Opinião do epidemiologista Martin Kulldorff

Robert F. Kennedy Jr. e a cura para a hesitação vacinal

white and green ballpoint pen on brown wooden round table

por Martin Kulldorff // Janeiro 8, 2025


Categoria: Opinião

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A única maneira de restaurar a confiança do público na vacinação – que sofreu um grande abalo por causa das mentiras associadas ao lançamento da vacina contra a covid-19 – é colocar um conhecido céptico no comando da agenda de pesquisa de vacinas. A figura ideal para liderar esse processo é Robert F. Kennedy Jr. (RFK), que foi indicado para dirigir o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, temos de encarregar cientistas rigorosos, com um historial comprovado em Medicina Baseada na Evidência, de determinar o tipo de modelos de estudo a adoptar. Dois cientistas ideais para isso são o Dr. Jay Bhattacharya e o Dr. Marty Makary, que foram nomeados para liderar o NIH [National Institutes of Health] e a FDA [Food and Drug Administration], respectivamente.

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As vacinas são – juntamente com antibióticos, anestesia e saneamento – uma das invenções médicas mais relevantes da História. Concebida pela primeira vez em 1774 por Benjamin Jesty, um agricultor em Dorsetshire, Inglaterra, só a vacina contra a varíola salvou milhões de vidas. A Operação Warp Speed, que rapidamente desenvolveu as vacinas contra a covid-19, salvou muitos americanos mais velhos. Apesar disso, assistimos a um aumento marcante da hesitação vacinal. Cientistas de vacinas e autoridades de saúde pública que não conduziram testes devidamente randomizados fizeram alegações falsas sobre a eficácia e segurança da vacina e estabeleceram mandados para pessoas que não precisavam das vacinas, semeando suspeitas e prejudicando a confiança do público na vacinação.

O que correu mal? O objectivo das vacinas contra a covid-19 era reduzir a mortalidade e hospitalização, mas os ensaios  randomizados foram projectados apenas para demonstrar a redução a curto prazo nos sintomas de covid-19, o que não é de grande importância para a Saúde Pública. Uma vez que os grupos placebo foram prontamente vacinados após a aprovação de emergência, eles também não forneceram informações confiáveis sobre reacções adversas. Apesar dessas falhas, foi falsamente alegado que a imunidade conferida pela vacina é superior à imunidade natural adquirida pela infecção e que as vacinas evitariam a infecção e a transmissão.

Governos e universidades então obrigariam a vacinação de indivíduos já imunizados naturalmente [por terem tido a doença], que era superior [à da vacina], e para jovens com risco de mortalidade muito baixo. Esses mandados não eram apenas anticientíficos; com um fornecimento limitado de vacinas, era anti-ético vacinar pessoas de baixo risco de mortalidade quando as vacinas eram necessárias para pessoas mais velhas de alto risco em todo o Mundo.

Como os Governos e as empresas farmacêuticas mentiram sobre a vacina contra a covid-19, também estão a mentir sobre outras vacinas? O cepticismo agora espalhou-se para vacinas testadas e verdadeiras, que comprovadamente funcionam.

E há questões genuínas ainda não respondidas sobre a segurança das vacinas em geral. Um estudo pioneiro realizado na Dinamarca mostrou que as vacinas podem ter efeitos inespecíficos positivos e negativos  em doenças não-alvo, e isso é algo que deve ser explorado com maior profundidade. Os cientistas do Vaccine Safety Datalink (VSD) que estudam vacinas contra asma e alumínio  concluíram que, embora as suas “descobertas não constituam fortes evidências para questionar a segurança do alumínio em vacinas (…) um exame adicional desta hipótese parece justificado.”

Enquanto o VSD e outros cientistas devem continuar a fazer estudos observacionais, também devemos conduzir ensaios randomizados de vacinas controlados por placebo, como RFK tem defendido. Uma vez que temos imunidade de grupo para muitas doenças, como o sarampo, os ensaios podem ser conduzidos eticamente aleatorizando a idade de vacinação para, por exemplo, um ano versus três anos de idade, enquanto distribuímos o ensaio por uma grande área geográfica para que os não-vacinados não vivam todos perto uns dos outros.

Estou confiante de que a maioria das vacinas continuará a ser considerada segura e eficaz. Embora alguns problemas possam ser encontrados, é mais provável que isso aumente em vez de diminuir a confiança na vacina. Por exemplo, verificou-se que a vacina contra o sarampo-papeira-rubéola-varicela [N.D. denominada MMRV ou tetraviral, sendo que em Portugal geralmente se exclui a varicela] causa convulsões febris em excesso em crianças dos 12 aos 23 meses de idade. A MMRV agora é administrada apenas como uma segunda dose para crianças mais velhas, enquanto as crianças mais novas recebem vacinas separadas contra a tríplice viral e varicela, resultando em menos convulsões induzidas pela vacina que assustavam os pais. Embora os estudos de segurança tenham sido inconclusivos, também foi sensato remover o mercúrio das vacinas. Mesmo que acabemos com menos vacinas no esquema vacinal recomendado, isso não é necessariamente uma coisa terrível. A Escandinâvia [N.D. Kulldorf é sueco] tem uma população muito saudável, com menos vacinas nos seus programas de vacinação.

a couple of people wearing gloves and masks and gloves

Não vamos restaurar a confiança na vacina pregando ao coro. Após o desastre da covid-19, o objectivo declarado de Kennedy é retornar à Medicina Baseada na Evidências livre de conflitos de interesse. Deixá-lo fazer isso é a única maneira de os cépticos voltarem a confiar nas vacinas, e aqueles que confiam nas vacinas não têm motivos para ter medo disso.

As tentativas das instituições de saúde pública e farmacêuticas de inviabilizar as nomeações de RFK, Bhattacharya e Makary são a maneira mais segura de agravar ainda mais a hesitação vacinal nos Estados Unidos. A escolha é gritante. Não podemos deixar que os “cientistas pró-vacinas” desequilibrados, que apertam as mãos sobre as orelhas nas perguntas mais brandas, causem mais danos à confiança nas vacinas. Como cientista pró-vacina e, na verdade, a única pessoa a ser demitida pelo CDC por ser muito pró-vacina, a escolha é clara. Para restaurar a confiança nas vacinas para os níveis anteriores [à pandemia da covid-19], devemos apoiar as nomeações de Kennedy, Bhattacharya e Makary.

Martin Kulldorff é membro fundador da Academia para a Ciência e a Liberdade. Foi professor na Harvard Medical School até ser demitido por não tomar a vacina contra a covid-19, apesar de ter imunidade natural superior. Ele estuda vacinas há mais de duas décadas, ajudando a desenvolver partes dos sistemas de vigilância de segurança de vacinas do CDC e da FDA. Tem um h-index de 67 no Scopus, um valor bem acima dos requisitos de investigadores seniores.

Este texto foi originalmente publicado no site RealClear Politics sob o título The Cure for Vaccine Skepticism. O PÁGINA UM agradece a Martin Kulldorff a permissão para a sua tradução e publicação em português.


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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