É no grupo daqueles que estão na ‘flor da idade’ que se está assistir, de uma forma absurdamente escondida pelas autoridades, um fenómeno de excesso de mortalidade nos últimos anos, que não estará associado à covid-19, mas à gestão da pandemia e às suas ‘sequelas’. Uma análise do PÁGINA UM à evolução das taxas de mortalidade dos diferentes grupos etários entre 2014 e 2024, envolvendo o recurso a testes estatísticos de significância, confirma que a pandemia fez ‘mossa’ quase apenas nos super-idosos (maiores de 85 anos), mas os efeitos da gestão da pandemia (ou outros factores desconhecidos e não estudados) estão a causar, ainda agora, um excesso de mortalidade entre os 15 e os 34 anos. Uma vez que as taxas de mortalidade nestas idades são baixas, não existe uma percepção pública da gravidade deste fenómeno, mas a estimativa do PÁGINA UM aponta para terem ocorrido, em 2023 e 2024, mais cerca de 200 óbitos entre adolescentes e jovens adultos do que seria de esperar se se mantivessem as taxas de mortalidade anteriores a 2020.
Apesar de a covid-19 ter sido uma doença praticamente benigna nos jovens, a mortalidade por todas as causas nos adolescentes e jovens adultos, integrando os grupos etários dos 15 aos 34 anos, continua em níveis muito mais elevados do que no período pré-pandémico. A evolução das taxas de mortalidade, entre 2014 e 2024, assim o atesta, conforme se conclui numa análise do PÁGINA UM, com recurso a testes estatísticos de significância, que comparou quatro períodos distintos: pré-pandemia (2014-2019), pandemia (2020-2021), transição (2022, com a população quase totalmente vacinada e com reforços) e pós-pandemia (2023 e 2024).
Considerando os óbitos registados no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e a população por grupo etário (do ano anterior, por não estarem disponíveis as estimativas do Instituto Nacional de Estatística de 2024), e evolução das taxas de mortalidade, agora para um período mais alargado, permitem um retrato mais fiel sobre o impacte da pandemia e sobretudo sobre as ‘mazelas’ ignoradas.
A análise do PÁGINA UM teve como objectivo identificar ou confirmar três tipos de situações. Por um lado, determinar com rigor estatístico quais os grupos etários que, verdadeiramente, registaram um impacte relevante durante a pandemia face ao período anterior (2014-2019), num contexto de crescente processo de envelhecimento da sociedade portuguesa e da maior virulência do SARS-CoV-2 na população idosa e com comorbilidades.
Por outro lado, procurou-se a existência de diferenças significativas nas taxas entre o auge da pandemia (com a mortalidade associada à covid-19 mais elevada em 2020 e 2021) e o período imediatamente subsequente – o ano de 2022, ainda com mortalidade total elevada, apesar de variantes menos agressivas do vírus e uma população maciçamente vacinada – e ainda o período pós-pandemia. Essa análise também permitiria, por fim, detectar dois fenómenos: o “efeito de ceifa” (ou de colheita, ‘harvesting’, em inglês) e a ocorrência de eventos em contra-ciclo.
No primeiro caso, o efeito ‘harvesting’ é caracterizado por um aumento significativo da mortalidade num determinado período devido a um evento crítico, seguido por uma redução subsequente nas taxas de mortalidade. Este efeito resulta da “antecipação” das mortes de indivíduos mais vulneráveis, que teriam falecido num futuro próximo devido à sua condição de saúde frágil ou idade avançada. Ou seria expectável que, após uma subida da taxa de mortalidade nos anos da pandemia em determinados grupos etários se observasse uma redução significativa nos anos seguintes, mesmo com taxas de mortalidade abaixo dos níveis pré-crise sanitária.
No segundo caso, a análise do PÁGINA UM também procurou detectar grupos etários onde, independentemente do maior ou menor impacte da pandemia (sobretudo nos anos de 2020 e 2021), as taxas de mortalidade em 2023 e 2024 estivesse acima das taxas no período pandémico ou do período pré-pandémico. Ou seja, a ocorrência deste evento em contra-ciclo, em determinados grupos etários, evidenciava efeitos colaterais associados à gestão da pandemia, e não propriamente à doença.
Ora, foi neste processo que se detectaram os ‘problemas’ nos adolescentes (a partir dos 15 anos) e nos jovens adultos (até aos 34 anos). Com efeito, de acordo com a análise do PÁGINA UM, a taxa de mortalidade no grupo etário dos 15 anos 24 anos estava estável antes da pandemia (2014-2019), com uma média de 0,284‰, e subiu para uma média de 0,295 (+3,6%) durante o período pandémico, mesmo se a covid-19 não causou um número relevante de óbitos.
Em 2022, já com este grupo maioritariamente vacinado, a taxa ainda subiu mais, atingindo 0,344, o valor mais elevado, descendo em 2023-2024 para 0,325, ou seja, acima da taxa pré-pandemia. Todas as análises feitas pelo PÁGINA UM com testes estatísticos de significância revelaram diferenças significativas, ou seja, ainda no ano passado a mortalidade neste grupo etário mantinha-se elevado.
Esta situação está, aliás, em linha com os alertas do PÁGINA UM sobre a mortalidade excessiva neste grupo etário. Se a taxa de mortalidade de 2023-2024 se tivesse mantido semelhante ao período pré-pandémico, teriam morrido, de acordo com os cálculos, menos nove dezenas de jovens deste grupo etário.
No caso do grupo dos 25 aos 34 anos, antes da pandemia (2014-2019), a taxa de mortalidade oscilava entre 0,410 e 0,519‰, com uma média de 0,486. Durante o período pandémico (2020-2021), as taxas foram superiores, com uma média de 0,516 (+6,2%). Em 2022, a taxa rondou os 0,5o‰, enquanto em 2023-2024 subiu inesperadamente para os 0,532, portanto acima do período pré-pandémico. Ou seja, também nesta faixa etária, em vez de um efeito ‘harvesting’, com a consequente diminuição da taxa de mortalidade após a crise sanitária da pandemia, mantiveram-se elevadas as taxas (+9,4% face ao período pré-pandemia), evidenciando um comportamento de contra-ciclo.
Fenómeno distinto, apesar aparentemente semelhante, ocorreu com os recém-nascidos. A taxa de mortalidade infantil, antes da pandemia (2014-2019), variou entre 2,88 e 3,38‰, com uma média de 3,06, e até desceu durante o período pandémico, passando para 2,47 em 2020 e para 2,30 em 2021. No ano seguinte subiu para 2,93, enquanto em 2023-2024, a média foi de 2,82‰, embora o ano de 2024 tenha atingido os 3,03‰, em virtude dos 261 óbitos. Apesar de 2024 ter sido o ano de maior mortalidade infantil no quinquénio, como o PÁGINA UM já antecipou em exclusivo há um mês, os valores são bastante baixos em termos históricos, apesar de ser fundamental investigar as causas.
A análise do PÁGINA UM também revela que, ao contrário daquilo que as autoridades de Saúde fizeram crer, a pandemia foi sobretudo uma crise sanitária com efeitos relevantes na mortalidade quase apenas para os super-idosos, isto é, os maiores de 85 anos.
De acordo com os cálculos, as taxas de mortalidade antes da pandemia (2014-2019) rondaram os 145‰, sendo que no ano anterior à pandemia (2019) até registou um valor anormalmente baixo (da ordem dos 142, o que terá contribuído para um maior impacte do SARS-CoV-2 em 2020. Durante o período pandémico (2020-2021), a taxa de mortalidade média para este grupo subiu para quase 154 (+6,2%), mantendo-se em níveis semelhantes em 2022 (153,1‰), o que em si coloca em causa a própria eficácia das vacinas na redução da mortalidade total.
No período pós-pandemia (2023-2024), registou-se então uma redução significativa para uma média de 142,7‰, evidenciando só então a concretização do efeito ‘harvesting’. Apesar desse efeito ter sido evidente, e estatisticamente significativo, face ao período pandémico e de transição, certo é que não existe diferença estatisticamente significativa face ao período pandémico. Esta situação mostra assim que mesmo em 2023 e 2024 houve mantêm-se as ‘sequelas’ da gestão da pandemia, porque seria de aguardar uma redução da taxa de mortalidade depois de um excesso de três anos.
Apesar de estatisticamente ser evidente que a pandemia atingiu, embora em menores graus (face aos super-idosos) e de forma distinta, a população portuguesa com idades superiores a 55 anos, há um grupo específico que destoa. Com efeito, no grupo dos 75 aos 84 anos não se sente um efeito negativo significativo da pandemia. A taxa de mortalidade na pré-pandemia (2014-2019) atingiu uma média de 43,36‰, tendo registado uma subida quase imperceptível em 2020-2021 para os 43,70 (+0,8%). Em 2022, registou-se então uma descida para 41,27, enquanto em 2023-2024 a média baixou para os 36,88 (-15% em relação ao pré-pandemia). Ou seja, além de não ter sido particularmente atingida pela pandemia, a taxa de mortalidade neste grupo até se reduziu face ao período pré-pandémico.
A mesma situação não ocorreu nos dois grupos etários imediatamente antecedentes, se bem que os efeitos negativos da pandemia tenham sido,´mesmo assim, moderados. No caso do grupo etário dos 55 aos 64 anos, a taxa de mortalidade no período pandémico subiu 3,8% face ao período pré-pandemia (2014-2019), passando de 6,63‰ para 6,88. Em 2022, a taxa desceu ligeiramente para 6,74, mantendo uma redução adicional para 6,33 em 2023-2024. As diferenças entre os períodos foram marginalmente significativas, podendo-se considerar que a pandemia, como crise sanitária, apenas marginalmente teve impacte neste grupo.
Já quanto à faixa etária dos 65 aos 74 anos, enquanto a taxa de mortalidade antes da pandemia (2014-2019) foi de 14,40‰, a subida nos anos de 2020-2021 foi de apenas 3%, para 14,83. Em 2022, desce para 14,20‰, continuando a reduzir em 2023-2024, com uma média de 13,41, ou seja, abaixo da taxa pré-pandemia.
Esta análise detalhada conduzida pelo PÁGINA UM evidencia assim que, embora a pandemia da covid-19, como crise sanitária (não apenas associada à doença) tenha tido um impacto directo maior nas populações mais idosas e vulneráveis, os efeitos indiretos e prolongados da sua gestão recaíram desproporcionalmente sobre os adolescentes e jovens adultos, cujas taxas de mortalidade continuam a superar os níveis pré-pandémicos.
Estes dados reflectem a necessidade urgente de políticas públicas que vão além da mera resposta à crise sanitária, abordando as consequências estruturais e sociais que permaneceram, particularmente nos grupos etários mais jovens, para prevenir perdas evitáveis e reconstruir a resiliência social e sanitária de forma equitativa. Mas isso interessará? Talvez não, até porque, na ânsia de se querer salvar tudo, deitou-se o bebé com a água do banho.
Aliás, de uma forma tristemente irónica, um dos impactes mais intensos e duradouros, porque perdurará por décadas, foi o baby bust – o inverso do baby boom – em 2021, quando a redução dos nascimentos, por via da incerteza dos potenciais pais face à gestão política da crise sanitária, atingiu cerca de cinco mil vidas. Ou seja, nasceram menos cinco mil crianças. E, neste caso, as estatísticas mostram que, nos anos seguintes, não houve recuperação.
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