Recensão: Arena

O poder da ilustração

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Pedro Almeida Vieira|26/12/2024

Título

Arena

Autor

JOÃO FAZENDA

Editora

Tinta da China (Novembro de 2024)

Cotação

17/20

Recensão

Reunindo duas décadas de cartoons publicados pelo autor, inicialmente na revista Visão e, mais recentemente, no jornal Expresso, o livro ‘Arena’, de João Fazenda é uma obra que transcende a simples compilação de ilustrações; trata-se de um testemunho visual de um período marcado por acontecimentos políticos, sociais e culturais, capturados com a perspicácia de quem observou o mundo social e políticos com olhos atentos e um traço inconfundível.

Sabe-se que, na imprensa, o título é por excelência o primeiro convite à leitura, que se insinua ao leitor, que o desafia e despertar curiosidade para a leitura. Mas, se o título é a primeira porta, as imagens – sejam fotografias ou ilustrações – são o impacto visual que pode determinar a permanência do olhar. As fotografias têm o poder de documentar, de capturar a realidade de forma imediata e emotiva. Contudo, mesmo quando uma imagem fotográfica pode valer mais do que mil palavras, há algo que frequentemente lhe escapa: a capacidade de transcender o momento captado e de oferecer uma crítica, uma reflexão ou uma síntese daquilo que se observa.

E é aqui que entram as ilustrações, e, em especial, o trabalho de artistas como João Fazenda. As ilustrações não apenas acompanham ou embelezam; elas dialogam, desconstroem e reconstroem a realidade, conferindo-lhe novos significados. A ilustração editorial tem o poder único de condensar, num único quadro, aquilo que milhares de palavras talvez não consigam dizer com tanta clareza: a ironia, a denúncia, o absurdo ou até a esperança de uma situação. E João Fazenda é, sem dúvida, um mestre dessa arte.

Por isso mesmo, se o objectivo inicial da ‘contratação’ de João Fazenda terá sido sobretudo ilustrar os textos de Ricardo Araújo Pereira, o humorista em muita razão, mesmo conhecendo-se a sua providencial pseudo-humildade auto-depreciativa, quando no prefácio escreve: “Como é evidente quando se abre o jornal, não é o desenho do João Fazenda que ilustra os meus textos, é o meu texto que acompanha os desenhos do João Fazenda. A primeira coisa que os leitores veem é o desenho. A seguir, tentam descobrir (os que se dão a esse trabalho) de que modo é que o texto se relaciona com ele”.

Esta inversão de papéis sublinha, de facto, a força do traço de Fazenda, capaz de capturar a atenção e instigar uma leitura diferente, mediada pela imagem. E isso é mesmo verdade: folheando o livro, mesmo para quem leu pouco textos de Ricardo Araújo no original, se lembra de muitas das ilustrações- Até porque o traço de João Fazenda é único e marcante, com o seu estilo minimalista, satírico e profundamente simbólico, com formas simples e cores sólidas, mostra-se capaz de comunicar mensagens que combinam reflexão e leveza, evidenciando temas sociais e políticos muito abrangentes.

Uma única nota: do ponto de vista editorial, teria sido útil, e não demasiado dificultoso, identificar, no final do livro, as datas das ilustrações, bem como dos textos originais. Em alguns casos, ajudaria a relembrar os “acontecimentos”, para quem os viveu; e para os mais jovens, seria um auxiliar para ‘identificar’ os protagonistas que eventualmente tenham saído da ‘cena política’ (que são pouco, porque são ‘perenes’, cá no burgo).

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