Cheguei!
De onde me encontro, olho para a vida como se olha para a casa da infância. Descubro que o edifício outrora enorme é, afinal, diminuto. Os corredores são estreitos, os tetos baixos; as janelas dão para um quintal exíguo. Busco o prado imenso num canteiro relvado.
Vista daqui, a minha existência é como essa casa: ínfima. A passagem, que parecia não ter fim, revela-se feita de breves instantes. Os planos para o futuro, tantas vezes adiados por não haver pressa, serão para sempre planos. Intenções.
O tempo — longo, lento — foi um inimigo a vencer. Falta muito para acabar o curso. Falta muito para acabar de pagar a casa. Falta muito para os filhos serem adultos. Falta muito para chegar à aposentação.
A dor, a tristeza, a raiva… tudo passa:
—Tens de dar tempo ao tempo.
Os minutos tornam-se horas; as horas, uma eternidade. O tempo a arrastar-se. Lento. Lento. Lento. E eu, com pressa de chegar. A dar ao tempo, o tempo que nem desconfio não ter.
Sentamo-nos, tu e eu, num banco junto ao mar. Deixamos o olhar navegá-lo, baloiçando tranquilamente sobre o ondular leve das águas. Deito a cabeça no ombro de um casamento de 50 anos.
A lua, os barcos, a palmeira, o homem que passa com uma canastra na mão, este banco — tudo é enorme. Tudo será para sempre enorme. Não para nós.
Afagas-me as costas. Brincam os dedos das nossas mãos entrelaçadas. Percorre-me um misto de tristeza, melancolia e felicidade contida, de quem sabe que este movimento não é eterno, mas encerra a doçura de uma vida plena e extraordinária na sua normalidade.
Inspiro o cheiro a mar presente. As pálpebras descem lentamente. Um a um, invadem-me os aromas do passado: a pele dos filhos pequenos, as flores do bouquê de noiva, o perfume que usavas quando nos conhecemos, as frésias do quintal, o bolo mármore dos lanches na Alameda, o colo da minha mãe.
Cheguei!
Sílvia Quinteiro é professora da Universidade do Algarve