As duas empresas do demissionário director executivo do Serviço Nacional de Saúde, Gandra d’Almeida, nas quais foi gerente até meados do ano passado, recebeu mais de meio milhão de euros apenas em 2022 e 2023, quando era em simultâneo director da Delegação Regional do Norte do INEM. O seu salário como gerente na Raiz Binária e na Tarefas Métricas, ambas tendo a prestação de serviços de saúde no seu objecto social principal, foi duas vezes superior ao que auferia no INEM.
De acordo com uma análise às contas destas duas empresas nos dois exercícios completos em que Gandra d’Almeida liderava o INEM do Norte, a Raiz Binária – criada em 2014, com a então namorada, hoje sua mulher, com sede numa vivenda em Gulpilhares (Vila Nova de Gaia) – facturou 195.633 euros em 2022 e 198.533 euros no ano seguinte. Neste período, como gerente único – e acumulando com o salário de dirigente de direcção intermédia no INEM (cerca de 3.500 euros, incluindo despesas de representação) –, Gandra d’Almeida ‘sacou’ 126.612 euros nos dois anos.
Saliente-se, contudo, que nenhum desta facturação provém de contratos inseridos no Portal Base, que inclui todos os contratos públicos. Porém, por vezes existem incompreensíveis atrasos na introdução de registos de contratos. Com efeito, por agora, no Portal Base todos os 13 contratos públicos da Raiz Binária com centros hospitalares foram celebrados entre Julho de 2016 e Junho de 2020, sendo que o último vigorou até meio de 2021, ou seja, antes da entrada em funções de Gandra d’Almeida no INEM do Norte.
Quanto à Tarefas Métricas, trata-se de uma empresa unipessoal, ou seja apenas detida por Gandra d’Almeida, criada em Junho de 2019, com similares objectos sociais da Raiz Binária: a prestação de serviços como categoria principal, seguindo-se uma actividade imobiliária. A Tarefas Métricas teve, em 2022 e 2023, uma facturação menor do que a da sua ‘irmã’ Raiz Binária: 60.413 euros e 66.214 euros, respectivamente. Mas, mesmo assim, Gandra d’Almeida recebeu, como gerente desta novel empresa, um total de 64.858 euros nesses dois anos.
Tudo somado, apenas nos dois últimos anos ‘empresariais’ – as contas de 2024 não estão concluídas –, e enquanto liderava o INEM do Norte, Gandra d’Almeida recebeu a título de gerente da Raiz Binária e Tarefas Métricas, sem contabilizar outros recebimentos, um total de 191.470 euros, significando, assim, um salário médio mensal bruto (14 meses por ano) de 6.838 euros.
Além deste montante ser quase o dobro do montante que Gandra d’Almeida auferia então no INEM do Porto, a gerência de empresas privadas, ainda mais no sector da saúde, mostra-se profundamente incompatível. De acordo com a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não pode existir acumulação com actividades privadas que sejam concorrentes, similares ou conflituantes com as funções públicas, especialmente quando envolvem conteúdo idêntico ou o mesmo público-alvo de forma permanente ou habitual.
A acumulação, segundo o diploma de 2014, somente é permitida se as actividades privadas não forem legalmente incompatíveis com as funções públicas, não coincidirem, mesmo que parcialmente, com o horário de trabalho, não comprometerem a isenção e a imparcialidade exigidas e não prejudicarem o interesse público ou os direitos dos cidadãos. Caso sejam praticados actos contrários ou conflituantes com os interesses do serviço público no âmbito das atividades privadas autorizadas, a autorização para acumulação será revogada, configurando ainda uma infracção disciplinar grave.
Gandra d’Almeida só renunciou à gerência das duas empresas em Maio do ano passado, semanas antes de ser nomeado para o cargo de director executivo do SNS. Além disso, também cedeu as quotas à sua família, à mulher e três filhos menores de 12 anos. No caso da Tarefas Métricas, apesar da gerente ser a sua mulher, uma parte da quota (70%) é da Raiz Binárias e as restantes quotas foram distribuídas pelos três filhos menores de 12 anos, um dos quais terá cerca de três anos, pelo número de identificação fiscal.
Destaque-se que ambas as empresas têm, como actividade secundária, o sector imobiliário e, no caso da Raiz Binária ainda o alojamento local e o comércio. Contudo, não é conhecida outra actividade efectivamente exercida nas duas empresas e a componente imobiliária servirá, ao que o PÁGINA UM apurou, para encaixar despesas gerais da família de Gandra d’Almeida, uma vez que a sede das duas empresas coincide com a vivenda onde o médico vive com a sua mulher e dois filhos menores.
Aliás, a empresa Raiz Binária, apesar de um capital social de apenas 100 euros, possui um activo tangível da ordem dos 600 mil euros. Ou seja, ao que tudo indica, o ex-director executivo terá transferido o seu património para a empresa, tanto mais que surge no passivo um endividamento bancário de longo prazo de 316 mil euros, além de outros passivos correntes de 175 mil euros.
O PÁGINA UM pediu esclarecimentos a Gandra d’Almeida, através do contacto disponível das empresas agora geridas pela mulher com sede na habitação comum, mas ainda não obteve qualquer reacção.
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