a Segurança Social votaram contra a aprovação do PER da TIN argumentando, designadamente, que a empresa nem sequer estava a cumprir com as suas obrigações, pagando impostos e contribuições, enquanto decorria o PER.
O PER da TIN foi ‘chumbado’ com os votos tanto da AT (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Entre os credores que queriam viabilizar o PER estiveram a Impresa (13,5% do total dos créditos), que vendeu as suas revistas à TIN em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.
Será também a possibilidade de desvendar os estranhos contornos de um processo iniciado em 2018, quando a Impresa vendeu a Luís Delgado o seu ‘portfólio tóxico’ de revistas, salvando contabilisticamente a Impresa Publishing e o próprio grupo dono do Expresso e da SIC, que enfrentava dificuldades financeiras após o falhanço de uma emissão de obrigações. Agora, seis anos depois, mais de 30 milhões de euros em dívidas, o antigo negócio que era da Impresa deverá passar para um dono ou vários donos – quem sabe, a própria Impresa –, mas agora limpo das dívidas, as quais ficarão, na sua maioria, nas mãos dos contribuintes.
Conhecido o destino das revistas da TIN, ficará, no entanto, por explicar como foi possível uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros ter conseguido acumular milhões de euros em dívidas sem nunca ter ido parar à lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social durante os governos socialistas de António Costa.
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