DA VARANDA DA LUZ

Guimarães 1.0 (seguido de Bolonha 0.0)

por Pedro Almeida Vieira // Dezembro 12, 2024


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


A delícia do futebol é, na verdade, ser um reflexo da vida, e esta constatação vai muito além do cliché que se repete nas bancadas ou em mesas de café. É o teatro do improvável, a vida ou o futebol, uma peça onde o destino brinca com o esperado para introduzir o inesperado, transformando as certezas irrefutáveis em poeira no primeiro sopro de surpresa.

Se a vida é uma luta constante entre a ordem e o caos em cima de uma bola chamada Terra, o futebol é a sua recriação mais fiel mas curta, em 90 minutos, de drama humano condensado em passes, golos, falhanços e, claro, nesta imprevisibilidade esperada que nos faz voltar, semana após semana, para ver como o capítulo seguinte será escrito.

(e cheguei atrasado ao estádio, o que não é, certamente inesperado; salva-se que, no meio disto, esgotaram-se as doses de farnel, donde resultou que me desenrascaram apenas um pacotinho de batatas fritas, uma água e, vá lá, uma bifana verdadeira)

Continuemos. Vejamos o exemplo do Glorioso e do seu arqui-adversário da Segunda Circular. Ainda há pouco mais de um mês, a Liga portuguesa arriscava ser um imerso marasmo. O Sporting de Amorim limpava tudo com uma surpreendente facilidade, cabazadas a eito, e o Benfica em estado de letargia tão desinspirada que já nem a mais fervorosa das águias acreditava numa reviravolta.

Sob a direção de Roger Schmidt, nem um pingo de pressão, muito menos de criatividade, parecia ter perdido o fôlego, arrastando-se por uma sequência de exibições que fazia os adeptos suspirarem pela próxima época como a única salvação possível. Mas, como no futebol e na vida, as coisas nunca são tão simples nem tão lineares. E eis que assim se Schmidt, e o Sporting viu o seu treinador de sucesso rumar ao Manchester United – e num picar de olhos, a realidade altera-se. O Benfica feito carta fora do baralho, já está em posição de líder virtual, ‘bastando-lhe’ sair vitorioso deste Vitória e do jogo em atraso contra o Nacional, se os nevoeiros se escafederem em nova visita, que o ex-benfiquista João Pereira tratou de escavacar os lagartos depois da debandada de Ruben Amorim para a Velha Albion.

(e gooooooooooloooooooooooo!!! Benfica… Aktürkoğlu, ao minuto 29, a desbloquear o nulo; isto estav a difícil, com as ofensivas muito afuniladas; venham mais agora, que já temos luz verde para a vitória)

De facto, há algo profundamente filosófico neste jogo de incertezas. Heraclito dizia que “tudo flui”, que nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. No futebol, é certo que nunca se joga duas vezes o mesmo jogo, mesmo quando o adversário é o mesmo e as equipas tenham as mesmas caras. O golo inesperado, o erro do árbitro (ou do VAR), o ressalto fortuito – tudo contribui para esta dança do imprevisível que transmuta o futebol num espelho tão claro da existência humana. E é nesse fluxo constante, nessa impossibilidade de prever o que vem a seguir, que encontramos o fascínio deste desporto.

Mas não é só a filosofia que encontra eco no futebol. Também a História, com as suas vitórias e derrotas inesperadas, parece partilhar da mesma lógica. O futebol, nesta imprevisibilidade que tanto o define, reflecte o melhor e o pior da vida. A narrativa do Benfica encontra – exagero, claro! – paralelos históricos que mostram como os momentos de maior adversidade podem ser os precursores de vitórias inesperadas.

(intervalo, e espero que o descanso dê mais alento ao Benfica, que me parece ago inquieto com este atrevido Guimarães)

Enquanto o descanso dos guerreiros decorre, um pouco de História: lembremo-nos do desembarque de Dunquerque, durante a Segunda Guerra Mundial. Em Maio de 1940, as tropas britânicas e aliadas estavam cercadas pelas forças alemãs na costa francesa, e a situação era desesperante, e a derrota inevitável na apoarência. Mas, num acto de coragem e engenho, a Operação Dínamo mobilizou civis e militares para uma das mais extraordinárias evacuações da História. Mais de 300 mil soldados foram salvos, um feito que, embora não fosse uma vitória no sentido convencional, representou uma viragem moral e estratégica que mudou o curso da guerra. Foi um exemplo claro de como a resiliência, a esperança e a acção coletiva preparam aquilo que seria uma derrota iminente num triunfo inesperado.

(e começa a segunda parte)

Continuemos… e isto para, evitando mais exemplos bélicos, não introduzir aqui em detalhe a Batalha de Inglaterra, que se seguiu a Dunquerque. A Royal Air Force, em inferioridade numérica face à Luftwaffe, conseguiu defender os céus britânicos dos contra-ataques devastadores, demonstrando que a determinação e a coragem podem superar probabilidades aparentemente intransponíveis. O futebol, tal como a História, está, pois, repleto destes momentos em que o improvável se torna possível, em que as narrativas são subitamente invertidas, mudando o desespero em esperança e a fraqueza em força.

Por isso, quando o Sporting decidiu apostar num treinador novato como João Pereira, muitos riram-se da ousadia ou da ingenuidade. E, no entanto, essa decisão, aparentemente inocente, foi o catalisador para que o Benfica encontrasse espaço para se reerguer. O futebol, como a vida, tem destas ironias deliciosas. Pequenos gestos, pequenos desvios, podem gerar mudanças monumentais. É a teoria do caos em acção: o bater de asas de uma borboleta em Manchester pode mesmo gerar um cataclismo em Lisboa.

(ui… o Florentino a inventar, bola a ressaltar para o Guimarães, e nem sei como não foi golo nem sei, mesmo com repetição na televisão, se o corte do Otamendi, in extremis, pode ter sido feita sem as mãos; o VAR é soberano!)

Mas o futebol nem é só isto que eu estava aqui a dizer. É também uma celebração do presente, uma pausa na lógica e na racionalidade do dia-a-dia para vivermos o agora em toda a sua intensidade. Quando estou no estádio, entre cânticos e gritos, embora eu seja bastante comedido na Varanda da Luz, ou os leitores e leitoras em frente à televisão a sofrer pelo golo que tarda em chegar, não há ontem nem amanhã. Há apenas aquele instante, aquele momento de esperança, de angústia ou de êxtase puro. É por isso que o futebol, mais do que um desporto, é uma experiência existencial. É, como diria Camus – não sei bem se disse, ouvi dizer –, o lugar onde “aprendemos que uma bola nunca vem para nós como esperamos”.

E o Benfica, nesta temporada, mostra-nos como o futebol e a vida se entrelaçam. Não há finais garantidos, não há glória sem risco, não há narrativa que não possa ser reescrita. É a incerteza que dá sabor às vitórias e torna as derrotas suportáveis. Ser líder virtual não é ser campeão, e os próximos meses serão uma montanha-russa emocional onde tudo pode acontecer. Mas, para já, o Benfica é a prova viva de que, no futebol como na vida, nunca se deve subestimar o poder do improvável.

E é isso que faz do futebol uma delícia. Porque, no final, o que nos prende ao jogo não é a previsibilidade, mas a promessa do inesperado. O golo que surge contra todas as probabilidades, o passe mágico que desarma a defesa, o falhanço que nos faz rir e chorar ao mesmo tempo. É no futebol que encontramos a essência da vida – essa mistura de caos e beleza, onde cada segundo é uma oportunidade de redenção. E, no fundo, é isso que nos mantém vivos. E a sonhar.

(lá em baixo, o jogo anda vivo, mas eu gostava que estivesse morno, porque o Guimarães me parece mais próximo do empate do que o Benfica de marcar mais um)

Não desejo cantar já vitória, mas a trajetória do Benfica nesta temporada ganhará, se vencermos, uma dimensão quase épica. Há poucos meses, os adeptos pareciam estar num estado de luto antecipado. Num piscar de olhos, a lógica foi subvertida, e o caos organizou-se em algo que parece agora uma caminhada rumo à glória. A liderança virtual não é ainda o título, mas é uma lembrança poderosa de que no futebol, tal como na vida, a única constante é a mudança.

Mas continuemos a filosofar, enquanto ali o jogo caminha para o final, com alguns estrebuches do Vitória que me estão a pôr nervoso. O futebol é, por outro lado, também uma celebração do presente, algo que o distingue de quase todas as outras áreas da vida. Quando um golo é marcado no último minuto, nada mais importa. Não há passado nem futuro, apenas aquele momento puro de emoção. É por isso que este desporto, além de ser um reflexo da vida, é também uma lição sobre como viver. Na Varanda da Luz, ou em frente à televisão, os adeptos não pensam no amanhã; vivem o agora com uma intensidade que transcende o racional.

(eu já só quero que isto acabe, porque não há crónica do que aquela que nasce com o rei na barriga, ou seja, com a vitória antecipada e, depois, redunda num desastre, e eu quero mesmo ir a Alvalade, com o Carlos, no dia 29, com o Benfica à frente do campeonato)

Esta será a maior delícia do futebol: a sua capacidade de nos lembrar que a vida é feita de momentos. Momentos que, como o desembarque de Dunquerque ou a Batalha de Inglaterra, nos mostram que nem tudo está perdido, mesmo quando tudo parece estar contra nós. O Benfica, nesta temporada, é mais do que uma equipa de futebol; é um símbolo da resiliência e da força do improvável. Porque, no fundo, no futebol como na vida, nunca se deve subestimar o poder da surpresa – é nela que reside a verdadeira magia.

E o jogo acabou e eu estou aliviado… Acho que quarta-feira só aqui venho, para assistir ao jogo contra o Bolonha, apenas para descontrair. Até porque ainda estou a lembrar-me daquela desgraça que foi contra o Feyenoord.


E sobre o jogo contra o Bolonha, não há muito a dizer. Foi uma nulidade. Um nulo, de que pouco ou nada se deve dizer.


PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.

“Não avançamos Por nenhum caminho Já aberto – Avançamos Levando mais além o âmago Raptor, De fonte latejante Drenando um deus ...