Quem sou eu para falar mal de quem gosta de passear e apanhar um pouco de sol, logo eu, que me espreguiço e me deleito com ensolarados banhos em solarengas varandas . E quando tinha menos idade e mais saúde, ah!, se gostava de vaguear pelos telhados dos vizinhos, qual Cosimo Piovasco di Rondò do Italo Calvino… Mas admito, sem pudor, que gosto de passear e preguiçar.
Já os jornalistas do suplemento ‘Fugas’, do jornal Público, recorrem a subterfúgios para evitar assumir o óbvio: há quem goste de passear para além dos telhados ou das florestas de Ombrosa, como o Barão Trepador; mas à ‘borla’! Não haveria problema nenhum, não se desse o caso desses passeios “a convite” serem abundamentemente gozados e resultarem em longos textos cheios de elogios e fotos de ‘Instagram’, o que no tempo em que nasci, dizem-me que na madrugada de 13 de Junho de 2008, se diria serem artigos promocionais, aka, publicidade paga.
Mas se consultarmos o dicionário, uma das definições da palavra ‘fugas’ é precisamente “acto de não fazer ou assumir o que se devia”. Ora, é isso precisamente que o ‘Fugas’ fez, por exemplo, na sua edição do dia 30 de Novembro. Trata-se de um ‘especial’ sobre vinhos. Traduzindo, significa que, nessa edição, o suplemento do Público foi transformado num caderno sobre vinhos, pago pelas muitas páginas com publicidade aos mais diversos tipos e marcas de bebidas alcoólicas, o que nem seria mau. Mas não só, o que já é mau.
De facto, o ‘Fugas’ do passado dia 30 de Novembro conta não com uma, nem com duas, mas com sete páginas de textos escritos por três – que dizem ser a conta que Deus fez – jornalistas com o ‘aviso’ de que viajaram com as despesas pagas pelos promotores das reportagens.
Na página 8, na secção ‘Investimento’, encontramos um artigo de duas páginas sobre a empresa OENO, escrito pela jornalista Ana Isabel Pereira (CP 4720) com o título: “Há mais portugueses a investir e a entregar a profissionais a gestão da carteira de vinhos”. Na entrada lê-se que a “OENO já gere cinco milhões de euros em carteiras de vinhos para portugueses” mas parece que “ainda há resistência e quem evite intermediários”. O texto termina com a nota: “O Fugas esteve em Londres a convite a OENO”. Que giro!
Segue-se, na página 28, uma reportagem na secção ‘Viagem’: “Cinco dias pela doce Suíça das vinhas e do vinho”. São três gordas e sedutoras páginas sobre o país que tem “das mais belas paisagens vinhateiras do Mundo”, segundo o autor do artigo, Pedro Garcias, um jornalista empresário de vinho que ainda há dias teve a honra de ‘sacar’ três direitos de resposta de empresas vinícolas que o acusaram de ter escrito sobre questões onde ele é produtor de vinhos. Porém, nem toda a gente aparenta desgostar de Pedro Garcias, porque o artigo no ‘Fugas’ termina com a nota: “O Fugas [ou seja, o Pedro Garcias] viajou a convite do Turismo da Suíça”.
Curiosamente, Pedro Garcias deixou de constar recentemente da lista da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), mas, ainda assim, o Público continua a identificá-lo como “jornalista e produtor de vinho no Douro“. Ora, nem mais: um jornalista, que afinal não é, a escrever apenas sobre um assunto do qual tem interesse comercial directo. Mais cristalino do que isto só certas xurrapas do Ribatejo…
Aliás, Pedro Garcias já nem é caso único no suplemento ‘Fugas’ de repórter sem carteira de jornalista. Um outro artigo desta edição é assinado por Edgardo Pacheco, apresentado como jornalista e crítico gastronómico, que também não surge na lista de profissionais da CCPJ. Similar situação parece suceder com José Augusto Moreira, que também assina no suplemento ‘Fugas’, embora conste um Augusto Moreira (CP 2339) na lista do ‘polícia’ dos jornalistas.
Logo a seguir, na página 32, encontramos um artigo de quase duas páginas sobre “A noite em que o Barca Velha fez prova entre as estrelas”, com ‘Barca Velha’ escrito a azul em letras garrafais. Aqui, o jornalista que “viajou a convite da Casa Ferreirinha” é nada mais nada menos que o Manuel Carlos Carvalho (CP 963) para a CCPJ, mas que insiste em assinar como Manuel Carvalho. Pouca importância tem isso quando se constata que estamos perante o antigo director do Público, o grande iniciador da ‘mercantilização’ do jornal da Sonae, e que escreve logo na entrada do artigo que “o Barca Velha de 1999 deu mais um pequeno empurrão à imagem do vinho português no Mundo”. Pergunta de algibeira: quem produz o Barca Velha? Correcto: a Casa Ferreirinha. Quando a Sonae já nem tem dinheiro para custear despesas de deslocação até Vila Nova de Foz Côa…
Este didáctico suplemento do Público – mais no sentido comercial do termo e não tanto de enologia – termina com diversas páginas recheadas de ‘sugestões’ de vinhos para oferecer este Natal, quase rivalizando com um qualquer folheto do Continente, tantas são as garrafas sugeridas pelos críticos. Também não teria nada de mal se se assumisse que, de conteúdos jornalísticos, tem pouco. Já de “promoção”, tem muito. E nem se trata de um caso de gato escondido com rabo de fora, que isso é para mim, e nem sempre por estar em ‘fugas’. Na verdade, com três viagens pagas a jornalistas na mesma edição, o gato está todo à vista. Rabo, patas, cabeça, dorso, pêlo, entranhas, tudo.
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