De reforço até à 'exautoração' foi um passo

Gouveia e Melo ‘despedido’ sem honra nem glória da Universidade Nova de Lisboa

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 20, 2025


Categoria: Exame

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O almirante na reserva Gouveia e Melo vai deixar de ser professor e regente da disciplina de Segurança Marítima na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – pomposamente denominada Nova School of Law –, apesar de o seu nome ter ainda constado dos horários do segundo semestre do actual ano lectivo (2024/2025), divulgados pela instituição universitária nos últimos dias de Dezembro.

De acordo com o documento a que o PÁGINA UM teve acesso, com data de 30 de Dezembro de 2024, Gouveia e Melo mantinha-se como responsável da cadeira de Maritime Security no mestrado em Direito e Economia do Mar, repetindo o estatuto de regente dos dois anos lectivos anteriores, embora nunca tenha leccionado. Mas depois de novas perguntas do PÁGINA UM à Nova School of Law sobre a sua manutenção no corpo docente, a instituição universitária aparentemente ‘exautorou’ Gouveia e Melo, que afinal só leccionava a cadeira de Maritime Security “enquanto CEMA [Chefe do Estado-Maior da Armada], por inerência”, o que deixou de ser no passado dia 27 de Dezembro.

Gouveia e Melo acabou ‘exautorado’ de regente de uma cadeira de mestrado onde nunca deu uma aula em dois anos lectivos.

Em nota transmitida por uma agência de comunicação privada, a LPM, por via de um contrato público no valor de 29.760 euros celebrado em Fevereiro de 2023 com a Nova School of Law – cuja inserção no Portal Base apenas ocorreu no passado dia 9 de Dezembro, três dias após uma anterior notícia do PÁGINA UM –, é dito ainda que “se aguarda indicações da Marinha Portuguesa sobre a equipa que assegurará essa cadeira no próximo semestre”, acrescentando que os novos horários, corrigidos no início da semana passada, já “não têm qualquer referência ao almirante Gouveia e Melo”.

Porém, no site do mestrado, consultado esta tarde pelo PÁGINA UM, na descrição da cadeira de Segurança Marítima, o nome de Gouveia e Melo continua referido, informando-se que “o programa é narrativo”, e que “possui uma introdução em três partes, que seguem a lógica do título do programa”, acrescentando ainda que as “suas metodologias de ensino, como convém à ADN da faculdade, são aulas teórico-práticas interactivas que envolvem a participação dos alunos” E diz-se ainda que, “em alguns casos, os alunos podem decidir fazer apresentações sobre o tema da sessão, caso em que a interacção se torna mais espessa e multicêntrica”.

Seja como for, o ‘despedimento’ sem honra nem glória de Gouveia e Melo – que mantém ainda activo o e-mail institucional, embora não tenha respondido ao pedido de comentários do PÁGINA UM – contrasta com o entusiasmo de um comunicado da instituição universitária quando anunciou a sua ‘contratação’, sem nunca referir que era apenas Chefe do Estado-Maior da Armada.

O comunicado destacava em especial o seu papel de coordenador da Task Force do Plano de Vacinação contra a covid-19 e salientava que a sua ‘contratação’ – que até agora não se sabe se envolveu pagamentos – constituía um exemplo do “empenho [da Nova School of Law] em robustecer o nosso corpo docente com os melhores e mais talentosos profissionais, contribuindo para a excelência deste mestrado, que se destaca pela sua natureza diferenciada, assente numa visão ampla e integrada, consciente de que no mar estão os maiores desafios e oportunidades do planeta para um desenvolvimento sustentável”.

Nos horários do segundo semestre de 2024/2025 do mestrado em Direito e Economia do Mar ainda foram divulgados, no final de Dezembro, com Gouveia e Melo como regente. Depois das perguntas do PÁGINA UM, o seu nome ‘caiu’.

Recorde-se que, como revelou o PÁGINA UM no mês passado, o almirante Gouveia e Melo terá violado o Estatuto dos Militares das Forças Armadas ao acumular a regência da cadeira de Segurança Marítima na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa com o seu cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada, sobretudo porque afinal nunca existiu um protocolo entre as duas entidades.

O diploma de 2015 explicita que “as funções militares são, em regra, em regime de exclusividade”, embora possa haver situações excepcionais, se forem compatíveis “com o seu grau hierárquico ou o decoro militar”. Sendo certo que a regência de uma cadeira de mestrado é uma função digna, Gouveia e Melo tinha um problema legal: o desempenho de funções em regime de acumulação, independentemente de serem exercidas graciosamente – como alegou a Marinha na semana passada –, “depende da autorização prévia do Chefe do Estado-Maior respectivo”.

Ora, para a situação específica de Gouveia e Melo existia “um impedimento legal por interesse próprio”, como confirmaram ao PÁGINA UM dois professores universitários de Direito. Conforme estipula o Código do Procedimento Administrativo – que rege também actos desta natureza das Forças Armadas –, os titulares de um órgão no exercício de poderes públicos não podem intervir em qualquer processo “quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa”. Isto aplica-se mesmo se as funções forem exercidas a título gracioso, subentendendo-se sempre que Gouveia e Melo obteria, para si, o estatuto de professor universitário, melhorando o currículo público.

Assunção Cristas (esquerda) e Margarida Lima Rego, actual directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa: nunca deram a cara pelas suas decisões, usando uma agência de comunicação privada para comentar sem nada esclarecer. Foto: DR.

Em concreto, a colaboração nos dois anos lectivos anteriores (2022/2023 e 2023/2024) de Gouveia e Melo – e de militares a si subordinados, que acabaram por leccionar as aulas, sem sequer serem (re)conhecidos os seus nomes como docentes – seria legal, mas mesmo assim sujeita a concordância da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), se estivesse suportada num protocolo. Porém, na verdade, esse propalado protocolo somente viu a luz do dia, passando então finalmente a existir, no final do mês de Dezembro passado, depois das revelações do PÁGINA UM.

A revelação de que Gouveia e Melo nunca deu uma aula, que o seu nome nunca foi convenientemente aprovado pelo Conselho Científico da Facudade de Direito e que essa regência não estava prevista na renovação da acreditação pela A3ES estavam a constituir mais um incómodo do que uma vantagem para a instituição universitária.

A própria coordenadora do mestrado, Assunção Cristas, antiga ministra centristra, chegou mesmo a revelar uma fotografia a revelar uma visita à Base Naval do Alfeite em Novembro de 2022, acompanhada pela filha, e tendo como ‘cicerone’ o Almirante Gouveia e Melo, referindo-o como responsável da cadeira de Segurança Marítima, quando tal nem sequer fora divulgado pela Faculdade de Direito. Perante a celeuma, a continuação da regência por parte de Gouveia e Melo nem ao próprio seria vantajosa num cenário de candidatura às Presidenciais de 2026.

Assunção Cristas: antiga ministra do CDS e coordenadora do mestrado tratou assuntos de uma universidade pública como se fosse ‘coisa caseira’.

Em todo o caso, a Marinha, agora liderada pelo almirante Nobre de Sousa desde 27 de Dezembro passado, não quis remeter o seu conteúdo ao PÁGINA UM, recusando satisfazer um legítimo pedido de acesso em prol da necessária transparência, dizendo que “será divulgado publicamente em breve”. O gabinete de imprensa da Marinha não definiu o conceito de “breve”.

A Marinha descarta também responsabilidades no afastamento de última hora do putativo candidato a Belém nas funções de regência da cadeira de Segurança Marítima. “No caso da eventual referência ao Senhor Almirante Gouveia e Melo nos horários do próximo semestre da Nova School of Law, bem como à sua divulgação, trata-se de matérias do foro exclusivo da referida faculdade, pelo que se sugere contacto directo com a mesma”, disse o gabinete de imprensa do Estado-Maior da Armada ao PÁGINA UM.


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