Hoje, na rubrica ‘Caderno dos Mundos’, uma reportagem de Rui Araújo, publicada no jornal Semanário na edição de 8 de Outubro de 1988, sobre Carlos Manuel, 25 anos, solteiro, pintor da construção civil e agora réu por gostar da Anabela e do bailarico.
BAILAR COM A ANABELA
— A moral da história é que como o porteiro não me queria deixar entrar, os polícias deviam pegar em mim e irem comigo lá acima esclarecer o caso. Eu vinha-me embora a bem, não é assim da maneira que eles agiram. E já não é o primeiro que me faz coisas destas… Uma vez, houve um que até me ‘amandou’ um tiro num vão de escada… — lamenta-se o réu.
Carlos Manuel, 25 anos, solteiro, pintor da construção civil e agora réu por gostar da Anabela e do bailarico.
Auto de notícia
«O rapaz entrou na discoteca quando a sua entrada está proibida. É normal o detido perturbar o ambiente da sala. Desta vez, não deixava fechar a porta. Dirigi-me a ele no sentido de lhe fazer ver que o seu acto não estava correcto. Solicitei-lhe que deixasse fechar a porta e abandonasse o local. Não me obedeceu. Tive de o agarrar pelas costas para fechar a porta. O detido apresenta um pequeno ferimento no lábio que não foi provocado por mim em virtude de este, ao sentir-se agarrado, ter soltado de imediato a porta não sendo necessário fazer uso da força.»
Acto de amor
— O porteiro não me queria deixar entrar porque eu teria a entrada cortada. Eu não o deixei fechar a porta. O tipo chamou o polícia, que se virou a mim. Queria tirar-me à força. E eu agarrado à porta. Até ainda tenho aqui o ferimento no dedo. Depois, o polícia virou-se ao murro a mim e apertou-me o pescoço. Chegou a carrinha da PSP e fui parar à esquadra. Daí, levaram-me para o Governo Civil. Estive lá até há bocado…
— Porque insistiu tanto para entrar na discoteca?
— Trabalhei naquela boîte e acho que nunca lá fiz mal nenhum. Foi só por isso…
— Mas porque razão não se foi embora antes de aquilo dar para o torto?
— Não me fui embora porque queria ir lá dentro saber qual era a justificação para eu não poder entrar.
— E tem a certeza que não sabe qual é o motivo?
— Sei lá… Se calhar, é por eu andar a dançar com as empregadas da casa… Coisa que a patroa detestava era isso. Deve ser essa a razão…
— Gosta mesmo de dançar?
— Gosto e sempre gostei. Eu era empregado lá e mesmo assim quando podia dançar, dançava. Assim que podia dar uma fugida para dançar, lá ia eu.
— Tem algum ídolo? Dançarino ou bailarina?
— Tenho uma rapariga chamada Anabela, lá dentro.
— E cá fora?
— Cá fora, não.
— O que dança?
— Eu danço qualquer música, então não é?
Despacho
«Considerando que o réu apresenta ferimento visível no lábio superior e atendendo às suas declarações, considero inconveniente a tramitação do processo sob a forma sumária, motivo pelo que determino a sua remessa ao Ministério Público e exame médico para Carlos Manuel que vai em liberdade.»
Reportagem originalmente publicada no jornal Semanário, na edição de 8 de Outubro de 1988.
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