André Luiz Gomez, que defendeu Joe Berardo, é o 'feliz contemplado'

A excepção tornou-se a regra: nove ajustes directos do Turismo de Portugal aos mesmos advogados já vão em 3,2 milhões

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por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 9, 2025


Categoria: Res Publica, Exame

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Desde 2017 já ‘rolaram’ a partir do Turismo de Portugal nove contratos por ajuste directo para prestação de serviços jurídicos pela Clareira Legal, num total de 3,2 milhões de euros (com IVA). Justificando os contratos como de “natureza intelectual” e invocando “urgência imperiosa”, o instituto público dispensou concursos públicos, fazendo da excepção a regra. A Clareira Legal é liderada pelo advogado André Luiz Gomes, conhecido por defender o empresário Joe Berardo.


A adjudicante é um instituto público – o Turismo de Portugal – e a adjudicatária uma sociedade de advogados – chamada Clareira Legal, mas que já se chamou Luiz Gomes & Associados. Se é certo que existem formalismos a tratar, tudo já aparenta ser feito como se fossem ‘velhos amigos’, apesar da existência de contratos, os quais servem apenas para confirmar ajustes directos, uns atrás dos outros. E nada nem ninguém os parece demover. As relações, iniciadas em finais de 2017, já vão em nove contratos de ‘beija-mão’ no valor de 2,625 milhões de euros, com IVA ascendendo aos 3,2 milhões de euros.

Já em Novembro de 2023, o PÁGINA UM detectou que a sociedade fundada por André Luiz Gomes, que ficou conhecido por ser advogado de Joe Berardo, contava sistematicamente com uma espécie de avença do Turismo de Portugal para patrocínio judicial e consultadoria em litígios com concessionárias de zonas de jogo, principalmente casinos.

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As relações comerciais começaram em Dezembro de 2017, com um ajuste directo de 150 mil euros (sem IVA), onde se invocava um artigo do Código dos Contratos Públicos que nem se aplicaria ao caso. No quinquénio seguinte, começaram paulatinamente a cair contratos no valor de 190 mil euros por ano, desta vez invocando uma norma que tem sido usada cada vez mais por gestores públicos para garantir os préstimos de sociedades de advogados ‘amigas’ (ou de confiança, como se queira) sem necessidade de concurso público.

Com efeito, em ‘juridiquês’ interpretado a preceito, o Turismo de Portugal justificou estes cinco contratos por ajuste directo, porque considera que o trabalho de advocacia é de “natureza intelectual” e que a natureza das prestações de serviços em causa “não permit[e] a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação” nem alegadamente se mostra possível a “definição quantitativa dos atributos das propostas”.

Este argumento da impossibilidade de lançar concursos públicos por alegada dificuldade em definir atributos para os critérios de adjudicação é bastante falacioso, uma vez que os serviços de advocacia são bastante regulamentados, sendo possível avaliar propostas com base em critérios objectivos, como a experiência, as qualificações, o preço dos honorários e as metodologias de trabalho. Mas invocar aquela norma, sem a justificar, foi um expediente para garantir à Clareira Legal cerca de 1,17 milhões de euros (IVA incluído) em serviços jurídicos entre 2018 e 2022.

Chegou entretanto o ano de 2023, e o Turismo de Portugal optou por outro expediente: para representação do Estado português em três acções arbitrais, adjudicou novamente à Clareira Legal cerca de 1,48 milhões de euros (IVA incluído), mas sob a fundamentação de “urgência imperiosa” sem possibilidades de optar por concurso público.

Carlos Abade, presidente do Conselho Directivo do Turismo de Portugal.

De acordo com o Turismo de Portugal, o caso foi levantado por concessionárias de três zonas de jogo e o valor global dos pedidos de compensação apresentados ascendia a mais de 330 milhões de euros. Apesar de garantir então ao PÁGINA UM, em Novembro de 2023, que todo o processo de adjudicação era legal, o Turismo de Portugal admitiu outra causa “determinante”: a Clareira Legal tinha conseguido “obter vencimento nas acções propostas pelas concessionárias perante os tribunais judiciais, protegendo e beneficiando assim o interesse público”. E acrescentava que assim “foi escolhido o prestador em quem se deposita[va] confiança técnica e profissional, sendo que, nestes casos, as próprias Directivas Comunitárias de contratação pública não se aplicam a este tipo de contratos.”

Contratos na base da “confiança” ou da amizade não estão, no contexto dos princípios da contratação pública, associados às regras da transparência e da livre concorrência, até porque os honorários da Clareira Legal não são baratos, atingindo, nos contratos conhecidos, entre 180 e 200 euros por hora (com IVA).

Mas isso pouco importou ao instituto público liderado por Carlos Abade. E assim, no ano passado, a sociedade liderada por André Luiz Gomes recebeu mais duas ‘prendas’: um ajuste directo de 55 mil euros (sem IVA), em Agosto passado, para patrocínio de uma providência cautelar intentada pela Sociedade Figueira Praia, por alegada “urgência imperiosa”; e um segundo ajuste directo, mais chorudo (290 mil euros, sem IVA), no final do mês passado.

André Luiz Gomes ao lado de Joe Berardo, numa audição parlamentar em Maio de 2019. Fonte: AR-TV.

Apesar da ‘colecção’ de ajustes directos, que tornam a excepção uma regra, aparentemente tudo vai continuar, a atender pela reacção do Turismo de Portugal. Para esta entidade pública, o tipo de patrocínio judiciário executado “não é compatível com a descrição detalhada das actividades a desenvolver, as quais são variáveis em função do desenvolvimento dos processos e, muitas vezes, são consequência directa da estratégia processual definida pelos advogados prestadores dos serviços e, portanto, insusceptíveis de serem antecipadas pelas entidades adjudicantes”. E acrescenta ainda que o Código dos Contratos Públicos “tem consagração legal precisamente para acolher situações como a presente.”

Se o Turismo de Portugal advoga, tal como outras entidades públicas, que o ajuste directo se pode aplicar sempre aos serviços jurídicos, resta assim saber qual a razão para algumas outras entidades também públicas insistirem em lançar concursos públicos, assumindo, deste modo, ser possível definir critérios para uma adjudicação mais transparente e competitiva.


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