Pena suspensa: A plástica
— A moral da história é um indivíduo sair à noite para passar uns bons bocados e entrar numa aventura. E não saber como acaba a noite… O meu cliente precisa de estar em óptimas condições físicas, mas acabou por estar todo o fim-de-semana detido nos calabouços do Governo Civil de Lisboa — conclui o advogado.
Alcides, solteiro, cabo-verdiano, jogador de futebol e agora réu por ter ido a uma discoteca com a namorada. Acusação: injúrias e desobediência à Autoridade.
O Auto de Notícia reza que estando o guarda em serviço remunerado na discoteca Cave X «o proprietário disse ao futebolista que não podia entrar por ser indesejável à casa e ali ter causado vários distúrbios. Como o mesmo tentasse forçar a entrada, o dono pediu a intervenção da Polícia, que aconselhou o réu a retirar-se e ir procurar outro estabelecimento. O mesmo não obedeceu.»
Alcides terá, então, injuriado o agente da PSP, mas o advogado do jogador tem outra versão dos factos…
A defesa passa ao ataque…
— O indivíduo olhou para ele e pura e simplesmente não o deixou entrar.
— Racismo?
— Não considero isso racismo porque essa palavra é forte. Não quero ir para esse lado…
— Então, qual foi o pretexto?
— Eu admito até que tenha sido a «plástica» dele. A maneira como ele levava o penteado, sei lá. Há algo que estigmatizou o porteiro da «boîte». Daí, ele querer saber o porquê. Responderam-lhe que não entrava porque o dono não queria. Nisto, foi chamado pelo polícia que veio cá fora. A namorada, que tinha ficado dentro da «boîte» a pedido do polícia até a questão ser resolvida, foi agarrada por um braço e expulsa. Quando o Alcides viu o que se estava a passar com a namorada, reagiu. Disse ao agente para ver o que estava a acontecer. Que o senhor porteiro e o dono da «boîte» estavam a ter um comportamento FP (FP’25). A partir daí mais nada se passou. É evidente que neste caso a questão que se põe é saber a quem deve obedecer um agente da PSP quando se encontra à porta de uma discoteca. Se deve agir com aquela imparcialidade necessária que é imposta pela Lei ou sob o mando dos patrões. Aquilo que se verificou é que o agente foi simplesmente acatador das ordens do indivíduo da «boîte», que disse que o Alcides tinha de ser preso e arranjou-se o pretexto, segundo o qual teria dirigido palavras obscenas ao polícia e extensivas a eles.
O árbitro marca falta
Alcides foi absolvido. Não se provou ter havido desobediência. A ordem era ilegítima. Também não ficou provado ter havido qualquer injúria.
E foi dada por terminada a contenda…
Reportagem originalmente publicada no jornal Semanário, na edição de 24 de Setembro de 1988.