Ajuste directo de 265 mil euros para cartaz com o filho e o 'veterano' José Cid

Sem sequer subir ao palco, Tony Carreira ‘saca’ lucro milionário com Passagem de Ano em Lisboa

por Pedro Almeida Vieira // Dezembro 30, 2024


Categoria: Res Publica, Exame

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Em finais de Junho, Carlos Moedas subiu a um palco do Terreiro do Paço para, de voz estridente, anunciar a entrega da medalha de mérito cultural a Tony Carreira. Pouco meses depois, sem chinfrim, de forma discreta, a empresa do cançonetista, a Regi-Concerto, teve uma oferta de ‘mão-beijada’ concedida pela Câmara Municipal de Lisboa: a co-organização das festas de Ano Novo no valor de 265 mil euros, incluindo IVA. Com um cartaz que não custará mais de 80 mil, constituído pelo ‘veterano’ José Cid e pelo seu próprio filho Mickael, e como a EGEAC assume ainda despesas, Tony Carreira terá um lucro, sem subir ao palco lisboeta, próximo dos 150 mil euros. Algo apenas possível quando se tem ‘mérito’… para sacar ajustes directos num mercado onde o ‘amiguismo’ prevalece.


Não foi só uma Medalha de Mérito Cultura da Cidade que este ano Tony Carreira recebeu das mãos de Carlos Moedas; também recebeu de ‘mão-beijada’ o direito de co-organizar as festividades da Passagem de Ano no Terreiro do Paço, possibilitando-lhe meter no cartaz o filho Mickael, em queda de popularidade. E se a medalha pode pesar no coração do cançonetista; o ‘cheque’ pelo espectáculo na oficialmente chamada Praça do Comércio, com vista para o Tejo, vai pesar-lhe bem na carteira.

Sem se conhecer, mais uma vez, os critérios de selecção de artistas e produtoras para a organização de espectáculos, a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) escolheu este ano a produtora de Tony Carreira, a Regi-Concerto, para co-produzir as celebrações do Novo Ano na principal praça de Lisboa, que terá como ‘ponto alto’ as actuações de José Cid – e convidados não definidos – e de Mickael Carreira, para além do habitual fogo-de-artifício. O contrato foi assinado no passado dia 20, assinado por António Manuel Mateus Antunes – o nome real de Tony Carreira, como gerente da Regi-Concerto –, apesar da EGEAC ter anunciado o cartaz na semana anterior.

Carlos Moedas entregou medalha de mérito cultural a Tony Carreira em Junho passado, Meio ano depois, a autarquia entregou, por ajuste directo, um contrato que lhedará um lucro de quase 150 mil euros. Foto: CML.

O valor do contrato por ajuste directo, justificado para defender direitos de autor, uma alegação bastante questionável, atinge os 265.680 euros, incluindo IVA, mas os custos para a empresa municipal deverão alcançar os 300 mil. Com efeito, através do contrato, a EGEAC assume também responsabilidades bastante onerosas, como a obtenção de licenças, a promoção e publicidade, a disponibilização de camarins e equipamentos auxiliares, a contratação de serviços de segurança, a limpeza e logística, e a garantia de fornecimento eléctrico adequado.

Por sua vez, a Regi-Concerto, a empresa de Tony Carreira obriga-se apenas a assegurar a representação dos artistas, incluindo contratação e gestão de despesas relacionadas, bem como a montagem e operação de equipamentos técnicos (som, iluminação e vídeo).

O montante a pagar pela empresa municipal da autarquia liderada por Carlos Moedas será o mais elevado de sempre conseguido pela empresa de Tony Carreira em contratos públicos. Considerando valores sem IVA – que, neste caso, atinge os 216 mil euros –, a Regi-Concerto tinha, até agora, como contrato mais chorudo, um ajuste directo para as festas populares do Monte da Caparica em 2022. Por “serviços musicais e audiovisuais” não especificados no contrato, a União das Freguesas de Caparica e Trafaria pagou à Regi-Concerto um total de 74.260 euros. O segundo contrato público de montante mais elevado da Regi-Concerto referia-se, por sua vez, à contratação do próprio Tony Carreira para abrilhantar a Passagem do Ano de 2023 para 2024 em Coimbra. Há um ano, autarquia coimbrã despendeu 62.500 euros para ter o artista.

E é, exactamente, por esse motivo que o valor agora pago pela EGEAC assume um montante exorbitante, até porque Tony Carreira – que é um dos artistas mais bem pagos em contratos públicos – decidiu rumar para outras paragens. Por valores desconhecidos, vai actuar no Hotel Tivoli de Vilamoura para um selecto público que se dispôs a pagar um mínimo de 490 euros por cadeira (e mesa).

De facto, considerando os preços praticados tanto por José Cid como por Mickael Carreira, os cofres da Câmara Municipal de Lisboa foram generosos para a Regi-Concerto. No caso de José Cid – que se mantém, aos 82 anos, ainda bastante activo –, o seu ‘cachet’, quando actua sozinho, variou este ano entre os 12.500 e os 50.750 euros. O seu mais recente concerto foi para as comemorações do 20º aniversário da elevação a cidade de Anadia – a sede do concelho onde se radicou ainda na adolescência –, e cobrou apenas 15 mil euros. Mas há um ano, pela actuação na Passagem de Ano no Campo de Viriato, a autarquia de Viseu pagou à sua empresa (José Cid, Lda.) 30 mil euros. Aliás, esse foi o valor que a própria EGEAC lhe pagou em 2019 para actuar na Passagem de Ano, poucos meses depois de ter recebido o Grammy Latino de Excelência Musical.

Quanto a Mickael Carreira, que tem tido uma carreira sobretudo à sombra do pai, o seu valor medido em termos de ‘cachet’ e procura é mais baixo ainda do que o do veterano José Cid. De facto, em actuações a solo, apenas se encontram três contratos públicos com a sua presença este ano: em Arronches, na Chamusca e no Marco de Canavezes, por valores entre os 18.500 e os 21.330 euros. Em 2023 registam-se apenas dois (Pampilhosa da Serra e Lamego), por valores próximos.

Deste modo, atendendo as ‘cachets’ habituais de José Cid e Mickael Carreira, e mesmo tendo em conta os valores mais elevados praticados em festas de Passagem de Ano, jamais seria de esperar valores acima de 70 mil euros para o conjunto, a que se podem juntar mais entre 10 mil e 20 mil euros de fogo-de-artifício. Ou seja, o lucro imediato por uma noite para a Regi-Concerto deverá estar próximo dos 150 mil euros, um excelente negócio para Tony Carreira, por obra e graça do contínuo esbanjamento de dinheiros públicos sem se conhecerem critérios de escolha dos artistas e das produtoras nem de custos.


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