”É preciso, à esquerda, saber estar em minoria e remar contra a corrente’

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Elisabete Tavares|25/01/2025


A ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos vem reforçar a tendência que se passa na Europa de normalização de uma nova extrema-direita. Para Fernando Rosas, historiador e fundador do Bloco de Esquerda, “o momento é muito preocupante em termos internacionais” e “estamos a viver um período muito semelhante ao de 1939”, que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Mas não vai ser um fascismo igual ao que se assistiu naquela época.

Nesta entrevista ao PÁGINA UM, o professor catedrático emérito da Universidade Nova de Lisboa manifestou preocupação com o que considera ser uma nova era de um regime fascista, com uma nova extrema-direita reconfigurada, e aliada de partidos tradicionais de direita. Além disso, Fernando Rosas sublinhou o apoio que oligarcas financeiros e tecnológicos dão a este novo regime que surge como sendo aparentemente benévolo, para resolver os problemas das populações, mas que irá acabar por se impor como autoritário e levar a um aumento das desigualdades económicas e sociais.

Fernando Rosas, na sua residência, em Lisboa, onde recebeu o PÁGINA UM para esta entrevista. / Foto: PÁGINA UM

O aviso é também deixado por Fernando Rosas no seu mais recente livro ‘Direitas velhas, direitas novas’, no qual analisa a evolução da extrema-direita na Europa ocidental no pós-Segunda Guerra Mundial.

Para o fundador do Bloco de Esquerda, a Europa está a normalizar a extrema-direita, com a actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a contribuir para essa realidade, através de alianças e políticas que beneficiam grandes grupos económicos e interesses oligárquicos, designadamente a indústria de armamento.

Para o historiador, nesta ascensão da nova extrema-direita reconfigurada, o anti-semitismo nazi foi substituído pelo anti-islamismo, a homofobia, a xenofobia e a repressão sexual.

Mas esta nova “extrema-direita não cai do céu aos trambolhões, não é um fenómeno que [surgiu] de repente”, porque “tem origem na crise sistémica do capitalismo neoliberal”, numa “crise económica, uma crise social e uma crise política”. Isto porque “as instituições desacreditaram-se, porque abandonaram as pessoas e as pessoas respondem com medo e respondem com raiva”. É destas emoções primárias que a nova extrema-direita se alimenta para crescer, defendeu Rosas.

Foto: PÁGINA UM

“[Em] alguns desses partidos será uma direita que se reconfigura, cavalgando esse descontentamento e cavalgando totalmente sem escrúpulos. Explorando os instintos primitivos das pessoas, o racismo, a homofobia, a concorrência desbragada, o messianismo, a aceitação de verdadeiros palhaços, bobos da corte que se apresentam como líderes de opinião”, afirmou.

Alertou que “a mentira, a manipulação e esse cavalgar tem uma grande novidade em relação ao que se passou nos anos 20 e nos anos 30 do século passado, que são os meios que têm, a manipulação algorítmica, através das redes sociais, das vontades”, numa “verdadeira operação de contra-revolução cultural” e de “manipulação das vontades, dos sentimentos”. Porque “os eleitorados não são maioritariamente fascistas ou neofascistas; os eleitorados estão zangados, e há uma parte da extrema-direita que se reconfigurou para cavalgar esse descontentamento”.

Defendeu que com décadas de capitalismo neoliberal, o que temos hoje “são os resquícios de solidariedade social, trabalho coletivo, de espírito de comunidade” porque o lucro se tornou o objectivo central e tudo foi mercantilizado. “A mercantilização é o passar por cima do outro, é o espírito das ‘startups‘, o trepar por cima do outro e fazer o que for preciso para vencer”, disse.

Para Fernando Rosas, a esquerda precisa de “saber estar em minoria e lutar contra a corrente” para combater o novo fascismo e a guerra que se avizinha. “Remar contra a corrente é a história da esquerda”, disse. Lembrou que “a luta económica, a luta política contra a exploração do capital é indissociável de outras lutas que não são propriamente económicas, mas são lutas e ideológicas, são lutas do espírito, são lutas culturais”.

Mas defendeu que também a sociedade civil se precisa de movimentar. “E eu tenho confiança que a cidadania tem força suficiente, se souber caminhar nesse sentido, mas eu diria que o mundo que aí vem é complicado”, avisou.

Pelo meio, deixou fortes críticas à comunicação social, que acusa de contribuir para a ascensão da nova extrema-direita, porque “querem ganhar com a especulação, com as audiências, com o espectáculo” e reproduz o ambiente de normalização de partidos, como o Chega, que “transporta a subversão da democracia”.

Fernando Rosas defendeu que acções como a recente manifestação contra a acção policial na Rua do Benformoso, em Lisboa, são a base para a criação de uma plataforma que una movimentos para combater o que classifica de novo fascismo. / Foto: D.R.

Sobre os Estados Unidos, apontou que o fenómeno do “super-identitarismo” fez com que a “luta deixou de ser entre oprimidos e opressores e passou a ser entre brancos e pretos, mulheres e homens, heterossexuais e transexuais ou homossexuais”, levando à divisão da “frente que tem que haver num objectivo comum: a emancipação política e social”.

Na Europa, incluindo em Portugal, defendeu que deve haver uma plataforma que junte a esquerda, com acções em conjunto que fomentem uma plataforma comum para combater “este novo anti-fascismo”. Mas alertou que esta plataforma “que é preciso construir não pode ter ilusões acerca do capitalismo neoliberal” porque combater a extrema-direita actual “é resolver o problema da habitação, dos salários, do desemprego”. É isso que vai tirar a base e o eleitorado dos novos partidos de extrema-direita, defendeu.

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